26 de fevereiro de 2009

MONSTROS DA AREIA


Nei Duclós

Agora que temporada chegou ao fim e precisamos enfrentar a súbita revelação de que o crescimento era insustentável e a marola, tsunami, dá para fazer um balanço da areia sem medo de prejudicar o turismo. Pelo que pude constatar no trânsito, não houve aquela lotação dos anos passados, o que pode significar que o número de visitantes não foi tão intenso como chegou a ser anunciado. Andei tranquilamente por ruas que, nos verões anteriores, não permitiam passagem de jeito nenhum.

Os poucos que vieram foram os tradicionais, os argentinos, que não conseguem ficar longe daqui. Os paulistas, com a crise, se recolheram. E os gaúchos compareceram, mas timidamente. Não que a ilha não estivesse superpovoada, é que a avalanche desta vez foi menor. Além das nuvens carregadas na economia, teve a água fria das inundações um pouco antes do início do veraneio. Hotéis vazios e imóveis em excesso de oferta conviveram com o gesto mais constrangedor do turismo amador, gente a céu aberto sacudindo as chaves na fuça de placas adventícias. Devia ser proibido, assim como o som alto e a grilagem de espaços entre os banhistas.

Explico. Um bom horário para se pegar praia é de manhã, lá pelas oito ou nove horas. Às onze, chegam os invasores. Eles te rodeiam e vão logo se espalhando pelo lugar que você escolheu para ficar. Cedendo à forte pressão, você ensaia uma retirada honrosa quando eles, então, sem esperar que enrodilhemos a esteira, se jogam para cima. Ninguém me contou, aconteceu comigo mais de uma vez. Olhei para cada um dos transgressores: pareciam normais. Eram monstros.

Na sorveteria, o atleta atropela a senhora para pegar a cabeça da fila; na muvuca do desfile, o saradão pisa abruptamente o calçado alheio, rebentando tiras; no cruzamento, o boy rodeado de gatinhas ruge como um leão faminto; nas avenidas lotadas, os carros atiram-se na contramão para desviar de buracos. E as motos? São veículos da vontade hegemônica. A moto quer, a moto pode.

O som alto é o crime recorrente de todos os dias. Não apenas o canhonaço dos carros envenenados. Mas o vizinho da serra elétrica ou as celebrações ruidosas, como a justificar a impressão que a humanidade é um sonho perdido. Todos esses eventos podem ser considerados menores diante de outros, que geram sérios prejuízos físicos. Por que reclamar da invasão do espaço na areia se existe coisa pior, como atropelamentos e assassinatos?

Acredito que o ambiente de transgressão permanente beneficie o exercício da criminalidade. Se ninguém mais respeita a contramão, se xingam pessoas com idade ao volante, se conseguem ser tão caraduras tentando sentar no lugar onde ainda nem te levantaste, então daí para um soco, um pontapé, um tiro nem precisa fazer esforço. O conflito medra como cogumelo depois da chuva.

Dou a ré no estacionamento e um novo tipo, o véio Viagra, vem para cima de mim. Eu teria encostado no carro prateado dele ao fazer a manobra. Perguntei onde estava o arranhão. Não soube responder. Fui-me embora. Sorte que fui criado na disciplina da gentileza. Senão estaria engrossando o coro da barbárie.

RETORNO - Imagem desta edição: um banhista procurando encrenca.

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