12 de março de 2009

O ELEFANTE QUEBRA A JAULA


Mais massacres na Alemanha e Estados Unidos. É sempre o mesmo tipo de delito, cometido pelo assassino que decide destruir o que lhe incomoda: família, escola, trabalho. É uma pessoa reservada, quieta, excluída, que vai à forra. Os colegas que o esnobam, o emprego que o demite, os parentes que o atordoam. O assassino procura destruir a própria jaula, pois não tem força, na vida normal, para se livrar dela. Faz parte do encarceramento, foi colocado lá e acaba se tornando conivente. A raiva contra a situação começa no delírio, no sonho, evolui para o planejamento e a ação.

O cara se veste de preto, é um guerreiro ninja. Tem toda a indústria de entretenimento para o encorajar. Os comandos, todos de roupas colantes e armados com a mais alta tecnologia mortífera, escalam prédios, invadem países, resgatam prisioneiros, matam autoridades, caçam mafiosos na maior impunidade. Na Alemanha, o assassino (que chamam de adolescente; com 17 anos não é adolescente, é adulto; adolescente tem treze anos) era filho de um dono do clube do tiro. Tudo a ver. Anos atrás, os dois que atacaram uma escola americana tinham armas em casa compradas pelos pais. O arsenal ajuda, proporciona o ato, mas as fontes são essas: o medo de enfrentar a realidade, a vontade de destruir os grilhões, se libertar, o que só vem com a insânia e a morte.

Italo Svevo, autor italiano da virada do século 19 para o vinte, no seu livro Senilidade tem um trecho revelador sobre o protagonista que imagina o crime: “Tinha sonhado em sua vida até com o furto, o homicídio, o estupro. Sentira a coragem, a força e a perversidade do delinqüente, sonhara com o resultado dos delitos, a impunidade antes de tudo. Mas após, satisfeito com o sonho, encontrara imutáveis os objetos que quisera destruir, e se aquietava com a consciência tranqüila. Cometera o delito, mas não havia danos. No entanto, o sonho se fizera realidade, e ele, que antes o desejara, surpreendia-se agora e não o reconhecia porque antes tinha um aspecto totalmente diverso.”

O inferno desses matadores seriais é o entorno escolar, doméstico, profissional. Eles não se insurgem contra o sistema, a ideologia, o governo, a luta de classes. Eles atacam o que está mais próximo. Sinal que o inferno chegou próximo demais das pessoas e não lhes dá outra saída. Para que a vida de hoje dê certo, é preciso um monte de coisas: boa formação, oportunidades, apoio, orientação, fôlego. Não há lugar para o improviso, a falta de vontade, a fraqueza. Trata-se de uma máquina de produzir fracassados, perdedores.

O sujeito que não consegue namorar, que não sobe na vida, que tem pai, mãe, tia, avós seguindo cada um dos seus passos, esse é o enjaulado perigoso. Ele precisa se libertar, sair. Não se trata de justificar nada em crime hediondo, mas de tentar entender um fenômeno que está se repetindo demais. A sociedade de massas, que toma conta de todos os espaços, não deixando ninguém respirar, gera insatisfação em todos os níveis, inclusive nas pessoas consideradas bem sucedidas. Minha geração foi á rua, a atual resolve matar todo mundo.

No filme Elephant, Gus Van Sant compõe um quebra cabeças: intermináveis cenas que se passam dentro do colégio e como nelas se formam os ninhos de opressão, desconforto, exclusão, frustração, medo. O elefante do título é uma metáfora, se refere a à história dos cegos que tentam descobrir que bicho é aquele com grande tromba, orelhas enormes etc. Cada um, apalpando uma parte do animal, o descreve conforme sua percepção. Mas ninguém vê o conjunto.

Como não se nota mudanças à vista, com milhões de pessoas sendo despejadas de suas casas e trabalhos em todo o mundo, com os comportamentos sociais intensificando suas neuroses, a tendência é piorar. Mais massacres virão. Vai chegar uma hora em que cairá no vazio as caras de espanto e as lamentações. É preciso cair a ficha.

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