18 de março de 2009

O QUE É LIBERDADE?


Nei Duclós (*)

Liberdade não é plantar bananeira no meio da sala, ou dizer baixarias na televisão. Liberdade é submeter-se a uma liderança ética e experiente, que transcenda os limites dos liderados. Líder não significa patrão nem submeter-se significa submissão. Ao enquadrar-se em algo que está fora do universo mental doméstico, o aspirante à liberdade pode palmilhar um território fora das paredes a que está acostumado e que muitas vezes não são vistas. E assim romper as amarras originais, podendo exercer ações que não estavam no seu perfil.

A diferença entre um tirano e um líder é brutal, mas a falta de sabedoria costuma confundi-los. Um cretino pode aproveitar a hierarquia para fazer valer suas idéias fixas e seus interesses. Um líder não “entrega” que a hierarquia não tem importância e sim a liberdade. Prefere assumir o cargo com todas suas implicações negativas. Ao impor sua vontade, impede que atos voluntariosos se multipliquem e prejudiquem o andamento dos trabalhos. Mas essa imposição, se for regida pela lucidez, a cultura e a sensibilidade acaba sendo reconhecida como passaporte para algo maior.

São inúmeros os exemplos de alunos que agradecem tardiamente o rigor de professores turrões e que no fundo não prejudicaram ninguém, antes submeteram vaidades e encaminharam vocações. Ou os que amaldiçoam os que exerceram o poder de maneira equivocada. Não há maior emoção do que ser reconhecido por um Mestre verdadeiro, mas isso só acontece quando o aluno aplicado abriu mão de suas certezas e apostou no que lhe ensinavam de maneira contundente.

Esse reconhecimento mútuo cria uma linhagem. Quando o líder se retira, os que conviveram com ele têm chances de assumir um papel semelhante, o de despertar nas novas gerações os frutos de um árduo aprendizado. O maior desafio, para quem lidera, é não fazer concessões para sentimentos, apelos, fraquezas, justificativas, preguiças, armadilhas, mentiras. É também saber ver onde estão as qualidades do seu entorno, não se deixar enganar e assim não ungir alguém sem merecimento.

A meritocracia é um poder que lida com forças misteriosas, como destino, carisma, talento, esforço, abnegação, renúncia. Por isso foi desvirtuada ou deixada de lado pelo arrocho matemático dos manuais, das metodologias, das atitudes, das linguagens engessadas. É fácil, para um espertalhão, usar princípios crismados em infindáveis aconselhamentos e dar um nó nas chefias. Estas, se forem seguir as leis que a mediocridade inventou para subsistir, costuma destacar exatamente os clones de um sistema rígido, que finge ser flexível e sintonizado com a diversidade.

A expressão catequista assumida por apresentadores de televisão em matérias pretensamente corretas é pura contrafação. Instaura a verdade em quem emite a fala e impede assim que a liberdade se manifeste. Como contrariar um poder que se apresenta com o cenho carregado e a rigidez da moral incontestável? Uma reportagem é o pulo do gato do fato. Só um repórter responsável (sob uma liderança competente) terá liberdade para apanhá-lo a tempo no ar, já que não está submetido às leis imutáveis dos acontecimentos, as que foram definidas pelos núcleos do poder.

Para impedir que haja reportagem, é fundamental que não existam mais líderes nas redações. Erradicar o exemplo, apagar a memória, ditar um passado falso (como vimos recentemente no episódio da “ditabranda”) é caminho livre para confundir tudo. Como o líder é eliminado, e no seu lugar foi colocado sepulcro caiado, mente-se que agora sim somos livres. Você, em tese, pode fazer o que quiser e bem entender.

Como plantar bananeira no meio da redação e escrever “com certeza”, ou começar a matéria com “o ministro disse ontem em Brasília que...” Se houvesse liderança, a reação seria a mesma que costuma acontecer em lugares conquistados pela guerra, essa ação radical pela liberdade. Levaria o que se chama um bom “tapa na oreia”. No bom sentido, claro. Virtual. Mas que faça barulho.

RETORNO - 1.(*) Crônica publicada nesta quarta-feira, dia 18 de março de 2009, no espaço Literário do Comunique-se. 2. Imagem desta edição: Marcos Faerman, o grande jornalista que pertencia a uma linhagem infelizmente interrompida pela ditadura.

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