30 de junho de 2009

COMUNICAÇÃO


Nei Duclós (*)

Jornalismo era considerado um gênero literário. O que fazia parte do entorno do jornalismo – notícias, reclames, editais, avisos etc. – acabou em primeiro plano, deixando de lado a cobertura policial com suspense, o drama das grandes tragédias, as aventuras dos insubmissos, as memórias dos combatentes e a polêmica dos esgrimistas do verbo. O que era um nicho da literatura virou ciência humana e até mudou de nome: foi batizado de “comunicação”.

No final dos anos 60, a comunicação tomou conta das mentes. O carisma da nova onda era tão forte que não se circunscreveu aos humildes estudantes que optaram pela profissão porque “gostavam de escrever”. Atingiu faculdades de vanguarda como a arquitetura, onde se despejavam teorias evolucionistas da emergente aldeia global. Chacrinha tirou um sarro da moda, com o seu “quem não se comunica se trumbica”, imediatamente adotado pelos novos e tumultuados scholars. Há uma cena famosa em que Woody Allen, exausto da conversa do sujeito que estava na sua frente na fila do cinema, tirou, detrás de um painel, o próprio McLuhan, o papa intelectual da época, que contrariou tudo o que estava sendo dito de maneira definitiva.

Passada essa fase deslumbrada, a comunicação alcançou status de cânone, carregando embaixo do braço os estudos da linguagem a partir de Saussurre e passando pelo ralador do estruturalismo. Assim instrumentados, os conceitos da comunicação avançaram sobre o jornalismo, misturando-se aos vetores que se desenvolveram em áreas correlatas, como a publicidade. Era tudo uma questão de gosto, mas o sabor dos princípios recém descobertos acabou virando lei.

Para se consolidar, o paradigma vitorioso precisou inventar a história de que, antigamente, as redações eram um covil de românticos. Foi esquecido de propósito que, antes da febre, havia rigor pautado pelo talento e o aprendizado, que jamais dispensou a leitura dos grandes autores, era exercido na prática, no embate diário do caos da realidade, insumo para o texto inesquecível. Contar uma história ficou fazendo parte do passado, apesar de escritores como Hemingway e Garcia Marquez terem se formado nesse jornalismo que se foi, enterrado pelo brilho da mediocridade tornada enfim hegemônica.

RETORNO - 1. (*) Crônica publicada nesta terça-feira, dia 30 de junho de 2009, no caderno Variedades, do Diário Catarinense. 2. Imagem desta edição: o jovem Garcia Marquez, o escritor que saiu daquelas redações clássicas. Quais escritores de primeiro time foram gerados pela "comunicação"?

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