11 de junho de 2009

IMPÁVIDO COLOSSO


Nei Duclós

Falar da seleção brasileira é perda de tempo. Tudo já está dito. Por exemplo: disseram que Dunga é tosco, quando hoje é líder. Não significa nada, claro. Se é líder, é porque os adversários permitiram, não por méritos próprios, que, todos sabem, o bom capitão Dunga não possui. O fato de o time estar acima de todos os outros não é nada para quem conhece profundamente futebol e fala da seleção como se falasse de chouriços. Como não entendo nada de futebol e só abordo esse assunto para incomodar a vizinhança, posso garantir que o Brasil pentacampeão do mundo, hoje líder das eliminatórias, é o que a letra do hino diz: impávido colosso. O gigante indiferente, pois seu destino está assegurado.

Vejam o caso do Paraguai, o ex-bicho papão das eliminatórias. Dá gosto de ver o Galvão Bueno escolhendo o Cabañas como o boludo da vez. Sempre que o Brasil enfrenta um time estrangeiro, o Galvão Bueno escolhe um jogador deles e começa a chover no cara a gosma de uma incompreensível babação de ovo. Foi assim com o Zidane, o Beckman, o Veron e tantos outros. “Essssse é craque!” Acho que o Cabañas se parece com um rinoceronte de espartilho. Para os mais moços, espartilho é aquele troço que aperta o torax e engole a barriga e deixa o sujeito com uma pose artificial quando caminha. Cabañas é assim. Fica pior quando, por sorte, faz um gol e sai sacudindo a cabecinha como se fosse o fodão do cabaré.

O Bueno usa esse expediente porque assim garante o seu. Se o Brasil tropeçar, o comentarista global pode dizer que isso ele já sabia, pois desde o início do jogo está pulsando sua retenção em cima daquele adversário. Ele vibra numa patriotada pelo avesso, ou seja, transformando o inimigo numa espécie de Brasil que deveria dar certo. Porque o importante aí é a patriotada, não o futebol. A patriotada é o mau uso do carisma da nação em proveito próprio. É desmascarada no primeiro revés. É só tomar um gol que a patriotada vai toda para o inimigo. Chamam isso de "isenção".

O futebol é uma obra nacional que alcançou a permanência. Isso transmite segurança a quem faz parte do país e não precisa de patacoadas, já que tem uma ligação sincera com a pátria. Para mim, o importante é descobrir que a seleção canarinho (ainda usam esse apelido? eu gosto) é obra da nação, não da CBF, dos treinadores ou mesmo dos jogadores. Esses, cumprem o destino do Brasil cheio de glórias.

Não se trata de misticismo, mas de evidência. Você não pode se insurgir contra Atlas se estiver ao pé dele. Pode levar um pisotão. Não pode apontar para Antares e dizer: puxa, ele é do tamanho de dois Paraguai. Não é. É maior. Começa pelo hino. Enquanto os paraguaios usam metáforas sinistras, Osorio Duque Estrada encheu nossa letra de florão, vida, amada, e outras palavras maravilhosas. Dá gosto cantar o hino e ver a multidão teimar na letra considerada incompreensível. Como resistir a um poema que diz: “Se ergues da justiça a clava forte, verás que um filho teu não foge à luta”? Foi o que aconteceu em Recife, no jogo desta quarta-feira, entrando na madrugada de quinta e do feriadão de Corpus Christi.

Começa pelo Kaká, o mais injustiçado garçom do futebol mundial. A todos ele serve, com seus passes, suas arrancadas, sua inteligência. Recebe quase nada em troca, como a ser punido por ter sido vendido por trocentos quaquilhões para o Real Madri. Mas falar de Kaká é redundância. Só podemos louvar seu talento e, acrescento, a humildade de um guerreiro que no front olha para os companheiros.

Depois de Kaká, teve Robinho, que se transformou em mestre de mais um oficio, o do sobrepique. O sobrepique, conhecido como bate-pronto, é quando a bola é chutada sem dó depois de quicar no chão. Ao receber o passe em diagonal e em curva, Robinho chutou de primeira, no sobrepique, e mostrou que o Paraguai é o que parece, um time raçudo mas sem vocação para a grandeza.

É preciso também louvar Nilmar, que veio ao mundo sem peso (as balanças emudecem quando recebem Nilmar) e é capaz de driblar sete adversários antes de se imortalizar num gol inesquecível, como aconteceu recentemente no campeonato brasileiro. No jogo contra o Paraguai, Nilmar fez um passe de peito que acabou nos seus pés. Conseguiu colocar a bola mesmo recebendo um tranco do zagueiro. É a estrela da vez, gerada pelo céu brasileiro representado no globo azul da bandeira.

Também deve se fazer justiça a Lucio, não só pelo que fez na linha de fundo paraguaia, quando quase causou um estrago de grande monta. Mas pela consistência, a persistência. A zaga não é simpática, é difícil ter um herói ali. Lúcio honra a posição e manteve a escrita de um time que é o perfil da garra brasileira. Lucio se parece com Dunga, um sujeito sério, aparentemente bruto, sem muito domínio de bola. Mas nenhum dos dois está balançando no cargo. São uma espécie de projeção do que o Brasil é, esse desengonço geográfico que inventou-se por teimosia.

Gostei do jogo. Os paraguaios foram duros e perigosos. O Brasil manteve um equilíbrio ofensivo e em alguns lances exerceu sua arte suprema, o de transcender um pedaço de chão, uma história complicada, um presente aos pedaços e um futuro incerto. Brasil é o impávido colosso visto de longe, daquele fim do mundo para onde foi o Felipão e, escreva, que de lá poderá sair campeão do mundo com seu time desconhecido. Felipão é implicante e está com os ingleses e todos os europeus atravessados no gogó. Cuidado com o Felipão, o chão treme quando ele caminha. Cuidado com Dunga, o cara anda colocando os pés para dentro. Cuidado com o Brasil, terra adorada.

RETORNO - 1. Imagem desta edição: capitão Dunga. 2. A Folha cumpre a escrita: "Fora do estilo de Dunga, Brasil vira e ganha elogio". Ou seja, quando o treinador está acertando o time, sofrendo nesse processo, a imprensa cai em cima e define que isso é o "estilo" dele. Quando consegue acertar e mostra a que veio, então não foi ele o responsável. Haja. 3. Repressão violenta na USP: o velho coronelato civil, com seu exército particular, a força pública, repete o que faz desde 1964. É a chamada "democracia" da ditadura.

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