27 de agosto de 2009

ENCRENCA


Nei Duclós (*)

O excesso de boas intenções embaladas em programas solidários alerta para uma realidade mais prosaica: a de que nos entregamos ao conflito por vocação e natureza e todo esforço em contrário soa falso. O normal é a encrenca, especialmente entre os que estão próximos demais, como acontece nas tragédias domésticas, conjugais ou não. Morder quem está perto é um esporte consolidado, enquanto a idéia de ajudar o vizinho é tão bizarra quanto rasgar dinheiro. Mas dizer isso é pecado.

É melhor acreditar no gesto de jogar pombas para o alto (que correm em direção a um abrigo antes que alguém lhe dirija algum chumbo quente) como representação da paz. A experiência ensina que a paz não depende de beijos no coração. Pelo menos porque o órgão bombeador de sangue não pode ser beijado impunemente, sob pena de lambuzar o beijador.

Pessoas realmente sinceras se xingam quando se encontram. É a maneira humana de demonstrar apreço. Esforços pela paz exigem sacrifícios tremendos, como foi o caso do Brasil na II Guerra. Os Estados Unidos precisavam do nosso apoio para reverter a situação complicada na África, onde o nazismo avançava com sucessivas vitórias e poderia se instalar solidamente para, dali, conseguir invadir o continente sul-americano.

O governo brasileiro declarou então guerra à Alemanha e Itália e, segundo Sumner Welles, subsecretário de Estado dos EUA, “colocou à disposição dos Estados Unidos todos os seus portos e deu ao nosso país, ao mesmo tempo,o uso livre de suas bases aéreas, em toda a região do norte do país”. O estadista americano reconheceu que “esse auxilio tornou possível aos Estados Unidos lançar aquela grande ofensiva do Norte da África, a qual marcou uma mudança da maré da guerra contra a Alemanha e a Itália”.

Vamos imaginar a posição difícil do presidente Getúlio Vargas, que precisou convencer os brasileiros sobre a necessidade de tomar essa decisão. Vargas compareceu pessoalmente à despedida dos pracinhas da FEB, que foram lutar nos campos da Europa, e os recebeu na volta, depois da vitória. A paz se beneficiou do estadista que foi derrubado um ano depois, em 1945, por um golpe militar. O crédito ficou na mão dos seus adversários políticos, que o levaram ao suicídio dez anos depois, a 24 de agosto de 1954. Mas falar sobre esse tipo de encrenca também é pecado.

RETORNO - 1. (*) Crônica publicada no dia 25 de agosto de 2009 no caderno Variedades, do Diário Catarinense. 2. Imagem desta edição: Sumner Welles, subsecretário de Estado dos EUA, com Getúlio Vargas e Oswaldo Aranha.

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