21 de agosto de 2009

O QUE NOS DIZ “NO LIMITE”


Nei Duclós

A sociedade de classes, no Brasil, é o inferno. Uma vez, vi num baile infantil no clube Pinheiros em São Paulo, uma criança negra uniformizada de empregada acompanhando uma sinhazinha. Era a “fantasia” real da criada, seu passaporte para o evento da classe média metida besta, pois sem esse hábito jamais poderia freqüentar os salões privilegiados. Vestindo a roupa da servidão, podia. Essa é a radicalidade da nação que não permite ascensão social, a não ser por meio do acesso ao butim, como vemos a canalha petista atualmente se servindo do dinheiro público, assim como fizeram peemedistas no governo Sarney e tucanos no de FHC.

Quem vive nos andares de cima, desconhece completamente o que se passa embaixo. Para isso existe o preconceito de berço, que faz, desde cedo, uma criatura de uma classe social mais alta, ainda engatinhando, torcer naturalmente o nariz quando vê alguém saindo do elevador de serviço. Como desconhecem completamente a vida das classes oprimidas, cria-se uma série de ilusões sobre elas. Essas ilusões são reforçadas por reportagens que reiteram o Mesmo, pois essa é a forma de consolidar a percepção equivocada sobre o Outro pobre, aquele tipo de pessoa que é chamada de “essa gente”.

Pobreza, no Brasil, é relacionada com a sujeira. Nunca viram uma casa de chão batido, varrido até o osso, com panelas areadas e tudo organizado no capricho. Não reconhecem, na pela escura, o asseio. Não imaginam uma refeição saborosa feita com poucos recursos. Desconhecem a dignidade de quem tem vergonha de abrir as portas da sua residência não porque esteja tudo ensebado, mas porque os pobres sabem o horror que é o olhar demolidor de um brasileiro esnobe diante da realidade da má distribuição de renda.

O programa global “No Limite” – e seus clones nas redes circunvizinhas – é exatamente essa visão asquerosa da pobreza. De que se trata o show de brutalidades? De separar pessoas bem nutridas de seus bens, de seus ambientes, de suas casas, suas vidas e confiná-las numa situação de miséria. Não se trata de promover o “contato com a natureza”, mas sim de jogar a classe média (para assustá-la e assim mantê-la no redil) na pobreza, onde terão direto a viver todas as distorções da percepção da sociedade de classes brasileira. Ali as mulheres não se depilam, ninguém passa desodorante, todos comem porcarias e obedecem cegamente a um mestre de cerimônias que representa a opressão tirânica dos velhos feitores, os que se comprazem em humilhar os escravos para exibi-los como troféus.

Qual o prêmio para quem conseguir sobreviver num grupo que depende visceralmente da violência uns contra os outros e do egoísmo? Dinheiro, ou seja, a volta ao status de classe média. Você vai lá, chafurda na lama, come porcaria, fede até não poder mais e se conseguir agir como um pobre, destruindo os outros, então será premiado, poderá escapar do gueto. Não existe talvez algo mais perverso, a não ser sua matriz, o BigBrother, do que essa perda de tempo televisiva, inoculada como vírus mortal na cidadania desarmada.

“No Limite” reflete o estágio atual do Brasil, em que as pessoas, desprovidas de uma sociedade organizada nos princípios da solidariedade e da ética, se jogam como cães no primeiro butim que lhe atiram. Para isso se sujam e rosnam, ferozes, para quem se aproximar. Há também o fator fingimento, os namoros forjados e a exibição de corpos numa arena menos digna do que a dos gladiadores. No Coliseu, os guerreiros escravos tinham alguma chance. Em "No Limite", ninguém vale um real furado.

Até quando? Até quando durar a atual ditadura.

RETORNO - Imagem desta edição: cena de Spartacus, de Stanley Kubrick - a servidão como espetáculo, antes da revolta.

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