20 de setembro de 2009

O VINTE DE SETEMBRO CONTRA A MEDIOCRIDADE


Nei Duclós

Não uso bombacha, nem bota sanfonada, nem espora ou chapéu de barbicacho, nem monto a cavalo ou uso boleadeira, não costumo tomar mate, a não ser quando me convidam. Essas limitações poderiam me diminuir diante dos meus conterrâneos tradicionalistas, mas isso não acontece e jamais cria qualquer tipo de constrangimento, pois nascemos e fomos criados numa terra que lutou pela liberdade. Podem até ser vistos como defeitos, depende do nível alcoólico do encontro, ou da sintonia da bagacerada na hora em que descobrem costumes adventícios nos nascidos no miolo do pampa.

“Mas tu não presta nem para tomar um mate”, por exemplo, é uma tirada típica quando existe chance de confronto. Nada que arranque lasca ou casca, pois o riso faz parte da linhagem humana que enfrentou a morte para criar uma nação. Essa espécie de frase e sentimento é visto de lado pelos achistas, os profissionais da desconstrução do Brasil soberano, que hoje se engancham no ensino público e privado do país, com dedo em riste, a demolir percepções, heróis e fatos. Costumam ficar invocados e furiosos com o Vinte de Setembro, data do início da Revolução Farroupilha em 1835, quando Bento Gonçalves tomou Porto Alegre, inaugurando uma guerra contra o Império brasileiro que durou dez anos.

Os achistas acham que um gaúcho pilchado impõe a representação do RGS e sufoca a diversidade da cultura e da identidade do estado. Os sujeitos que fazem essa acusação nunca viram um negro pilchado, um índio de esporas, um mestiço de lenço branco, um polaco de lenço vermelho, um mulato de chapéu de barbicacho, um ruivo montado? As pílchas, o uniforme tradicionalista, é um símbolo guerreiro, que identifica, de longe, o combatente, tenha ele a pele que tiver. Mas não é esse o ponto.

Nem mesmo quem usa as roupas tradicionais acha que esteja representando todo o Rio Grande. É uma questão de gosto, de entusiasmo e de percepção das próprias raízes. Os achistas tem certeza que milhões de pessoas, que se entregam com prazer à tradição gaúcha, sao um bando de alienados que estão apenas cultuando um anacronismo escravista ou latifundiário. A visão estreita dos analistas atuais do Brasil é confundido com "consciência crítica", quando não passa de uma cristalizaçãoo tosca de velhos preconceitos. O principal deles: o de que o povo não sabe o que está fazendo, estaria apenas obedecendo aos espertinhos que lucram com as datas históricas, como o Vinte de Setembro.

Os mediocres tem horror à História, pois adoram mesmo são as reduções teóricas da moda como o marxismo de galinheiro, o direitismo fanático, o entreguismo vocacionado e o deboche puro e simples de tudo o que diz respeito à nacionalidade brasileira. Eles se escudam em expressões como “realidade cultural, histórica e sociológica”, que seria o álibi perfeito para enterrar a celebração da cultura guerreira para em troca termos a emasculação disfarçada em teoria politicamente correta (só eles são históricos, cultos e sociológicos). Jamais vi uns desses arautos da consciência crítica denunciar a grande invasão cowboy da mídia disfarçada em hábitos sertanejos. Gostam mesmo é de calça colada na bunda, chapéu de vaqueiro americano, fivelona dourada e o berreiros das suas canções mexicanas. Contra isso, nem um pio. Agora, uma febre brasileira que varre o país no Vinte de Setembro, aí não pode.

Quando as pessoas, a maioria urbanas, montam a cavalo e saem carregando bandeiras, ou se apresentam em galpões cantando os feitos do povo riograndense, não estão cultuando um "patriotismo caótico", estão apenas participando do imaginário construído para resgatar costumes, lendas, feitos, fatos, personagens do passado. Há várias formas de fazer isso. Eu prefiro ler memórias de ex-combatentes. Mas tem gente que prefere uma roda de chimarrão ou uma cavalhada.

No fundo, o grande sucesso do gauchismo, cevado até por brasileiros do Nordeste ou do Amazonas, onde tem CTGs, desmoraliza a campanha de difamação contra o Brasil que foi encetado pelos falsos intelectuais, os que prepararam o terreno para os governos atuais, que se sucedem entregando a soberania. Eles preferem o bolivarismo, essa expressão caolha do caudilhismo doentio hispânico, ao mito de heroísmo do Rio Grande, pois tremem de tesão diante do porco Chavez e fogem horrorizados quando um bombachudo surge no horizonte a trote, pronto para enfrentar o inimigo.

O bolivarismo deve ter seu charme. O porco Chavez, com suas roupas de cor vermelho sanguinolento, comprando foguetinhos dos russos, ameaçando tomar territórios que não lhe pertencem na Amazonia, é irresistível para os pseudo socialistas internacionalistas, os adeptos da Nuestra América, o continente inspirado no milionário Bolivar, líder dos manda-chuvas criollos, que fala espanhol e exclui o Brasil.

Brasil é nome feio para esses tipos. Eles propõem que o povo, no Brasil, não foi agente da sua História, foi tudo obra do latifúndio, do escravismo e dos estrangeiros. Pior é que a meninada acaba acreditando e todos se transformam em italianos, alemães ou espanhóis. O povo inteiro lutou na Revolução Farroupilha, por vários ideais: liberdade, República, justiça social, independência econômica. Isso não basta. Os achistas acham que o povo, naquela época, deveria era votar no PT ou nos tucanos para aí sim poderem celebrar a revolução. Os achistas lutam pela revolução que não houve, a do proletariado ou a do liberalismo, e cospem em cima das revoluções brasileiras, que formaram o país. O povo guerreiro que lutou contra o Império lutou mais tarde ao lado dele, contra os hispânicos. O Brasil existe porque houve guerra a favor da nacionalidade.

Mas não adianta discutir. Todo ano no Vinte de Setembro é a mesma coisa: é preciso dar um tranco nos autores e difusores dos manuais medíocres da nossa História, que hoje tomam conta do ensino médio, formando assim anti-cidadãos, sob os auspícios de uma “consciência crítica” que nada mais é do que entrega do país por meio de sentimentos e idéias de anti-nacionalidade. Inspirados no senso de justiça que dizem possuir, esses falsos historiadores (que se têm em alta conta) procuram “denunciar” as comemorações da Revolução Farroupilha, julgando assim, do alto de seus tribunais de araque, o povo a quem deveriam servir e amar. Aos poucos, com o passar dos anos, eles vão ganhando adeptos, ferindo de morte uma das poucas manifestações cívicas que ainda sobrevivem no país em ruínas, destruído pela incúria dos seus governantes e devorado pela cobiça de todos os quadrantes.

Pois estamos de guarda. E dêem graças a Deus que por enquanto ainda só usamos a sanfona. Não que a gente vá usar faca ou dar tiro. Não gastamos chumbo em covardes. Temos outros recursos. Pelego molhado na sanga ou relho são suficientes. E me passa o mate que agora me deu sede.

RETORNO - Imagem de hoje: foto tirei daqui. Ei índio véio: não pode tomar chimarrão. Não é sociologicamente correto!

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