29 de outubro de 2009

TÊNIS, REFRIGERANTE E SABÃO EM PÓ NA CABEÇA


O Data Folha acha que a mente das pessoas se ocupa de marcas notórias. Para isso faz todo ano o Top of Mind, destaque na edição de hoje do jornalão. Coca-cola, Omo e Nike são os tesouros mentais da população à mercê do massacre publicitário. Se a mesma grana preta fosse carreada para a cultura, as cabeças estariam envolvidas com Alejo Carpentier, por exemplo, que em livros como O reino deste mundo e Os passos perdidos nos deslumbra com sua capacidade de colocar cada palavra no lugar exato, em textos deslumbrantes, e com isso transformar nosso espírito pela magnitude da sua arte.

Mas cultura no universo do Top of Mind (que deve significar Topo da Mente, não sei, sou monoglota) é o celebrado poeta Arnaldo Antunes (marca notória do imaginário imposto pela indústria cultural) contratado para dar pulinhos no palco envergando um terninho, além da agora onipresente Fernanda Lima para fazer as apresentações dos responsáveis pelo grande feito de colocar tênis, refrigerante e sabão em pó goela abaixo da população sem defesa. Quanto custa um evento desses? E por que vão de pessoa em pessoa fazendo o inventário dos resíduos que a publicidade deixa no povo, quando deveriam se preocupar com cultura e não com os efeitos sinistros das práticas de Pavlov, o inventor do reflexo condicionado?

Vou falar sobre as marcas premiadas. Antes aviso que, como é proibido dizer qualquer coisa contra elas (por força da ditadura não declarada em que vivemos), fiquei sabendo disso por terceiros e não revelo as fontes. Coca-cola é o purgante que todos conhecem. Faz mal à saúde, é um torpedo de calorias composto por elementos desconhecidos, muito bem guardados por fórmula secreta, já que ninguém pode descobrir o que realmente tem dentro. Possuía algum charme quando vinha em garrafas especialmente desenhadas, mas agora, com os horrendos pets rombudos, não passa de um licor brabo que, dizem, vicia.

O sabão Omo é caríssimo, talvez a mais cara marca na praça. Paga-se os tubos para jogá-lo pelo ralo. É um case famoso de condicionamento. A letra O repetida no início e no fim representa os olhos grandes da mãe coruja. Omo é um sigla de Old Mother Owl, a velha mamãezinha americana. O tênis Nike, com a pirataria, pode ser encontrado em qualquer esquina, mas quem garante a autenticidade? E todo mundo lembra o Michael Moore desmascarando o executivo da Nike que contratava baratinho mão-de-obra no Terceiro Mundo. Mas não importa. O que vale é que estão investindo na “qualidade da marca”, como disseram os sujeitos com cara de porquinho Chon-Chon que dão entrevista sobre o assunto.

Aos 61 anos, completados hoje, dia 29 de outubro, noto que, com o tempo, aumenta minha capacidade de distribuir cascudos. Não se trata da ranzinzice de quem ultrapassa as seis décadas de vida. É simplesmente o senso de justiça que se aguça, o conhecimento acumulado, a percepção mais afiada, a despedida em todos os sentidos, pois já perdemos a esperança de que nos aceitem, já que nunca aceitaram, por mais que te batam nas costas e digam que você é o cara. O que vale é a amizade sincera, a admiração agradecida, a convivência pacífica e o trato civilizado. Não são raros na nossa vida, pois somos maioria, só não estamos no poder.

O poder foi empalmado pela má-fé, a burrice, o cinismo e a barbárie. Ficamos isolados, em nossos vastos latifúndios de gratidão mútua, quando nos identificamos pelo gesto solidário, as brigas fraternas eventuais e passageiras, os abraços profundos e as palavras que nos embalam, estimulam, habitam e confortam. Muito obrigado a todos pela leitura atenta, pelos comentários e por tantos votos de continuar na luta. Somos nós, o horizonte.

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