31 de outubro de 2009

A VÉSPERA DE TODOS OS SANTOS


O Brasil importou a festa de Haloween dos americanos, que ganharam de presente dos imigrantes irlandeses, que por sua vez herdaram dos ritos pagão, celtas, sei lá (a noite dos tempos é quando as lendas rezam e todos se perdem). É comemorada no dia 31 de outubro. O nome vem All Hallows Eve (de evening), ou Véspera de Todos os Santos, que nos tempos idos do Brasil católico era feriadaço (desta vez cai no domingo). A Igreja católica usou rituais e templos de outros povos e crenças para implantar sua doutrina. No Brasil, esta era uma época de contenção e concentração, mas agora virou balada.

Vi várias crianças com os chifrinhos do dito-cujo. Garotas vestidas de bruxas. Tridentes, capas vermelhas e tudo mais. Aos poucos, a data vai se firmando, impulsionada pelo ambiente favorável às representações do Mal. Não que a festa seja pecado. Este, está por toda a parte. Mas a banalização das transgressões não beneficia o convívio social. O Bem, como se sabe, é essa coisa babaca que todos fogem. O certo é passar rasteira, tungar o próximo, atropelar no trânsito, matar a esmo, roubar bastante, fazer todo tipo de crueldade. A inocência é estimulada a achar que o Mal é legal (o traficante viril, o ladrão gentil, o espertalhão boa praça) pois no fundo a inocência está sendo solenemente erradicada. Ferrar literalmente o próximo, sugar seu sangue com dentes pontiagudos, fervê-lo em caldeirões, eis a mensagem do Haloween.

Faz sentido. Basta consultor o noticiário. Jovem de 14 anos baleia um de onze. Menina de onze esfaqueia a amiga de oito anos. Garoto de 14 anos é chefe de boca do tráfico em São Paulo. Professores levam o maior pau dos alunos. Lembro bem quando começou todo esse troço. Quem ia à Igreja era ridicularizado. Comungar era coisa de bobalhão. Confessar para o padre, então, piada certa. Com a onda de denúncias comprovadas sobre pedofilia na Igreja Católica, a desmoralização chegou ao auge. O certo é condenar o catolicismo ao inferno e pregar um novo paraíso, que, descobrimos agora, é o emprego garantido para quem é do partido. Ou então, elevar as trevas como o novo passaporte para a felicidade.

Ficou fácil, pois quem defende a tradição costuma babar na gravata. Leio ainda textos de extrema direita falando mal de Cuba, como se fosse justo julgar o regime cubano cercado pelo império, boicotado economicamente, perseguido de todas as formas. Isso não significa inocentar a ilha de Fidel, mas não se pode cuspir em alguém que está todo amarrado. O problema é que o exemplo de Cuba serve para a nova safra de caudilhetes latino-americanos, que se perpetuam no poder por meio da farsa democrática. Chavez obrigando todo mundo a se vestir de vermelho e tiranizando cada vez mais seu país me parece uma festa de Haloween permanente, o ano todo.

É complicado falar nisso porque o oposto, aparentemente, é o puritanismo, a outra face do Mal. Não acredito que vida espiritual seja exclusividade do fundamentalismo, tanto da direita quanto da esquerda. Não que o ideal seja uma devoção de centro, de tolerância para com os extremos. A religiosidade , como parte das realidade culturais, não deve interferir na prática política. Não se deve exigir que o político pape hóstia, mas também que não se comporte como um belzebu. Não se pode querer que a juventude assista a missa, mas também não precisa empurrá-la para a bunda arrebitada do hip-hop, a consagração da droga nos baticuns da transgressão, ou os chifrinhos vermelhos no final de outubro desde a infância.

Ok, o carnaval. Quando eu era moço, participava do cordão da gloriosa escola Os Rouxinóis, de Uruguaiana. Ia junto com a massa, embalado pela mais bela bateria de todos os tempos. Não era, como vemos hoje na TV, a exibição da celulite e da exposição das celebridades globais. Ou, como acontecia um tempo atrás, o congraçamento dos bicheiros, quando eles tinham poder. O carnaval era fantasia de trapos, máscara feita em casa, lança-perfume argentino (que, descobri depois, era usado para cheirar, dar barato; enquanto nós, as crianças, usávamos porque era perfumado e divertido, jamais acertávamos o olho de alguém).

Ouçam as antigas marchinhas, vejam aquelas fotos antigas. Sim, tinha fantasia de diabos e tudo mais, era um tempo de descompressão social, de desmascaramento dos poderes. Foi tratado como alienação e depois caiu na vala comum da tirania do comércio e da repressão sexual. Pois num país tão sexy, como disse recentemente o dono do Twitter, como pode um monte de marmanjos estudantes quase lincharem uma garota que usou vestido tubinho vermelho mini na escola? É atraso de vida, é espírito medieval de grupo, é caça às bruxas. É o que dá transformar sexo em mercadoria, eliminar a inocência, incentivar a baixaria. Vamos para trás, enquanto a publicidade oficial baba no colarinho da verba pública.

Se a garota do vestido vermelho queria celebrar o Haloween, viu onde estava metida: a farsa do Mal cercou-a aos berros, porque não há parâmetros diversos aos que estão sendo implantados. Num território hostil, a festa bruxólica também dança para a maldade pura e simples. No fundo, não importa bruxa ou fada. O que pega é a bandidagem, exposta em todos os espíritos.

RETORNO - Imagem desta edição: Bordadeiras, foto de 1979 do Mestre Walter Firmo.

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