8 de dezembro de 2009

ERVILHAS DEVOTAS


Nei Duclós (*)

O spam, a mensagem virtual não solicitada, seria inconcebível na época em que havia apenas correio impresso. Não me refiro aos folhetos de propaganda ou as ofertas comerciais que continuam chegando em papéis de luxo. Mas às cartas mesmo. Impossível conceber a mensagem escrita e selada de um desconhecido sugerindo que você deixe de ser tão pessimista, por exemplo. Ou que te deseje longa vida para que você possa mudar de rumo e, em vez de um erro humano, passe a ser algo parecido com um anjinho de presépio.

O pior dos textos e imagens que nos chegam de inúmeros endereços obscuros é assinado pelos arautos dos bons sentimentos. Ficamos sabendo que a culpa da corrupção é nossa. Que roubam porque nós fazemos. Também somos acusados de desleixo. O lixo acumulado nas cidades e campos é tudo obra, digamos, da nossa desfaçatez. Por sermos responsáveis pelos males da saúde e da economia, nossa tarefa é entrar para um SPA moral, onde faremos dieta de ervilhas devotas.

Depois que vimos os ladrões do dinheiro público fazendo uma roda de orações para lavar a mancha do ato cometido, descobrimos para onde pode nos levar essa obsessão de tentar fazer da vida alheia uma cobaia do bom-mocismo da auto-ajuda. Como a virtude foi decretada pela individualidade isenta de erros, ou por grupos auto-erigidos em paradigmas, o resto da coletividade merece punição. O meio mais rápido e eficaz de operar esse milagre é o spam, espécie de púlpito do caráter de ocasião.

As correntes são representativas da terceirização dos pecados. Ao recebermos mensagens enviadas ao mesmo tempo para dez incautos como nós, somos imediatamente obrigados a passar adiante a convocação. Como recebemos uma avalanche de pressões, é óbvio que vamos apagá-las. Eis aí a danação eterna. Basta um clic para perdermos todo nosso acervo de acertos.

É uma utopia sonharmos com a possibilidade de nossa caixa postal ficar limpa de tantos apelos. Qualquer reivindicação para que parem de difundir besteiras é tratada como crime hediondo. Só nos resta esperar o carteiro tradicional, com sua cesta de surpresas. Nenhuma tentando nos dizer o que ser ou fazer. Apenas coisas banais, como um bilhete registrando saudades ou a notícia de uma visita ansiosamente esperada.

RETORNO - (*) Crônica publicada nesta terça-feira, no caderno Variedades, do Diário Catarinense.

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