30 de dezembro de 2010

O AVESSO


Nei Duclós

Os lugares comuns entregam tudo, pois funcionam pelo avesso. Quem gosta de dizer fora de série, por exemplo, é adepto da mesmice. Quem te convida para jogar conversa fora tem pouco a dizer, já que desperdiçou tudo. Quem pergunta como vai essa força te considera fraco – e bate com veemência nas costas para ver se agüentas. Quem manda beijo no coração não tem nada na cabeça. Quem te abençoa sem ter cacife nem mandato para isso no fundo te deseja outra coisa. Quem faz questão de expressar respeito pela tua opinião despreza solenemente qualquer coisa que digas.

Vivemos no mundo pelo avesso, ou bizarro, como quer a cultura pop das comédias televisivas americanas ou dos comics. Nossas palavras se viram contra nós. Teus argumentos servem para te condenar. Tua biografia é suspeita. O passado é um cão de tocaia. As amizades sinceras acabam em alguma manifestação de ganância. Isso gera uma tremenda demanda no imaginário social. Disso se alimentam as ONGs, as campanhas de boa vontade, as doações e muitas vezes o voluntariado. Há felicidade em servir o próximo, vemos isso todos os dias. Mas o gesto em público muitas vezes contraria gestos domésticos, onde a mesquinharia impera enquanto na rua somos o exemplo de cidadania.

O problema é que essa postura pelo avesso dá lucro e às vezes é questão de sobrevivência. Quantas vezes não assumimos, mesmo sem acreditar nelas, posições que pertencem exclusivamente às corporações para as quais trabalhamos? Chegamos a dar nó em pingo d´água da consciência para justificar uma idéia, uma iniciativa. Quando saímos de um emprego que por longo tempo nos sustentou, podemos ver o quanto de nós era parte herdada daquele ambiente. Basta algumas semanas para vermos que nada daquilo nos diz respeito. Mas precisamos seguir em frente. Qual a próxima empresa que deveremos defender, apoiar e dizer sim para termos uma remuneração?

O sonho do negócio próprio tem muito a ver com essa necessidade de se dizer o que se pensa, de nos reencontrar. Mas costuma ser mais uma ilusão. Ao abrirmos uma portinha, ficamos à mercê de fornecedores e clientes. Todos são nossos patrões e gostam de dizer como a coisa funciona. Hoje, com a transparência das mídias sociais, há receio em se entregar totalmente, pois os empregadores ou parceiros gostam de saber o que você está aprontando ali. É uma ditadura velada, essa de seguir os passos dos indivíduos para prejudicá-los no cenário coletivo. A única solução é queimar os navios, botar para quebrar. A vida é curta e os bandidos se aproveitam de nossos limites para nos manter na soga.

Isso gera problemas, claro, como tudo. Mas se o sócio, empresário ou colaborador souber algo sobre liberdade de expressão, irá de fato respeitar tuas colocações, sabendo que somos contraditórios e escassos e que podemos mudar de opinião. E que não misturamos as coisas, pois podemos muito bem ajudar a expressar o que uma entidade precisa dizer sem que isso interfira no nosso direito de dizer tudo em outros fóruns.

É fundamental essa divisão de águas para deixarmos de lado o cinismo que no fundo é o que gera o pesadelo da linguagem, o uso excessivo de lugares comuns.

RETORNO - 1. Crônica publicada no jornal Momento de Uruguaiana. 2. Imagem desta edição: cena do antológico (como todos) episódio de Seinfeld, em que Elaine se divide entre os amigos tradicionais e a versão bizarra da turma.

28 de dezembro de 2010

LÍDER


Nei Duclós (*)

É duro não ser um líder. Ouvir contestação até nas frases à toa, as que se diz para preencher claros da conversa. Ninguém atender mesmo quando se pede as horas. Aturar a desobediência até do mais miserável dos guaipecas. Chegar numa roda e todos fazerem súbito silêncio e, diante da insistência, virar alvo de um olhar assassino. Subir uma escada e ficar com um pincel na mão. Tomar uma decisão e partir, solitário, para a ação. Tentar entrar na conversa e as pessoas se entreolharem perguntando o que você disse mesmo?

Ser o único da turma que não foi anexado à imensa confraternização. Pegar reserva no terceiro time. Ser chamado por outro nome. Bater na porta e depois correr dos cachorros. Jamais obter resposta de uma carta ou solicitação. Acenar para ninguém nos dias de celebração coletiva. Aparecer cortado ao meio na foto que todos os outros consideram inesquecível. Estar de roupa clara numa noite de gala. Ter raspado a cabeça quando a moda era o cabelão. Usar boca de sino em revival achando que ainda está na onda.

É duro não ser um líder. Perder eleição para síndico de servidão. Não ter o nome cogitado para qualquer cargo num clube. Nunca compartilhar a sorte, exceto quando dividem o prêmio do terno com 1 milhão de ganhadores. Fazer algo extraordinário e o crédito ir para o pior inimigo. Disputar a garota e acabar servindo cafezinho para quem ela escolheu. Fugir para a praia e encontrar o vizinho. Conquistar enfim a menina dos sonhos e no primeiro ataque virar alvo da atenção geral da multidão de parentes e conhecidos. Chover quando algum acontecimento importante for planejado.

Ser apedrejado pelos petizes sem nenhum motivo aparente. Fazer os mandados. Ceder o quarto para as visitas. Receber mensagens automáticas. Sofrer a ação esnobe dos convivas num encontro de nerds. Pedir, em vão, carona um dia inteiro na estrada lotada. Chegar um segundo atrasado no banco em véspera do feriadão.

A única solução para situação tão desesperadora seria sentar no meio fio e rezar por uma chance. Desde que não seja ao lado do bêbado que anuncia para o próximo ano a queda triunfal de um asteróide. O não líder tem tudo para acreditar. É capaz de assumir a ressaca sem ter tomado uma gota.

RETORNO - 1.(*) Crônica publicada nesta terça-feira, dia 28/12/2010, no caderno Variedades, do Diário Catarinense.2. Imagem desta edição: Quixote, segundo Sterne.

25 de dezembro de 2010

OS MELHORES DE 2010


Vamos manter a tradição e selecionar alguns destaques deste ano. Vou cometer injustiças, claro. Faz parte. Mas também fazer algumas justiças. Precisamos. Como sempre, a lista inicial aos poucos vai crescendo e melhorando. Acho que vai acontecer o mesmo neste fim de ano. Ou talvez não. Em todo caso, aí vai. No fundo, é uma seleta do que mais me tocou em 2010.


LIVROS

Melhores Crônicas de Marcos Rey – Anna Maria Martins (org) Global Editora - Um mestre do ofício ensina como fazer crônica

Operação Massacre
– Rodolfo Walsh - Companhia das Letras - Uma aula de jornalismo investigativo


TWITTER


@sandrovaia – O espírito livre da crítica criativa e contundente

@frednavarro A seleção do que há de mais importante rolando na comunicação

@cacildanc
– A agitadora que reúne pessoas com seu vibrante @botequimtuitajoaquim e enche o espaço de boas informações

@revistabula
A surpreendente avalanche de links interessantes e imperdíveis

@BrazilTour
Política do Brasil sendo decodificada para estrangeiros, reúne também uma boa dose de informações exclusivas

@mfox04 O gentil e bem informado Mark Fox, de Illinois, com grandes toques sobre inovações culturais, e na fila do gargarejo para saber mais sobre o Brasil

BLOGS E SITES


Wikileaks – Nem precisa citar. O divisor de águas da internet e do jornalismo

Renzo Mora - http://renzomora.wordpress.com/ O mais iconoclasta dos iconoclastas. A coragem de abordar os temas mais insanos, com os textos mais cortantes sem a mínima concessão, nem para si mesmo. Absolutamente obrigatório.

Vidráguas – http://vidraguas.com.br/wordpress/ O mais militante dos blogs sobre poesia, a cargo da poeta Carmen Silvia Presotto

A Biblioteca da Rachel http://blogs.estadao.com.br/a-biblioteca-de-raquel/ Um dos poucos blogs dos jornalões que presta

Cangablog
http://cangarubim.blogspot.com/, de Sérgio Rubim, o Canga, de Florianópolis. Fidelidade canina ao próprio blog, que raramente entra em recesso, assim mesmo ele posta para dizer que não vai postar. Furos, denúncias, crônicas e janelas para inúmeros outros blogs

Ducsamsterdam
- http://www.ducsamsterdam.net/ Destaque do caderno de Turismo do Estadão, o blog de dicas valiosas sobre viagens a Holanda e a Europa, com textos saborosos e belas fotos, chega ao terceiro ano super prestigiado

Consciencia.org
- Filosofia e Ciências Humanas http://www.consciencia.org/ – Com mais de dez anos de vida e uma média de 35 mil visitas por dia, este site é uma enciclopédia, citadíssimo em inúmeros trabalhos acadêmicos. Continua revelando autores importantes da filosofia brasileira, além de oferecer um gigantesco cardápio cultural difícil de encontrar reunido num só site

Cucamonga http://cucamongabols.blogspot.com/ de Ricky Bols. O artista que semeia tempestades.



REVISTAS


Sibila Poesia e Cultura http://www.sibila.com.br/ Um assombro de grandes textos e poemas. Direção de Regis Bovincino.

Sagarana
– http://www.sagarana.net/home.php A melhor revista cultural do mundo chega ao décimo ano. Um grande acontecimento internacional. Editada em italiano pelo escritor brasileiro Julio Monteiro Martins.

FILMES (2009 e 2010)


Lebanon , de Samuel Maoz

Ninguém sabe sobre os gatos Persas, de Bahman Ghobadi

O segredo dos seus olhos, de Juan Jose Campanella

The Blind Side, de Cliint Eastwood

Robin Hood, de Ridley Scott

The Ghost Writer, de Roman Polanski

(Todos esses filmes foram comentados aqui)

COLUNAS

Augusto Nunes http://veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/: o mestre do texto pontifica como poucos sobre política e oferece um amplo cardápio sobre o que chama de a Era da Mediocridade, ou o Deserto de Estadistas http://veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/

Jornal da ImprenÇa, de Moacir Japiassu http://www.comunique-se.com.br/: o mestre do texto deita e rola sobre a imbecilidade que tomou conta da mídia por falta exatamente de profissionais como Japiassu nas redações.


RETORNO - Imagem desta edição: o massacre do fogo amigo americano, uma das muitas entregadas do wikileaks

COMO NASCE UMA FAVELA


Há uma extensa área (meia hora de carro a 60 km/h ao longo do terreno) localizado entre o Rio Vermelho e a Barra da Lagoa, aqui em Florianópolis. É tomada por eucaliptos, pois, soube assim por cima, que há décadas o proprietário, um alemão, derrubou a mata nativa para poder faturar com o deserto verde. Hoje a floresta exótica (que divide algum espaço com a mata original) ou Parque Estadual do Rio Vermelho, está protegida pela Fundação do Meio Ambiente (Fatma), a entidade ecológica catarinense. Por ser um lugar que fica ao lado da grande praia de Moçambique, que é um esplendor, e por ocupar uma parte considerável do norte da ilha, que se povoa celeremente, é alvo de cobiças variadas. Já existem algumas invasões, mas o parque, em sua maior parte, ainda está fechado a uma invasão em massa. Pelo menos, até agora.

O que temos no Brasil? Favelização. A favela brota? Nunca, é implantada. Foi assim desde o início, quando doaram um pedaço de morro do Rio para ex-combatentes da Guerra de Canudos. Naquela época, fins do século 19, o governo não tinha como indenizar viúvas, famílias ou mutilados provocados pela carnificina. Resolveu então doar aquele trecho que não interessava a ninguém. O morro virou Favela porque esse era o nome de uma planta nativa do Nordeste que deu nome ao morro existente em Canudos onde lutaram as tropas republicanas. Em lugar de construir um bairro decente, amontoaram as pessoas e deu no que deu.

O que realimenta a favelização é o mesmo tipo de mentalidade, de política pública bizarra. Vimos no filme Cidade de Deus como surge uma favela monstruosa a partir de um projeto de urbanização dos anos de chumbo da ditadura. Trata de um cancro urbano que também implantado. Enquanto o governo vai empurrando a população para esses ajuntamentos apodrecidos, que crescem e acabam tomando conta das cidades exatamente porque é tudo feito de propósito, a especulação imobiliária cuida do resto. A indústria de imóveis inventa bairros fantasmas, cemitérios de concreto, para turistas ou para valorização dos imóveis. Quando mais área construída vazia, mais dinheiro estocado, que só tende a se multiplicar.

Ou seja, temos a desfaçatez do governo que se livra de um trabalho árduo, o de prover instrumentos de moradia para a população crescente; e a cobiça do empresariado predatório, que cuida apenas de lotear, construir e vender pelo preço mais alto o que antes era área pública. Um morador do Rio de Janeiro, ao visitar Florianópolis anos atrás, previu que todos os morros verdinhos que dispomos hoje serão tomados por favelas. Achei impossível na época. Hoje não tenho mais dúvidas.

O que fez o poder federal no caso da área referida aqui na Ilha, via Ministério Público Federal (MPF), Fundação Nacional do Índio (Funai) e Secretaria de Assistência Social da Capital? Simplesmente deu licença para um grupo de 60 indios kaigangs vir de Iraí, do Rio Grande do Sul, e se instalar aqui com suas famílias. O álibi é perfeito. Há o apelo políticamente correto da “divida social” com os índios, como se fossemos culpados da mortandade ocorrida séculos atrás, sem levar em conta que somos quase todos descendentes deles, da cor de cuia da pele amorenada ao olhinho puxado de tanta gente. Há também o apelo do artesanato, pois em princípio eles vieram para vender o que produzem com as mãos, aqueles cestos, arcos e flechas para decoração. Um advogado local chamou a atenção dizendo que o poder federal passou por cima do governo estadual, dona da área, e da Prefeitura, que expede as licenças para vendas ambulantes no verão.

Mas a jogada está clara: foi aberta a porta para a construção de uma favela. Pois se os índios podem, todos os outros habitantes também. Já que é permitido se instalar, então o que impede a invasão? Existe até madeira plantada para os casebres! Por enquanto, os índios receberam licença para ficar até março. Mas depois virá o adiamento e o serviço estará feito. Virando favelão, poderá existir uma intervenção para “melhorar” as construções e aí entra de novo a especulação imobiliária, já que o terreno vai perder o status de área preservada. Não seria mais simples ter um projeto decente, viável, sem corrupção, para área tão importante, a criação de um bairro popular ecológico, com casas distribuídas por sorteio, e uma parte de mata preservada, em vez de usar esses expedientes?

O que parece é o velho esquema: deixaram uma área imensa vazia por muitos anos e agora que está hipervalorizada é hora de tomar posse. Para romper o selo, nada como uma invazãozinha. Quem iria reclamar? Quem é contra os índios? Aí está o truque. Ninguém. O que pode causar estranheza é a forma como o processo está sendo conduzido, em que poderes federais passam por cima de outros poderes para consolidar uma ação duvidosa, por mais socialmente correta que possa parecer. É uma questão de lógica, não de má vontade. Está claro. Teremos, se as evidências se confirmarem, a maior favela do município de Florianópolis. Cumpra-se assim a política pública pelo avesso, a que condena as pessoas à degradação ambiental e impõe a improvisação e os interesses ocultos como regra.

Pode-se argumentar: isso tudo é especulação, pois os índios vão sair mesmo em março. Ok, mas o precedente está aberto, isso é o que importa. Se não for assim, poderá ser de outra forma.

RETORNO - Imagem desta edição: árvores do Parque Estadual do Rio Vermelho. Foto Herminio Nunes, clicRBS.

24 de dezembro de 2010

PRESÉPIO


Nei Duclós

O nascimento é a inocência entre animações,
o acaso marginalizado pela celebração,
a contenção diante do derramamento,
a devoção antes da fé

Na cidade turística lotada,
até dormir no estábulo custa uma nota.
E não tem serviço de quarto:
se der à luz na madrugada, chame o boi

O sino que tocou para a ordenha
já era o balido do novo tempo,
a primeira articulação da palavra
que se definia depois do ventre

A estrela cadente projeta a sombra
do seu risco no lombo do mar em fúria.
Só os iniciados conseguem ler
o caminho oculto nas ondas

Na casa mais afastada,
onde todos dormem cedo por falta de velas,
e a rosa-dos-ventos sopra em sentido anti-horário,
é lá que nasce o Salvador


RETORNO - Imagem desta edição: a Natividade segundo Boticelli.

22 de dezembro de 2010

ESCOLAS DE EXTERMÍNIO


A questão social no Brasil é um caso de polícia, disse uma vez o presidente da República Washington Luís no início do século 20, uma declaração execrada mas pouco compreendida. No clássico “D. João Sexto no Brasil” , de Oliveira Lima, fica claro que o Marquês de Pombal, que assumiu o poder em Portugal em 1774, colocou na mão da polícia do Brasil o problema social para poder esvaziar o poder dos governadores provinciais. Ele queria enfraquecer o esquema consagrado do Brasil colonial, precisava varrer daqui a força das pessoas encasteladas em cargos importantes. Maquiavelicamente, para dividir, jogou na mão da polícia a míséria, o loteamento clandestino, as epidemias. O que deveria ser tratado por políticas públicas virou caso de polícia. Essa é a origem.

Isso realmente se tornou uma política oficial no país. Não mudou nada. Vimos nesta terça-feira, dia 21/12/10, no programa Profissão: Repórter, dirigido por Caco Barcelos, na Globo, que “missão cumprida” , para o Bope, a polícia especial do Rio (chamada “de elite”) é quando o suspeito é morto, independente de julgamento. O corpo é retirado da favela sem perícia. Os comandos fazem uma social nas ruas, mas invadem casas, amedrontam grávidas e crianças e torturam adolescentes, como mostraram alguns depoimentos. O garoto explica a tortura em que os policiais enlaçam o pescoço do “suspeito” com calça jeans e começam a torcer até cortar a respiração. E uma gestante de oito meses estava aos prantos, apavorada, depois de uma invasão do Bope.

“Mataram meu filho, agora vou falar. Polícia é para prender, não para matar” disse uma mãe desesperada num dos vários funerais que acontecem desde a invasão do Complexo do Alemão (que agora, maquiado, tem até teleférico, inaugurado por governantes cegos, que puxam claques ao colocar um enfeite em cima do bairro apodrecido por faltas de políticas públicas adequadas). Chiando um chiado de chaleira (fruto da percepção equivocada do sotaque carioca), o relações públicas do Bope diz que tudo está sendo averiguado, deixando no ar a suspeita de que nada vai adiante nesse setor. O símbolo do Bope é parecido com o do velho Esquadrão da Morte. Só para constar. "Quantos você matou?" pergunta o repórter para o atirador. "Não contamos. Cada tiro é uma missão e em seguida damos por encerrada".

Não se trata aqui de defender bandido, mas de denunciar a prática que permite cometer crimes para combater o crime. Enquanto o rapaz que fazia serviços gerais numa gráfica é enterrado, dois “foragidos” traficantes são presos com roupa limpa, algemados e levados normalmente pela camionete. Podemos especular. Os traficantes que estão condenados, mas soltos, devem ser especialistas em libertação. O garoto que não tem nada a oferecer precisa pular para um buraco do teto e se escafeder. Ainda tenta denunciar a arbitrariedade, mas nas delegacias lhe dizem, indiferentes, que reclamação contra o Bope só no Méier ou algo assim. Ou seja, em vez de averiguar a brutalidade, tiram o corpo fora e dão cansaço no denunciante. Isso é ou não suspeito?

Mais suspeitos ainda são os governantes, que pagam apenas 500 reais para um policial militar enfrentar facínoras. Isso é implantar a corrupção. O pessoal da “elite” do Bope ganha dois paus. Ora vão se roçar numa tuna. Paguem decentemente a polícia em vez de jogar dinheiro público pelam janela.O presidente da República atual se despede do cargo que ocupou por oito anos torrando uma baba de mais de 10 milhões de dólares. Onze caminhões de mudança saem do Planalto, sendo um deles climatizado para os vinhos (enquanto vemos estadistas estrangeiros recusando presentes, pois a justiça no país deles proíbe). Um sujeito com 80 anos, futuro Ministro do Turismo, anexa as despesas de uma festa num motel às suas verbas indenizatórias como parlamentar. Ele tem 32 paus por mês para torrar, desde que justifique o gasto, mesmo que isso exija o "sacrifício" de fazer o dinheiro público cobrir celebração em motel.

Essas são as escolas de extermínio: as instituições que abrigam doses cavalares de meliantes, que se locupletam com o suado dinheiro arrecadado da população e dos negócios honestos. O Bope, com sua sinistro treinamento mostrado no Profissão: repórter, é apenas um efeito colateral do que é determinado no alto. Soubemos que um recruta morreu de desidratação quando se submetia aos exercícios de preparação da tropa. Normal? Para mim, nada é normal. O Brasil está na mão dos anormais.

Caco Barcelos e sua equipe corajosa mostraram os planos de “pacificação” da favela conflagrada, mas não deixaram de lado a denúncia, feita com competência. É um programa importante, jogado para um horário proibitivo e super apertado entre aulas de prostituição (As Cariocas, que ontem mostrou como uma mulher honesta se vinga do seu homem, fazendo trottoir) e o último noticiário da noite.

RETORNO - Imagem desta edição: "Morro da Favela", de Tarsila do Amaral. Visão idílica do bairro inventado pela miséria.

21 de dezembro de 2010

UNIVERSO DATADO


Nei Duclós (*)

Nunca consulto o calendário para encontrar tema de crônicas. Mas as datas se impõem, como no assunto recorrente, as Boas Festas. Por isso procurei me informar sobre o dia 21 de dezembro, dia da publicação deste texto, imaginando algo como “na pré-antevéspera”, para justificar a proximidade com o Natal. Mas existem outros apelos, mais importantes do que ser coadjuvante do Papai Noel. É o chamado solstício de dezembro, quando nos revezamos com o hemisfério norte em relação ao dia mais longo e a noite mais curta do ano.

É o momento em que o Inverno dá as caras nos países ricos, mesmo que a friaca tenha se antecipado por lá e se manifestado tardiamente por aqui. Chegamos ao princípio oficial do verão, o que não tem importância nenhuma para quem é das Europas, onde, soube recentemente, nem somos considerados ocidentais. Costumamos nos iludir querendo fazer parte de uma realidade que nos exclui e nos vê apenas da cintura para baixo, onde a metralhadora faz par com os chinelos, e as curvas são marketing turístico. Nem sempre foi assim. Por algumas décadas fizemos um sucesso relativo, de Villa-Lobos a Tom Jobim. Mas depois caímos na vala comum.

Os maias tiveram seus momentos antes de caírem nas mãos dos espertalhões barbudos. De vingança, eles aprontaram más notícias para o 21 de dezembro: daqui a dois anos será o Apocalipse. Como o fim do mundo maia já ocorreu, eles apenas poderiam ter errado em alguns séculos. Existe a mística de que os povos antigos eram bambas em contas. Mas ninguém atina na possibilidade de alguém dormir no meio de uma ação coletiva de cálculos complicados, espécie de linha de montagem de profecias nos tempos idos, e num efeito dominó influir negativamente no resultado.

Mas essa é uma possibilidade remota. A fé contemporânea nas previsões antigas é sólida demais. A ansiedade aumenta quando relemos São João e descobrimos que na hecatombe definitiva não haveria mais segredos. Em época de Wikileaks, esse é mais um sinal de que as profecias não estejam de todo distorcidas em seus prognósticos. A única dúvida é como será a última postagem. Aquela que ninguém lerá, mas que, fiel à sua natureza, estará visível até a derradeira gota de luz. “Tem alguém aí?” será talvez a única herança que deixaremos para a posteridade.

RETORNO - 1. (*) Crônica publicada nestra terça-feira, no caderno Variedades, do Diário Catarinense. 2. Imagem desta edição: o Apocalipse de Vasilis Bottas

19 de dezembro de 2010

HERANÇA


Nei Duclós

Preocupadas com a aparência, pessoas chegadas sugerem que uma lipoaspiração não iria mal. Retribuo a gentileza dizendo que elas estão cada vez mais jovens e daqui a pouco poderão aprimorar o porte apolíneo, o nariz aquilino e a postura heráldica, preparando-se para algum cargo importante, como o de Imperador. Sou equilibrado com meus pares: vejo o melhor para contrabalançar o que eles enxergam de pior em mim.

Como evito baladas para não provocar assombros, acabo recebendo em casa a visita interessada dos velhos amigos, que chegam de olhos arregalados e saem sacudindo a cabeça. Imagino que seja a soma da angústia provocada pela curiosidade e a certeza de que não tenho mais jeito.

O mais trabalhoso é evitar que me fotografem. Quando eu estava na faixa dos 30 anos, todas as lentes fugiam de mim, agora parece que não querem mais me largar. Alguém me propôs colocar uma fantasia de panda gigante, subir numa árvore e fazer roar portando uma placa contra o aquecimento global. O objetivo seria ilustrar o cartaz de um evento em Copenhague. Expliquei que galho nenhum suporta mais a intensidade da massa corpórea. Fui aconselhado a fazer trabalho voluntário como Papai Noel, mas sou alérgico a renas.

Não posso perder minha forma tão arduamente conseguida em muita quilometragem de rede na varanda, porque sem ela não poderia curtir os Simpsons no final das manhãs. Minha neta faz questão da companhia do avô tão parecido com o trapalhão Homer. No final do episódio do dia, a graça é lembrar as cenas em que palavras hilárias relacionadas com a cintura ocupam lugar de destaque. Isso me aproxima da nova geração para desfrutar do carinho debochado de quem pesa um pouco mais de 20 quilos e treina para ser bailarina no futuro.

A vida é assim, cheia de truques. Passamos décadas acumulando o que não tem serventia, mas um dia vemos nossa descendência riscar o ar com a graciosidade do gesto. Éramos parecidos quando vislumbrávamos as maravilhas do século 21. De todos os sonhos, o menos prestigiado era exatamente o de cuidar dos rebentos da nova linhagem. Mas é ele que nos sustenta hoje com sua leveza que desfaz o peso de tanta vida, graças ao sorriso aberto na evolução de um pas de deux.

RETORNO - 1.(*) Crônica publicada na terça-feira, dia 14 de dezembro de 2010, no caderno Variedades do Diário Catarinense.2. Homer e Lisa Simpson na imagem desta edição.

18 de dezembro de 2010

CRIAÇÃO NO JORNALISMO: UM OBJETO SELVAGEM


Nei Duclós

Jornalismo é produzir (e não reproduzir) uma leitura dos fatos. E os fatos são versões das fontes. Produzir leitura é identificar uma lógica, um encadeamento nas evidências dos acontecimentos. Estes, são criaturas que nascem sob domínio de quem as emite, mas ao atingirem o status de jornalismo (a abordagem livre da manifestação adventícia) se libertam de suas origem, adquirem vida própria, já que assumem a natureza de uma outra linguagem. O relatório selecionado vira parte da reportagem, a conversa prolixa alcança a síntese da frase esclarecedora.

Por mais “concreto” que seja o acontecimento narrado pela fonte, será sempre uma versão à mercê do narrador. A testemunha ocular não faz história, é insumo para um nível acima, elaborado. O documento não é o fato, é uma representação dele. O depoimento , por mais sincero, sempre é fruto do filtro do depoente. Essas versões das fontes são os fatos. É também uma leitura, mas não é jornalismo, muito mais radical. O repórter/editor/redator/fotógrafo mergulha, filtra, organiza e divulga. Gosto de citar o exemplo de Rota 66, o livro-bomba de Caco Barcelos. Ele descobriu uma montanha de papéis num porão sujo da Polícia Militar, documentos abandonados ao longo de décadas de assassinatos de inocentes. Mentiu que queria organizar a bagunça, mas seu objetivo era fazer a denúncia.

Hoje a fotografia exibe muito mais poder nas mídias em geral, não porque haja mais espaço ou se manifestem muitos olhares absolutos de grande profissionais. Mas por te se intensificado a noção de que ler o gesto, o design do evento real, é decisivo para entender o mundo expresso na reportagem. E isso a foto se presta aparentemente sem intermediação. Faz ligação direta com a percepção, mas é também um jogo de gato e rato entre o que o fotógrafo vê, o que consegue mostrar e o que é visto e entendido pelo leitor. Há também a interferência de vários intertextos, que apoiam ou contrariam o que está sendo visto.

Esse jogo é mais complicado na palavra, que é cem por cento sugestão. Você não enxerga nada olhando uma letra. Só cria algo perceptível se usar a sintaxe, a língua consolidada, o verbo aparelhado. No impresso isso é um lugar comum, pois nesse ambiente fazemos distinção entre texto e imagem. Mas o texto digitalizado subverteu um pouco esse conceito, ou antes, revelou que a escrita também é imagem. Fica mais diluída a alienação do verbo (o significado pairando sobre a física dos signos) pois a palavra digitalizada transmutou-se na imagem de significados, também à mercê da leitura rápida e definitiva. Todos escrevem e fotografam. Brinca, e todos editam, diagramam e difundem.

É tocante a defasagem de articulistas que “preparam” o leitor para algo que virá depois, quando se sabe que podemos ler tudo ao mesmo tempo agora e não dependemos de arautos, exclusivistas ou bam bam bams. Costumo começar qualquer coisa, de notícia a romance policial, pelo último parágrafo. Não suporto a ansiedade de saber o que está escrito e explícito, e ser obrigado a, analogicamente, percorrer o fio de Ariadne do labirinto autoral. Com o desfecho sabido, a marcha das palavras fica livre do suspense.

Desvelar camadas de conceitos que soterram o ato de reportar desmascara o poder tanto das fontes, identificados com as próprias informações, quanto dos jornalistas, que acabam lavando as mãos em relação ao que conseguem acessar. Há uma terceirização geral, como se fazer jornalismo queimasse as mãos. Vai ver, queima mesmo. Tínhamos, e temos ainda, repórteres calejados e corajosos. A diferença é que hoje se mata mais jornalista. Estamos, como disse Greg Palast no seu célebre livro-denúncia, na “melhor democracia que o dinheiro pode comprar”, onde reina a pata possante dos poderes sobre a virtualidade das informações. Do nosso lado, tudo se dissolve no ar. Do lado de lá, só vem chumbo grosso.

Mas temos uma vantagem: o talento, graça de quem cria, que lida com um objeto selvagem no mundo domesticado, onde a linguagem virou um balcão de negócios.

RETORNO - Imagem desta edição: Athena tece.

15 de dezembro de 2010

O COZINHEIRO


Nei Duclós

O Cozinheiro é aquele que faz certo o que todos os outros fazem errado. Sua maneira peculiar de torcer a colher em que mexe os temperos acompanha o esgar de pouco caso desenhado no canto do nariz. É uma espécie de pré-espirro que puxa um pouco o lábio superior, deixando entrever alguns dentes de desprezo. Ninguém acerta o ponto senão ele. Ninguém sabe o ingrediente raro, trazido de helicóptero dos Balcãs Centrais, dos bosques da Baviera, ou da plantação exótica de Tia Chica, a que tem 130 anos e mora na serra e só é acessível de bote de borracha importado da Suíça por íngremes fios de água encachoeirados.

Seu olhar sampacu perscruta qualquer aspirante a tentar cozinhar na sua frente. Demolidor, venenoso. Abra alas para ele, que sabe, o resto se mortifica. Não é que se considere um Deus, já que Deus nunca entendeu de cozinha, tanto é que preferia os hortis crus de Abel aos assados de cabrito de Caim. Não se acha superior a Bocuse, já que Bocuse ou qualquer outra notoriedade culinária simplesmente não existe. Nas conversas que antecedem as refeições, só usa grifes famosas quando precisa desmoralizar alguém.

A vítima pode ser um chef qualquer (formado na cozinha de um mestre que O Cozinheiro despreza brandindo um concorrente). Se for francês, melhor. Ou um parente rico ou o melhor amigo do seu irmão, penetra numa reunião familiar. O Cozinheiro vinga-se dos adventícios pontificando, com gestos e caras, sobre o que todos não tem a mínima condição de apreciar por falta absoluta de berço ou destino.

E não guarde elogios que ele não faz a mínima questão. O Cozinheiro sabe qual altura do calor da brasa que pode crestar uma paleta de cervo dos Alpes. E tem noção exata do que significa uma trufa. Para mim, que sou leigo no assunto, e não sirvo, como o resto da humanidade, para comer as especiarias preparadas por O Cozinheiro, sempre achei que trufa fosse um jeito de me esnobarem . Pois para mim era certo que queriam dizer trutas. Quando soube, ou imaginei saber, que era um cogumelo raro só encontrável nos dias 30 e 31 de fevereiro em terras molhadas de húmus de percevejos ancestrais no interior dos Pirineus, fiquei chocado.

Mas decorei a fala ouvida de alguém e cheguei a fazer algum sucesso diante de outros panacas como eu. Até encontrar O Cozinheiro pela frente, que me humilhou dizendo que trufas, ao contrário do que eu pensava, eram chocolates finíssimos que só mestres do deserto espanhol são capazes de conceber em noites batidas pelo vento Siroco. Emudeci para sempre depois dessa, mas não evito entrar em pânico quando alguém se refere a trufas, com seu efe cortante a retalhar amadores. Esse é só um exemplo da desmoralização de quem está acostumado a comer coisas banais e não aquilo que O Cozinheiro prepara e degusta, aguardando elogios dos assustados comensais.

É quando então, todos satisfeitos e se derramando em loas, ele faz pouco do que fez dizendo que ao cozinhar na Corte da Baviera para Iluminattis adolescentes, aquela gororoba estava infinitamente superior.

Quando algum rei visita o Brasil e, claro, jamais convidam O Cozinheiro, pois os patrocinadores tem medo quem ele cometa alguma grosseria contra o sangue azul, O Cozinheiro então prepara um ágape exatamente no mesmo dia e hora em que os coroados vão atacar o fiambre. Assim, enquanto torce o nariz com seu esgar favorito, mexendo a colher daquele jeito que faz com que ervas finas atinjam o esplendor do Olimpo, ele pontificará sobre a vida sexual airada de algum ancestral da família real.

Assim é O Cozinheiro. Dê graças a Deus se você não o conhece. E contente-se com uma linguicinha de frango picada em rodelas, frita com cebola em fogo baixo no azeite de oliva, arroz branco soltinho e lentilha natural, borrifada de farinha saborosa e fresca, tudo acompanhado por um suco honesto de uva produzido no Ceará. Atole-se na sua ignorância.

RETORNO - Imagem desta edição: "Felipe II no banquete dos monarcas", de Sanchez Coello.

14 de dezembro de 2010

AÇÃO MILITAR “PURGA” PECADOS CIVIS


Nei Duclós

Lembro bem de 1964. O Bem, representado por carolas, reacionários e anti-trabalhistas tomou conta das ruas pedindo intervenção contra o estado de Direito, que estaria preparando um golpe sindicalista, ou seja, encarnava o Mal. O resultado todos sabemos: os anos de chumbo, uma ditadura interminável que acabou gerando um democracia de araque, essa em que vivemos hoje. Violência e miséria crescentes, sucateamento da infra-estrutura, expulsão da população do interior e amontoamento nas grandes cidades. Uma endemia tão antiga que parece de nascença, como diria Drummond sobre a viuvez em Boitempo.

Agora voltamos à vaca fria. A ação militar nos bairros pobre do Rio de Janeiro, essa Bagdá que vive ao lado do Canadá da Zona Sul, foi saudada como uma maneira de purgar os pecados civis, ou seja, o tráfico de drogas, a violência, a corrupção. Celebrado no início pelo consenso de uma mídia irresponsável, que só viu grandeza na operação, sabemos agora o que houve: invasão indiscriminada, saques de domicílios e matança pesada. Os mortos, claro, eram todos culpados. Inocente é o Estado, que deixou medrar um exército de facínoras nas suas fuças e agora tenta tocá-los como ratos de esgoto, sem intervir na essência do problema, que é o abandono da população à própria sorte.

Vendo assim do alto, o Rio de Janeiro mais parece um favelão. Só tem favela por todo o lado. O que permanece de cidade é o que existia na época do Brasil soberano (1930-1964). Sem políticas públicas de urbanização, saneamento e moradia, o povo é jogado na vala comum da barbárie, ficando na mão dos bandidos de todas as espécies. Primeiro eram os traficantes, depois as milícias e depois dessa operação o que será? A justificativa é que o crime estava tocando fogo na cidade e precisava de uma ação fulminante. O crime tocou fogo porque queria negociar, como sempre fez, com os podres poderes. Pois tem o país na mão, basta querer, como fez o PCC em 2006 em São Paulo, quando a cidade ficou refém dos bandidos.

“O Rio precisa de política de segurança e não de uma ação bélica” disse Paulo Sergio Pinheiro, um sociólogo a serviço da ONU. Sábias palavras. O quem seria uma política de segurança? Primeiro, não colocar blindado em bairro pobre, só na fronteira, por onde entra arma e droga. Segundo, não deixar que os invasores façam o quem quiserem com os moradores. Terceiro, manter-se permanente em todos os bairros e não apenas em alguns deles, como acontece com as UPPs. Quarto, urbanização, saneamento, medicina, educação, policiamento incorruptível.

Por que um cronista se interessa por esses assuntos e ainda resolve dar pitacos sobre as soluções? Porque é óbvio demais. Não precisa ser estadista para fazer a coisa certa. Mas parece que os governantes optaram pelo que há de mais desastrado, mais nocivo, mais perigoso, mais espetacular. Trabalhar todos os dias sem posar bêbado para as câmaras no carnaval, como acontece todo ano entre os grandalhões cariocas seria um bom começo. Mas não temos estadistas, temos gentinha no poder.

RETORNO – 1. Crônica publicada na edição 321 do jornal Momento de Uruguaiana. 2. Imagem desta edição: tirei daqui. 3. No twitter: RT @BrazilTour Corrigindo: valores teleférico é uma obra de R$ 493 milhões executada pelas empreiteiras Odebrecht, OAS e Delta.

13 de dezembro de 2010

NÃO POSSO RECUAR ALÉM DE UM POEMA


Mais três poemas do meu livro No Meio da Rua, lançado pela L&PM em 1979, com prefácio de Mario Quintana. Poemas do tempo presente, atuais, apesar de três décadas de distância.


LIMITE


Nei Duclós

Não posso recuar além de um poema
meu limite de medo

Não posso deixar que a palavra se perca
última colheita

Não posso esperar que o tempo resolva
ser mais ameno

Não posso deixar de trair
o meu sossego



CIDADE EM TRÂNSITO


Não pense que você está morto
só porque ficou no porto
vendo o povo desmoronando

Ninguém é maior por ter cruzado o mundo
Em todo lugar existe um muro

Não se arrependa
no fim das contas
estamos juntos

E o monstro não mudou de rumo
Ele está pronto
está crescendo

Esta cidade é outra
para qualquer um
Esta cidade em trânsito



PRIMEIRO DO ANO


As sirenes estão alertas
e na madrugada incerta
seus gritos se confundem
com o desespero dos galos

E eu aqui sem coberta
e eu aqui sem carteira
na noite aberta


RETORNO - Imagem desta edição: "Fastcitybeatenheart", de Ricky Bols, no seu assombroso blog Cucamongabols, que é uma avalanche visual criativa. Visite para VER.

BRASIL PARA GRINGOS


O Brasil precisou de um jornalista americano para descobrir as preferências alcoólicas do presidente. Mas normalmente os gringos não enxergam o Brasil com todas as letras. Estão envolvidos demais com próprio sistema de valores, ainda mais nesta época do politicamente correto, discurso que substituiu o velho reacionarismo de guerra. Além disso, a cultura tradicional baseada num sistema de justiça que funciona faz com que a ética e outros valores pesem na visão estratégica que eles tem de si e do mundo. Isso se reflete na diplomacia e no jornalismo dos estrangeiros.

Eles acreditam, por exemplo, que no Brasil atuam forças trabalhistas, em volta do PT, e social-democratas, em volta do PSDB. O que temos são convivas do butim, o dinheiro público desviado, a cargo dos principais partidos que dividem o bolo nos estados ou em rodízio no Planalto, e os partidos marginais, que participam da festa como penetras ou garçons. Não existe ideologia ou forças políticas atuantes no Brasil, vê-se pela migração em massa de políticos aos partidos da hora e o turismo partidário de várias personalidades públicas.

Também acreditaram, baseados nesta divisão clássica da política internacional entre trabalhistas e social-democratas, que Lula seria um representante das forças identificadas com as mudanças sociais. Por isso Lula foi tão bem tratado por governos sérios e veículos importantes (muitos deles comeram bola, ou seja, foram pagos para elogiar, já que estão em crise financeira). Por um tempo ele foi “o cara” até que caiu a ficha. Viram que se trata de uma enganação, de um sujeito capaz de se abraçar com todos os tiranetes mais venais e corruptos do planeta, que são seus verdadeiros pares. Ao mesmo tempo, Lula deu demonstrações explícitas de soberba e ignorância, se achando enquanto se arrastava pelos palácios do mundo à custa do esbagaçamento do dinheiro dos impostos.

O capital especulativo, regiamente compensado pelo buraco que os governos brasileiros das últimas décadas abrem nas contas públicas, sabe puxar o saco dos seus aliados. FHC posou com coroas e mantos de doutor honoris causa em tudo que é buraco universitário do planeta, fazendo o papel de um palhaço itinerante que alimenta a própria vaidade vendendo o patrimônio da nação. Ambos, FHC e Lula, que se admiram tanto, são os principais culpados de toda essa situação sem saída em que nos encontramos, em que os índices maquiados mostraram uma economia em crescimento quando, vê-se agora, tudo não passava de marketing. Estagnamos miseravelmente, nossa indústria foi para o beleléu e a China impera no comércio e na produção, enquanto a população vive no território conflagrado em bairros miseráveis, onde chamaram blindados para tentar manter a ordem que foi-se para sempre.

Não podemos esquecer do PMDB, fiador de toda essa falcatrua institucional, que fundou o atual regime numa presidência espúria, a de José Sarney, que assumiu o poder depois de ser o vice de uma chapa que perdeu o titular antes de tomar posse, ou seja, foi uma ascensão presidencial ilegítima. O PMDB é o tornassol da politicalha e a pose de centurião romano do sujeito que foi eleito vice-presidente mostra toda a pompa e a pose dessa força fisiológica. Pois a política brasileira funciona como as dietas. Vou explicar.

Você vai avançando na idade e expandindo normalmente. Aí entra em pânico e quer ter de novo o corpito de vinte. Começa a fazer dieta. Entra na macrobiótica, mas desiste. Incorpora, no entanto, o arroz integral, que passa a consumir junto com o arroz branco. Aí entra no natureba e deixa para lá, mas, ao voltar para o pão branco, compra também o pão integral. Assim por diante. A alimentação vai aumentando de intensidade e volume conforme os programas que você abraça. Na política essa incorporação é parecida. O PMDB assumiu a presidência e enriqueceu. Aí veio o PSDB, idem, e agora o PT. Depois virá quem? Os partidecos que ciclicamente migram para cá e lá, conforme o pagamento?

Aqui um presidente tungou a poupança e a conta corrente da nação, foi flagrado em inúmeras falcatruas e hoje é senador, por pouco não virou governador de novo. Outro que estuprou a conta corrente de um caseiro volta sorrindo nas primeiras páginas dos jornais e vai assumir cargo importante no novo governo. O pianista que votava de maneira ilegal em nome dos seus pares no Congresso virou ministro eterno. No tecido social, crimes hediondos são premiados com benefícios da lei, matadores que assassinam mulher pelas costas continuam soltos. Enquanto estudantes e professores sérios são abandonados e ficam à mercê da bagunça e da violência nas escolas, ONGs e governos passam a mão nos viciados de todos os calibres, tentando “compreendê-los” com programas que apenas os mantém nas ruas, em vez de tirá-los da vagabundagem.

Esse é o Brasil que os gringos devem ver nas suas análises. Não uma potência econômica com forças políticas sérias disputando o poder da República. Mas um país tomado pelo banditismo com grande poder corruptor, capaz de gargalhar e cacarejar pelo mundo afora. O importante é saber que, mesmo amarrado, a porção séria do Brasil ainda voltará à tona, quando então tentaremos anular tanto estrago feito por décadas a fio. Pode-se argumentar: mas eles sabem tudo sobre nós, mais que nós mesmos! Não é o que vimos em alguns documentos da Wikileaks, em que diplomatas rastreiam nossos comportamentos presos às próprias percepções, ou em inúmeras matérias estrangeiras, em que see procura um pouco de elegância na nação ludibriada. No geral há a visão catatrófica do país, mas abordo aqui as tentativas de nos enquadrar nas responsabilidades mundiais.


RETORNO - Imagem desta edição: cena do filme "Turistas", de John Stockwell.

11 de dezembro de 2010

CRÔNICAS DE MARCOS REY: FUNDAMENTOS DO OFÍCIO


Edmundo Nonato (1925-1999) é o cidadão que assumiu o ofício de escritor por meio de seu principal personagem, Marcos Rey. Autor de extensa obra, de romances a contos, de novelas de TV a scripts para o cinema, de farta literatura infanto-juvenil a reportagens, ele agora tem reunido num belo volume as suas melhores crônicas. O lançamento é da Global Editora, que gentilmente me enviou um exemplar, já que faço parte do time de apresentadores com um trecho de resenha publicado na grande imprensa no auge do preconceito com Nonato (ele seria “comercial” e não o que é de verdade, um tremendo escritor). Estou bem acompanhado pelo meu querido Antonio Hohfeldt (um dos primeiros a resenhar meu livro de estréia), mais Leo Gilson Ribeiro, Wilson Martins e Fabio Lucas. Timaço do qual me orgulho de fazer parte neste volume. A seleção e prefácio são de Anna Maria Martins, de largos serviços prestados à cultura brasileira e à literatura.

Feitas as apresentações, vamos à festa. Tudo pode ser dito desta primorosa seleção de textos que se presta às mais variadas análises, desde história do comportamento, memória paulistana, vida errante de um autor pelas redações e empregos em três quartos de século, mais perfis variados de todo tipo de relacionamentos urbanos e conjugais. Sem falar na galeria de heróis, vilões, beldades, empresários da noite e da comunicação, parentes, amigos, bêbados em geral, amores vãos, tudo misturado num mural gigantesco da vida coletiva brasileira no século 20. Uma preciosidade, como se vê, que dá aulas sobre o Brasil que fomos e que se foi para sempre, fato que ele reporta e se transforma num dos oradores magistrais do funeral da nação maravilhosa, gentil, feliz, dolorosa e grandiosa que um dia fomos e talvez jamais voltaremos a ser.


Tudo isso vale e quero que os estudiosos e leitores em geral tirem o máximo proveito de mais de 300 páginas de ouro que aqui aportam como um transatlântico numa baía tormentosa, de onde saem as multidões humanas que fazem parte da identidade do país. Mas eu prefiro abordar pelo que considero mais importante: Marcos Rey ensina os fundamentos da crônica. Ele praticamente entrega todos os lances e essa transparência faz deste livro um material de primeira grandeza para entendermos como se exerce esse gênero literário tão brasileiro, que desde os antigos cronistas evoluiu para a pena leve a maravilhosa de pessoas como Olavo Bilac, Machado de Assis, João do Rio, Rubem Braga, Paulo Mendes Campos, Vinícius de Moraes, Manuel Bandeira, entre tantos outros.

Um exemplo: alguém sempre sugere que ele aproveite um fato para fazer uma crônica. Mas ele adverte que a crônica nada tem a ver com a realidade. Primeira lição: é tudo técnica narrativa. Segundo: mais importante que o script são os personagens. E quais são eles, além dos citados acima? Fundamentalmente ele, o narrador, e a esposa, que ao longo dos textos adquire vários nomes, exatamente para mostrar que ela não passa de uma personagem, que se adapta ao tema adotado. Depois existem algumas figuras recorrentes, como o anjo Odilon, aquele que nunca aparece e lhe consegue empregos; o melhor amigo, Lorca, companheiro de farras e confidências; o irmão maios velho, Mario Donato, diretor de redação que o introduz no jornalismo e lhe dá aumento exigindo que ele “cuide mais da mamãe”. E finalmente, a principal personagem ,a cidade de São Paulo, descrita nos mínimos detalhes em décadas de vida plena.

Definidos os personagens principais, são escolhidos os temas: o desemprego recorrente e sempre ameaçador, a aposentadoria vingativa, a memória debochada e sem auto-complacência, a vida profissional na televisão, na publicidade, no jornalismo. E o que é mais importante: cada crônica tem a dose certa de sacadas, de frases que complementam situações, de desfechos que nos remetem ao início depois de o autor espairecer aleatoriamente sobre vários itens. Podem ser encarados como truques, mas é puro conhecimento de como funciona a palavra sedutora que conquista o leitor desde a primeira frase.

Lemos estas crônicas de Marcos Rey com alegria, com deslumbramento, com vontade de ficar para sempre sem nunca chegar à última página. Uma vez encontrei-o numa feira do livro, me identifiquei, mas ele, no início, não lembrava muito de mim. Mas logo lembrou. Depois fiquei sabendo, por amigo que se deixou ficar um pouco mais no stand, que ficou aliviado por ter me reconhecido. “Viu só?” disse, orgulhoso, para sua companheira de feira, “como eu lembrei daquele jornalista?” Grande Edmundo Donato. Caio na tentação e digo que esse seria um tema para mais uma de suas crônicas, já que o admirador sempre aspira ao status de personagem nas mãos de um mestre desta ficção que é a vida real.

A ESSÊNCIA DO JORNALISMO


Não, não é a informação. Se fosse, seria espionagem ou diplomacia. A essência do jornalismo é a divulgação, a transparência da informação. Divulgar não está na agenda da espionagem, que trabalha com o segredo, ou da diplomacia, que trabalha com segredo de estado. O jornalismo é o anti-segredo. É isso que pega. Seu único segredo é a própria fonte. Pode ser divulgada ou não.

O jornalismo cria uma relação entre a abundância da fonte e a escassez da síntese, da seleção. Dá trabalho. Mata cedo. É profissão de risco, como cortador de luz na favela ou alimentador de ursos fora da temporada de salmão. Mesmo no wikileaks, que joga toneladas de informação no ar, há edição. Quando o jornalista consegue, causa um terremoto. Por isso o jornalismo virou uma vernissage. Divulgar informação editada é muito perigoso.

Não fosse o Washington Post, Watergate seria apenas um edifício, e não fosse Caco Barcelos a Rota, prima-irmã do Bope, seria apenas uma milícia heróica e não uma matadora serial de inocentes, como foi provado no livro “Rota 66”. Quem está na cola do Bope? Jornalista sacudidor de cabeça afirmativamente enquanto a fonte discorre a resposta é que não. O jornalismo não é para sabichões, isso é outra atividade, a consultoria da auto-ajuda.

A abordagem das fontes implica dois enfoques. Um é a fidelidade das falas, quando declarações ou soluções de narrativa de quem emite a informação são utilizadas no texto do jornalista. Outra é a traição das falas originais, um recurso eficiente para evitar que a prolixidade da fonte, suas descosturas ou falta de objetividade, atrapalhem a reportagem. É preciso então mudar, tecnicamente, o que foi dito, para que o resultado não traia a pauta.

Fica difícil de entender para quem não é do ramo. Muitas vezes, você precisa modificar a maneira como foi dito para que haja fidelidade ao que foi realmente dito. Nem sempre o que é falado ou escrito representa ou reproduz fielmente a intenção da fonte. É preciso modificar para respeitar a fonte. A não ser quando ela não mereça respeito. Tivemos exemplos recentes com Dilma e Lula. Dilma acusou o meio ambiente de prejudicar o desenvolvimento sustentável e Lula, ao defender (na fachada) o Wikileaks, exigiu que as pessoas se manifestassem contra a liberdade de expressão. Deitei e rolei sobre isso porque não vou dar vez para esses mal intencionados que tomaram conta do poder. Mas o fato é que eles quiseram dizer o contrário. Os jornais, subservientes, fizeram a correção sem se referir ao erro, eu não. Encarei como ato falho: disseram o que realmente pensavam.

Quando uma fonte comete algum desastre na sua narrativa e isso é reproduzido “fielmente” pode causar estrago. Quando necessário, deve-se "trair" a fonte para não contrariar suas intenções. Essas coisas passam por desvio de conduta, mas fazem parte da essência do jornalismo. Quando as redações tinham gente qualificada, isso era tirado de letra. Hoje, época de legenda para cego, de reproduções de BOs no lugar de reportagens e de transcrições de falas oficiais, coisas que inundam os veículos de comunicação, fica difícil saber onde a coruja pia.

O importante é saber que o jornalista não pode ser o tosco reprodutor de falas selecionadas nas fontes pelas assessorias de imprensa, nem o pauteiro de frescuras e amenidades, nem o assassino do verbo, nem o trucidador de soluções clássicas da língua, nem o perseguidor de madonas ou o farejador de perfumes das celebridades. É preciso resgatar a essência do jornalismo, quando tínhamos apenas uma caneta e um bloco de papel dobrado no bolso da calça.

Nem precisa ipad, ipod, ipud ou iped. Basta saber fazer, já que os caminhos, digitais ou não, sobram por toda parte. O que vale é conseguir a informação, acessá-la, editá-la e divulgá-la, com qualquer recurso. E todo mundo quer uma boa reportagem, como a premiada “Artur tem um problema”, de João Moreira Salles, sobre o matemático brasileiro Artur Avila e que foi publicado na revista Piauí. É assim que se faz.

RETORNO - Imagem desta edição: Carl Bernstein e Bob Woodward, repórteres que entregaram todas sobre Watergate.

O COLUNISMO SOCIAL DAS IDÉIAS


Julian Assange (acima) desmascarou a canalha. Estão todos comprados. Só existem Ibrahins Sueds. Cavalos descem escadas. Gigi, chegamos lá. Ademã que vamos para trás. Em vez de fotos das mais elegantes, as mais elegantes frases de efeito. Distribui-se fartamente bolas brancas e bolas pretas. Há grande destaque para quem estréia na vida milionária ou política (o que dá no mesmo), os chamados debutantes, palavra que, pelo som, sempre liguei a bunda, já que existe debutar, pois não? Sobra saia justa entre marmanjos, homens fortes flácidos, forças-tarefas sonolentas ou inexistentes. E aquele tom de soberba de quem está acima do Departamento de Estado americano, que concede o fato de haver uma coisa chamada democracia no Brasil, onde todos são culpados. É o colunismo social das idéias, fartamente remunerado pelo butim, o dinheiro público desviado.

Num grande jornal, funciona por aparelhamento. Cada um tem seu dia e a seu modo defende alguma falcatrua tenebrosa, moral ou econômica. Como todos tem cacife acumulado, capital simbólico amealhado em décadas de subserviência travestida de independência denuncista (os clientes dos dossiês), eles podem agora puxar bem o saco das otoridades sem levantar suspeita. Assim, a festa sinistra de automóveis pretos na distribuição de ministérios é tratada como maturidade democrática, wikileaks é apenas um site de fofocas que nada informa de novo, Julian Assange é um irresponsável perigoso, Lula sempre tem razão, Dilma é a volta por cima da mulher, blindado em favela é uma coisa fofa e um convite à reflexão, entre outras barbaridades.

Como todo colunismo social, o das idéias é celebrativo. Festeja-se que não há mais socialismo, embora paradoxalmente haja grande excitação com o fato de ex-terroristas terem tomado o poder. Há confetes sobre polícias matadoras e mais nenhuma palavra sobre o massacre de pessoas inocentes nos morros, já que pobre morto é pobre culpado. Existe fanfarra para eventos que reúnem a fina flor do corporativismo bem intencionado, tudo para que a população dos bairros invadidos voltem a querer ser só felizes na favela onde nasceram. Há palmas para o presidente que reclama que não haja nenhum protesto contra a liberdade de expressão. Manifestem-se contra a liberdade de expressão! brada ele, sob os aplausos febris dos corações.

Há também as matronas do colunismo social das idéias. Os canhões que assumem os ministérios, seguindo os passos de sucesso de sua grande mestra. Elas participam de bailes de formatura de bandidos encasacados, distribuem esperanças para convivas afoitos, prometem manter o ritmo das obras que irão desaparecer dos papéis pois o dinheiro acabou. Quem quiser comprar automóvel em 80 vezes que vá se roçar numa tuna. Chega de dar colher de chá para pobre. Vão votar no Serra.

Espera-se que o colunismo social das idéias também tenha uma porção importante no cenário internacional. É preciso repisar que o meio ambiente é, fundamentalmente, a maior ameaça ao desenvolvimento sustentável. E que o Irã deve mesmo apedrejar, mas não conte para ninguém que estamos de acordo. Achamos os EUA uma droga e estamos prontos para enfrentar em termos de canhão aquela hilária Hillary e seu ressentimento pós charuto maridal.

Isso é isso. Bom proveito para nós.

RETORNO - Imagem desta edição: Julian Assange, que faz jornalismo de verdade e não o colunismo social das idéias, hábito de comunicadores e políticos brasileiros.

9 de dezembro de 2010

O VERÃO SE ANUNCIA


Nei Duclós
O verão se anuncia
quando no fim da tarde
é sol do meio dia,
incêndio à altura da tua vista

Tempo interminável, noite curta,
e a Madrugada vem
na pressa de trazer de volta
o sol e suas águas

O vento morno
mexe o cabelo das estrelas,
que tremem enquanto
forram a varanda

Talvez admirando a Lua Nova
as dores saltem fora
e o corpo abarque a luz
de sua face, voltada para o Norte

Apropriou-se o céu da minha fala
Canto na sombra da romã
que se alimenta
das iluminações vadias da calçada

O ar levemente frio
no amanhecer da primavera
forma o paraíso que a terra
nos brinda por acaso


RETORNO - 1. Poema formado por intervenções no twitter, com ligeiras modificações. 2. Imagem desta edição: Vondelpark, de Daniel Duclós, do ducsamsterdam, o melhor site de turismo sobre a Holanda em português segundo o Estadão.

7 de dezembro de 2010

SOBERANIA PÓS WIKILEAKS


O site Wikileaks, que por motivo de segurança já tem mais de 500 clones permitidos na rede, para evitar que suas revelações sejam deletadas, muda definitivamente o paradigma da ação política. Até agora, fazer oposição era descobrir, fundamentar e difundir denúncias contra governos, que se escondiam em discursos oficiais, negavam tudo e no lugar de suas falcatruas colocavam argumentos clássicos, hoje desmoralizados. Pois graças aos documentos espalhados como bomba por todo canto, sabemos o que eles fazem nos seus segredos diplomáticos e crimes imperiais. Já sabíamos ou desconfiávamos, mas agora não tem mais desculpa.

Estavam todos mentindo. Os americanos torturam em suas prisões, metralham civis desarmados, espionam instalações importantes em todos os países, devassam a vida dos estadistas estrangeiros. Os franceses corrompem as nações clientes para vender seus caças, que custam bilhões a mais, o Brasil tem as Farcs explorando urânio em seu território que é repassado para o Irã via Venezuela. A invasão das favelas, segundo o wikileaks, já estava planejada antes de haver os atentados no Rio, ou seja, é mentira que tenha sido montada a partir desses eventos. O plano previa a intervenção como modelo a ser exportado para todo o território nacional, como vimos depois no noticiário.

Ou seja, você não vai fazer oposição perguntando se o candidato sabe ou não fazer o sinal da cruz. Queremos saber o que o candidato fará com a soberania do país, se vai impedir que as Forças Armadas tomem conta da segurança da população civil, se as fronteiras continuarão abertas para o narcotráfico,se continuaremos fornecendo urânio para o Irã fabricar sua bomba, se vamos pagar mesmo bilhões a mais para comprar caças franceses. Precisamos saber o que os estadistas farão com a soberania, já que sabemos o que estão fazendo agora. Sim, é tarde demais, Dilma foi eleita, mas a vida continua, vem mais eleição por aí, desde que cuidemos das fraudes nas urnas eletrônicas, que já estão pipocando por todo lado.

A CIA arranjou uma pinguancha que envolveu sexualmente o principal protagonista Julian Assange , que agora está preso por cometer crimes sexuais logo na Suécia! país onde Garrincha deitou e rolou em 1958 fazendo filho em loirinha, entre outras estripulias. O coitado do nerd foi envolvido por ser RM, Ruim de Mulher. Fez sexo consentido e acabou sendo acusado de coisa feia. Hoje, heterossexual é criminoso. O deputado Jair Bolsonaro denunciou que em 2011 será distribuído um kit para crianças entre sete e dez anos que discute qual deve ser a profundidade da língua do beijo lésbico e como deve ser visto o menino que se apaixona pelo piu-piu alheio. É verdade, está tudo gravado e documentado.

É muita violência no país onde foram desmascarados os mais notórios jornalistas, todos eles aparelhados, a começar pelo ex-terrorista Franklin Martins, que agora quer regular a imprensa depois de ter ficado anos dizendo sandices na rede Globo, onde posava de isento. Vemos colunista da Folha Fernando Rodrigues chamando de maturidade democrática o continuísmo conseguido à custa de uma campanha criminosa e manipuladora. A súcia tomou o poder em todos os níveis.

Qual deve ser o teor da insubordinação agora? Denúncia não pega mais, está tudo escancarado. Eles fazem e pronto. Querem calar o protagonista mas não conseguem mais evitar as informações, que transbordaram em todas mídias. Precisamos nos concentrar nos temas que realmente interessam e lutar dia e noite contra o que querem fazer não apenas com nossas vidas, mas principalmente com nosso futuro, imediato e distante. Não dependemos mais dos “formadores de opinião”, que estão ocupados em sobreviver no bem bom. Contamos apenas com nós mesmos, os eternos combatentes do espírito livre e insurrecto.

RETORNO - 1. Imagem dessa edição: Soldados da "paz" fritam africanos em sessões de sadismo. O mundo não é mais o mesmo depois de tudo o que foi denunciado pelo Wikileaks.2. Alguns links: beijo lésbico e piu-piu.Franklin Martin assume que executaria o embaixador sequestrado. Sobre a wikiLeaks. Fraudes nas urnas eletrônicas do Maranhão.

PRETENSÕES


Nei Duclós (*)

A diferença da época atual é que as pretensões, que existiam em ambiente restrito, ganharam foros de cânone. Era difícil romper as fronteiras impostas à soberba, pois as pessoas não tinham ainda atingido o nível de mídia internacional, como acontece hoje na internet. Com o e-mail, os blogs e os twitters da vida, a toda hora nos deparamos com novos e infindáveis reis da cocada de todas as cores.

O sujeito escreve alguma coisa, manda uma mensagem e no mesmo instante você é tratado como leitor, mesmo que não consiga chegar ao fim do texto. Pior: agora o receptor começa a fazer parte de um plural que, em tese, segue compulsoriamente o autor das mal traçadas. “Obrigado, leitores”, diz. É também hilário o hábito, tornado obsoleto com a simultaneidade digital, de anunciar algo fazendo suspense. “Leia amanhã no meu site”. Ora, coloque logo no ar e não faça marola, pois isso de ver depois é coisa do tempo antigo. “Daqui a pouco falo contigo, isso veremos mais adiante”.

Nas mídias sociais, há o recurso de adicionar alguém para seu grupo de conversa. O sujeito anexa e você, pessoa educada, retribui. Pois imediatamente o que batia na porta vira anfitrião: “Bem vindo ao clube!” diz, como se fosse um privilégio ser membro de tão exclusivo ambiente, que é o seu ego. Também é costume disseminar ordens para desconhecidos: “Visite meu post, faça um comentário, dê RT.” Sem querer, somos anexados a um Exército Imperial onde o augusto anônimo é o legislador e o manda-chuva absoluto.

Como as pessoas estão separadas de maneira aparentemente segura pelo vidro do monitor, então tudo é permitido. “Goethe disse e eu digo agora”, escreveu alguém, comparando-se ao Olimpo que, como todos sabem, é apenas o precursor de tão notória existência. É um espanto. Fica difícil conviver com celebridades coalhando cada metro quadrado do mundo em lotação completa. Ainda mais sabendo que diante da multidão de estrelas no palco iluminado, você é o único que está na plateia.

Eles estão prontos a dar autógrafos. Você então é brindado por garranchos em pleno domínio da letra impressa. É uma concessão que fazem, quando transformam o resto da humanidade em alvo desse ofício majestático, que é redigir uma dedicatória com assinatura equivalente a um selo real.


RETORNO- 1.(*)Crônica publicada nesta terça-feira, dia 7 de dezembro de 2010, no caderno Variedades, do Diário Catarinense.2. Imagem desta edição: capacete do antigo exército imperial prussiano.

6 de dezembro de 2010

OS SEGREDOS DE HELENA


Nei Duclós

O romance de estréia Helena de Uruguaiana( Dublinense, 109 pgs.), de Maria da Graça Rodrigues, conta alguns segredos. Primeiro, da personagem, a adolescente que seduziu o primo rico, por ele sofreu a vida toda, foi mãe solteira e correu o mundo antes de se decidir pelo que realmente queria. Segundo, da cidade que escondia as relações fora da rígida sociedade da fronteira, a elite que acobertava os conflitos políticos da ditadura e viu a diáspora dos seus filhos nos anos de chumbo (principalmente do final dos anos 60 até a anistia).

E terceiro, do próprio romance, que revisita e atualiza, sem se enredar, os modelos de heroína da literatura (da clássica mulher de Ulisses, passando pela romântica Dama das Camélias ou a brasileira Lucíola). E o que é mais significativo: o segredo da boa literatura que circula, de maneira pessoal, entre paradigmas dos mestres do ofício (dos russos aos franceses), conduzidos para dentro da trama, que por sua vez é pontuada por orações recorrentes do catolicismo - uma religiosidade que usa a liturgia das palavras da missas para celebrar o amor impossível e definitivo.

Não é pouco para uma autora que chega com toda a humildade da estreante, mas com a segurança que surpreende e liga imediatamente logo no início. Confesso que tenho inúmeros livros na cabeceira, que vou lendo conforme as demandas do dia. Volumes pela metade, tramas ainda sem solução, propostas que acabam desviando minha atenção, cada vez mais precária devido à sedução de outros meios, mais luminosos e rápidos. Mas com este livro aconteceu o contrário. Deixei-o na estante por um tempo, sob o álibi de que precisava terminar o que tinha começado primeiro. Mas ao me decidir enfim pelas primeiras linhas, em pouco tempo me vi emocionado no epílogo.

Passei voando pelo romance como num galope. Não que a história de Helena seja leve e divertida, como num livro que se lê para depois esquecer. Mas porque as soluções encontradas para compor a história revelam uma estrutura bem acabada, com alicerce sólido, paredes honestas, telhado firme e janelas que dão para vários mundos. Aqui a viagem é um deslumbre não apenas para os conterrâneos, os uruguaianense como eu, que reconhecem em cada detalhe (as casas, os colégios, os campos de futebol, as ruas e avenidas, as fazendas) nossa identidade. Mas todo leitor pode enxergar com clareza o que é uma história bem contada, nesta época de tanta literatura envergonhada, onde se procura torturar o leitor sem lhe oferecer o principal, um motivo para se chegar ao final.

Tudo está aqui, neste livro primoroso. A tradição das famílias ancestrais, solidamente instaladas na propriedade da terra, no comércio bem sucedido, num cosmopolitismo de quem convive com nações estrangeiras na porta e, ao mesmo tempo, que se refugia na platitude de um status secular. Os carnavais, as reuniões dançantes, as festas, as formaturas, os vestidos, os ternos, os coques, as melenas. Também os namoros, os casamentos feitos e desfeitos, os filhos legítimos ou fora do esquema, as avós afetivas, as concorrentes maldosas. As pequenas e grandes traições, as brigas de vida ou morte, as viagens sem volta, as culpas e as anistias. Temos a terra, o cavalo, o passeio, os móveis, os casarões, os barracos, o rio, as sangas. E o amor profundo e sem remédio, a indiferença e a crueldade, o heroísmo e a vilania.E de quebra, os lugares e monumentos de Paris, o exílio, o desenraizamento, a distância. Tudo na medida certa, sem sobras, num texto enxuto, numa composição de orquestra de câmara que soa como os acordes de uma banda anônima num restaurante inesquecível.

Digo isso não por ser suspeito, pois meu nome está nos agradecimentos, generosos e exagerados, da autora, que trocou comigo alguns e-mails antes de publicar. Conversamos animadamente sobre o livro, mas eu não tinha noção exata do que se tratava. Há muita procura por conselhos neste mundo hostil da literatura pátria e costumo atender com prazer as solicitações. Às vezes me escapa a grandeza do que está sendo feito. Mas basta ter a obra nas mãos para ver que a autora, embora preste tanto tributo a seus professores de narrativa, tem a vocação poderosa e o talho certo para tão complicado trabalho. Poderia ter trocado os pés pelas mãos, poderia ter errado a maior parte do romance. Mas acertou em cheio e por isso merece ser celebrado como a grande estréia da literatura brasileira de 2010.

Digo sem medo de errar. Que minha percepção não estrague a surpresa nem abra a guarda para desconfianças, já que aqui não há bairrismo nem predileções. Leio com olhos livres e só me reporto ao que sei e sinto. Helena de Uruguaiana tem a fisga dos romances clássicos, mas sem ser um deles, pois as técnicas de narrativa de todas as idades se somam, sem que possamos percebê-las. Esse é o sinal mais evidente de competência: quando a autora revela os segredos sem cair na tentação dos truques.

PRIMEIRA HORA


Nei Duclós

Alguém jogou farinha na mesa azul do céu e raspou com uma palha de aço. Deixou a nuvem esgarçada, ao som inaudível só percebido pelo casal de pombas que se aboletaram no fio para curtir a manhã. Elas aguardam o levantar supremo do sol, quando partirão para outras ações menos passivas, como voar até os morros próximos, cobertos pela compacta massa de arbustos. É uma espécie de cordilheira em miniatura, esses morros que pontuam os limites da varanda, onde observo o silêncio que a natureza define neste quadrante extremo da ilha.

Não existe nada demais em compartilhar esse momento em que tudo transparece esperança. Acontece todos os dias, mas poucos se aventuram a depositar nele a atenção total. Estamos distraídos pelo compromisso iminente, que se avizinha com suas dificuldades, e pelas demandas do corpo, cada vez mais exigente e escasso. Muita preocupação acaba nos afastando de um ato natural que é o amanhecer de primavera, em que a umidade está na dose certa, e o frio uma bênção diante da lembrança dos calorões que se aproximam. É quando as cores básicas se distribuem irmãmente pela plataforma construída ao nosso redor, feita no capricho por um Deus ainda na ativa.

Decidir-se pelo amanhecer é abrir mão de ilusões noctívagas. Baladas, serões, insônias, corujões, tudo isso precisa ficar à parte quando queremos exercer o domínio do despertar na primeira hora. É uma questão de competência, como tudo. Transformar uma decisão numa ordem que não pode ser transgredida. Não ultrapassar a meia noite no jogo diário com as palavras. Concentrar-se para dormir cedo imaginando alguma história boa para nos distrair, já que na televisão só passa porcaria e não temos mais paciência para ver tanta coisa enganosa. Há uma cota para suportar a mentira e já atingimos esse nível há tempos.

Com o tempo, passamos a encarar a época em que ficávamos acordados por força das eletricidades variadas da vida, como uma era distante, um passado remoto demais para sabermos do que se tratava exatamente. Voltar a acordar com a luz do sol, mesmo em dia nublado e com chuva (alguns deles maravilhosos) é ainda possível hoje, quando imaginamos ter nos afastando tanto da natureza.

Precisamos mergulhar na manhã para que todos possam nos identificar com a claridade. Escolher a palavra certa faz parte do jogo da sobrevivência. Pois ela acaba grudando em quem a usa. Sabemos disso principalmente depois da internet, quando os sistemas de busca começaram a trazer junto com o nome de cada um tudo o que a pessoa decidiu colocar perto de si. Assim, se você falar muito em ódio, fará parte dele. O tema ficará em sua aura digital. Se atacar demais determinado personagem político, acabará em seu redil, vai compactuar sem querer do seu curral. Tocou no problema, ele se torna seu. É injusto, mas é o que acontece.

O grude das palavras é como um caso de amor. Ele não te deixa, por mais problemas que surjam. É recomendável então amar a manhã, já que a relação com as palavras tem essa vocação para a eternidade.

RETORNO - 1.Crônica publicada na edição 320 do jornal Momento de Uruguaiana. 2. Imagem desta edição: foto de Ida Duclós.

4 de dezembro de 2010

ORAÇÃO PARA UM VELHO MICRO


Nei Duclós

Micro xucro de campanha
Que te comprei aos pedaços
Amarrando o barbicacho
Nos teclados corcoveantes
Hoje és menos do que antes
Lasseaste enfim o barbante

Sobreviveste aos tropeços
Às retrancas e aos tombos
Foste tropeando percantas
De palavras estrangeiras
Blogs, saites, posts, meils,
Erretês e âpe greides
nos daunloudes deletantes

Fui te trazendo no laço
Pelas lambanças afora
Não te apichaste na espora
Nunca foste figurante
Nessa soberba campante
Gravada em silício guapo

Hoje todo rebentado
Ninguém vai te dar um trato
Recuperar tua sucata
Ou colocar-te nos trinques
O que te resta é esse canto
De um curral cheio de trastes

Mas te levo no meu peito
Velho micro companheiro
Foste baldaço em entrudo
E pingo brabo em rodeio
Olhando de revesgueio
Com teu jeito macanudo

Deste banho em cancha reta
Mateaste com as legendas
Dos maiorais das contendas
Fazendo só teu trabalho
És mesmo guasca guerreiro
Ancestral do bom combate

Só não driblaste a morte
Porque da bruta é inútil
tentar tapar com peneira
o sol do seu estandarte
Então desconectaste
quando foi lançada a sorte

Micro xucro galponeiro
Mateador de adaga em punho
És o herói dos fedelhos
Que querem pialar no grito
Pois só com um mega e meio
Ganhaste a roda de truco

3 de dezembro de 2010

JACK, O MARUJO



Jack, o Marujo tinha até trilha sonora, que fiz e depois esqueci. Só lembro do início que dizia assim: “Lá vai Jack, o Marujo, com sua black bandeira”. Acho que foi sorte dele não pagar o mico de ter uma espécie de hino. Agora ele está à vontade no twitter, onde a toda hora pede para falar e eu atendo (@neiduclos). Vamos às frases que postei lá:



Jack, o Marujo, levou alguns microcontos para passear. Cobrou caro. Na volta, deram por falta de um. Vai ver a gaivota comeu, disse ele

Ninguém consegue me definir, disse a arquiteta. És flor, mas teu perfume só a ti e a quem amas diz respeito, arriscou Jack, o Marujo

Que catinga, disse a senhora do vestido florido. Não é sujeira, é macheza, não tem como tirar, disse Jack,o Marujo de olho no colar de ouro

Jack, o Marujo, gosta do silêncio, aprendido em longas viagens pelo Mar Oceano. Quando conta uma história, não ultrapassa os 140 toques

Na sua ilha deserta, Jack, o Marujo gosta de ver os pássaros. Mas odeia quando eles vão embora de repente. "Malditos unfollowers!",rosna

"Vou matá-los!" rosnou Jack, o Marujo, quando viu alguns pássaros sobrevoando suas armadilhas de pesca

Na Capitania dos Portos, Jack, o Marujo olhou bem nos olhos do atendente e avisou: "Quer ser meu inimigo? Me chame de meu caro"

"Malditos unfollowers" repetiu Jack, o Marujo, mascando um naco de tabaco da ilha de Java. "Vou chamar a Marinha!"

Jack, o Marujo certa vez salvou alguém no alto mar. Era um miliardário e quis recompensá-lo. Jack recusou. O cara não tinha sorte

Jack, o Marujo pôs seu uniforme,aparou a barba e entrou na fila para o dentista gratuito.Mas já tinham distribuídos as senhas. Voltou ao rum

Jack, o Marujo, está com artrite.Muita maresia nas juntas.A mão direita incha e mal pode fechá-la. Mas não pode parar de navegar. Não agora

Jack, o Marujo abordou nau comercial, saqueou o porão depois de abalroar a proa e destruir o convés. Levou 15 unfollowers para pedir resgate

Jack, o Marujo, arpoou uma baleia branca e foi preso.Nome?perguntou o policial. Call me Ishmael, disse Jack. Ishmael de quê?disse o escrivão

Na época braba, Jack, o Marujo cuidou de alguns prisioneiros."Vou matá-los desta vez",disse,ao ser apresentado às novas autoridades do porto

Jack, o Marujo levou um grupo de consultores de auto-ajuda para um passeio em alto mar. Voltou só, assobiando. Grupo? Que grupo?

Jack, o Marujo, coloca o pessoal do Bem e do Mal numa piroga e joga tudo no meio do Mar Oceano. Depois canta "ho-ho e uma garrafa de rum"

Jack, o Marujo, já chegou a um veredicto: “O assassinato do prefeito Celso Daniel deveu-se à sua pouca resistência à bolinha de papel”

Deus criou o homem, depois a mulher, para lhe fazer companhia. E de longe trouxe Jack, o Marujo, que veio para estragar a festa

Ninguém mais oferece Bíblias para Jack, o Marujo. “Não me fale em Deus se você tem curvas” disse ele para uma carola. Lamentável

Jack, o Marujo, ia celebrar os 1.300 seguidores, mas alguém deu unfollow. “Malditos unfollowers!” rosnou o velho capitão



E UM POUCO DE CHUCK NORRIS


Já que o assunto é sobre sujeitos durões e implacáveis, também atendo as demandas de um Chuck Norris virtual, que me usa para dizer algo.

O que o sr. faz para viver? perguntou o inoportuno. Coleciono pomos de Adão, respondeu Chuck Norris

Chegou tarde, disse o investigador apontando para os corpos. Pena, disse Chuck Norris. Estava precisando chutar uns rabos

Ninguém porta arma enquanto estiver na cidade, disse o xerife para Chuck Norris. Posso colocar sua cabeça no coldre, foi a resposta

Foi-se o tempo em que as pessoas tinham medo da ameaça nuclear. Hoje o pânico maior é quando Chuck Norris pega um taco de beisebol

Ouviste falar em educação? disse alguém depois de levar um esbarrão de Chuck Norris. Ouviste falar em baço? foi a resposta


RETORNO - 1. Para compensar tamanhas barbaridades, um verso que fiz e pesquei na pesquisa dos meus tuits sobre Jack e Chuck: Moro numa lua remota, fora da rota, onde não passa mais o ônibus espacial das mil horas. Lá cultivo abrolhos, lívidos lírios, rochas. 2. Imagem desta edição: tirei daqui.