19 de janeiro de 2010

CONTEÚDO


Nei Duclós (*)

Há uma febre de conteúdo. É mania nova, já que, antes dela, a palavra estava confinada à água de um copo. Era ensinado na escola: o copo era o continente. É um paradoxo, pois a internet praticamente não tem forma e o conteúdo vaza por todos os lados, não há continente que agüente. É que o uso de determinados termos define a identidade de um trecho de tempo, às vezes de uma época inteira. No futuro, esse início de século será conhecido como a Década do Conteúdo.


Sugere organização, racionalidade, bem ao contrário dos Loucos Anos 1920 ou 1960, ou da Grande Depressão, ou da Guerra Fria. Estudantes de 2050 se debruçarão sobre nós para confirmar o quanto nos esforçamos para gerar e gerenciar a infinidade de dados que tomou conta de vidas privadas e coletivas. Será uma curiosidade, pois descobrirão que tudo não passava de novidade, já que, por vocação, sabemos quase nada e pouco avançamos em qualquer ramo do conhecimento. Isso não vai mudar, senão teríamos abandonado a leitura dos clássicos.

Haverá também o espanto diante da nossa atual necessidade de fazer tabula rasa de tudo, demonstrando, por assustadores protótipos de invenções cada vez mais ousadas, o surto radical de transformações a que, aparentemente, estamos sendo submetidos, como computadores com a estrutura e o tamanho de um pingo de chuva, cabines de teletransporte para evitar enchentes e livros que ao serem publicados já chegam lidos. Quando os jovens do futuro souberem que embarcamos nessa canoa furada, poderão rir, já que fatalmente continuarão pegando trem para ir à aula.

Vamos um dia perder essa síndrome de ultrapassagens, esse pânico diante do passado, essa vontade de sair da casca que nos gerou. Não nos importaremos mais em sermos chamados de antigos, nem vamos nos esforçar para provar que a juventude é um estado de espírito. Teremos então nos livrado da onda terrível que varre o mapa desde o momento em que descobriram o quanto poderiam lucrar se as pessoas tentassem manter as aparências, enquanto a natureza seguia seu rumo.

Também, espero, nos livraremos da postura compreensiva dos que fingem se preocupar com os mais velhos. Idade deixará de ser virtude e isso sim será um avanço real de conteúdo.

RETORNO - 1.(*) Crônica publicada nesta terça-feira, dia 19 de janeiro de 2010, no caderno Variedades, do Diário Catarinense. 2. Imagem desta edição: tirei daqui.

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