6 de janeiro de 2010

A VIAGEM DE UMA GERAÇÃO


O lançamento do meu livro Outubro em 1976 foi destaque na imprensa de Porto Alegre. Abaixo,reproduzo uma das matérias sobre o evento (Folha da Manhã, 10 de março de 1976, uma quarta-feira):

"Outubro, primeiro livro de poesias de Nei Duclós, será lançado hoje à noite, na Faculdade de Arquitetura. Às 20h, junto com o lançamento, Cláudio Levitan, Carlinhos Hartlieb, Tuca e Chaminé estarão apresentando alguns poemas do livro, musicados. Outubro (o poema) é a Origem, a criação de que o autor mais gostou, e que, com o tempo, se transformou num tema. Que ele afirma não ser individual, mas das pessoas que o cercam. Dividido em sete partes (que vão da luz, aos amigos, dor, infância, amor e bom humor), o livro de Nei é um relatório de viagem: "da viagem que eu, toda minha geração fizemos. Na estrada e dentro de nós".

Outubro, título, nasceu da busca de uma linguagem para o livro. Uma linguagem que, para Nei, está cheia de problemas: "está se abusando dela, ela é falsa, de mentira, ou instrumento de poder, de separação entre as pessoas, ou então de repressão do pensamento". Outubro é o resultado da razão de ser da poesia — explodir com todos os esquemas repressores-reprimidos da linguagem; a busca da palavra com o poder mágico, que desencadeia todas as outras coisas.

"Trago a nova: eu mudo lento, e é tudo. Sinto ser assim por estações: aos turnos. Posso voltar ao ponto de partida mas luto. Sei que vem outubro. Flores, frutos de seiva romperão no mundo (Trabalho duro: sugar de pedras, rasgar os caules, colher ar puro) Lento e bruto eu mudo/ Sei que vem outubro". O livro de Nei Duclós não tem prefácio e sua apresentação é de Cláudio Levitan, a quem o autor credita a realização da obra. "Ele tem amor pelos meus poemas, esta vibração que me ajuda. Sem ele o livro não sairia". .
Para Nei; todo o processo de elaboração do livro foi "um transação muito bonita. Eu, Levitan, Juarez Fonseca, minha mulher Ida, que me ajudou muito, principalmente no início, nos juntamos. Depois houve uma reestruturação por sugestão do Caio Fernando Abreu. Tudo coincidiu, nada foi combinado. Até a diagramação do Juarez saiu sem ele saber das ilustrações e tudo saiu claro, redondo, bonito".

A idéia original de Outubro seria fazer um ciclo, onde as coisas aparentemente se repetissem, "como uma espiral, que volta ao mesmo ponto de partida, mas sempre mais alto". Veio a idéia de fazer por estações: inverno seria a dor. Outono, o recolhimento. Verão, o amor. Mas depois o livro exigiu uma estrutura mais complexa e ficou dividido em sete partes, terminando "com bom humor, rindo, que é a melhor maneira de se chegar de uma viagem, assoviando, mostrando que nem tudo está perdido". A poesia é algo essencial na vida deste autor gaúcho de 28 anos, natural de Uruguaia na. Mas, mais do que isso, ele quer "escrever, escrever, escrever".

Para ele foi o mar quem desencadeou o processo: nascido na fronteira, longe do mar, foi levado a conhecê-lo aos nove a nos e não esqueceu a imagem que teve, das dunas. A partir daí começou a fazer poemas sem parar — "foi um acontecimento" — e este mar, ele lembra em "Mar dos Nove Anos, incluída no livro: "O mar na minha infância como um trem no sonho de um louco um disco voador na porta dos fundos, como o fim do mundo com ondas voltando de viagem". Poesia, então, passou a ser uma maneira de participar da vida coletiva, de ajudar as pessoas e o mundo a viajar, ou viajar com o mundo. "Uma maneira de lidar com a magia, minha alquimia particular-".

"Rindo é a melhor maneira de se chegar de uma viagem".

Mas isto não quer dizer que escrever poesias seja algo compulsório: "Passo meses sem escrever, como quando estava em Vitória, fiquei um ano sem fazer nada, sem forçar nada”. Poesia, para Nei, não pede virar obsessão. E lembra Mário Quintana, ao perguntar que "pais' é esse, onde “mãe é palavrão e poeta é apelido". De Mário ele também fala em Outubro: "Olhem o antipoda olhem o animal da palavra. É um dinossauro na cidade de vidro, borboleta branca na floresta queimada".

Nei Duclós tem suas razões para "esquecer" as poesias por algum tempo. Lembra que entre 69 e 71 o apelo aos poetas era grande, a produção era grande, e todo mundo se sobrecarregou. Foi em 69 que ele participou dos poemas na praça expondo durante um mês, e muitas vezes levando uma novidade, pelo gosto bom de apresentar na hora as coisas feitas recentemente.

Jornalista, trabalhou em Porto Alegre, Blumenau, São Paulo, Florianópolis, Vitória. Em 69, além dos poemas na praça, participou de Tombam os Primeiros Homens dos Trigais, com Celso Viola e Maria Scopel, de poesia e contos, mimeografado, com 100 exemplares. Depois participou de Eu Digo, também de poesia e conto (de onde tirou alguns para Outubro) e mais tarde de Há Margem, além de ter escrito também nos jornais.

Foi a partir da idéia de publicar Outubro que ele passou a se organizar e o segundo livro, ainda não sabe se será uma ampliação do primeiro ou diferente. Quer é escrever sempre, poemas, contos, crônicas, embora "poesia seja mais tranqüila, a gente pode escrever até caminhando”. Considera Maiakovski estimulante e Garcia Lorca, de uma musicalidade incrível, que atingiu o vôo mais alto na poesia. De seus poemas lembra Outubro, Tornei - me Passos, Carta ao Amigo e Lição de Travessia, até agora o único para Uruguaiana, cidade que ele carrega com muito carinho.

RETORNO – Imagem desta edição: um dos magistrais desenhos de Cláudio Levitan para um poema de Outubro: O universo partiu-se na cabeça/ ceguei-me em sangue de estrelas/ e molhei o travesseiro onde guardava segredos/ A vida é um passo além do extremo.

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