16 de fevereiro de 2010

HISTÓRIA E SUOR


Nei Duclós (*)

Entre a História oficial dos livros escolares e as narrativas de ex-combatentes nos serões da minha casa sobre as revoluções brasileiras, cevei por longo tempo uma olímpica indiferença em relação ao passado. Chegar aos 20 anos de idade no fim da década de 1960 só contribuiu para manter essa postura. Imaginava que era perda de tempo ficar debruçado sobre coisas antigas enquanto o mundo explodia em novidades ao redor.

Esse equívoco me fez perder várias oportunidades. Uma delas foi não entrevistar como se deve meu tio sargento, paramédico de campanha, que participou das guerras de 1924, 1930 e 1932. Quando comecei a perseguir o assunto, depois da terceira década de vida, já era tarde. Minhas testemunhas começaram a ir embora, entre elas meu pai, jovem de 18 anos na revolução que derrubou a República Velha. Outra chance perdida foi não ter paciência para ouvir as histórias de Samuel Wainer, o fundador da lendária Última Hora, com quem trabalhei em 1977 no seu semanário Aqui, São Paulo.

“O que é isso, meu filho?” dizia Samuel, recém vindo do exílio. “Não queres ouvir História do Brasil ao vivo?” Até que me interessava, mas eu tinha outros compromissos. Mal sabia que o foco estava ali, naquele personagem envelhecido, que com pouco mais de 60 anos parecia ter 80. Entre suas lembranças estava a campanha de Getúlio Vargas nas eleições de 1950 no Nordeste, em que a comitiva do candidato se viu diante de “cenas de Portinari” da população miserável.

Mas esses depoimentos foram reunidos em inúmeras fitas K7, mais tarde editadas pelo texto impecável do jornalista Augusto Nunes no livro de memórias “Minha razão de viver”. Agora leio sobre a revista Diretrizes, fundada por Samuel Wainer em 1938 e que sobreviveu até 1944 ao se desentender com o Departamento de Imprensa e Propaganda – órgão oficial do Estado Novo que tinha em seus quadros, por um tempo, a presença da escritora Clarice Lispector.

Os acontecimentos e pessoas que nos antecederam exercem uma profunda atração, mas isso demanda trabalho, fôlego, espírito livre. Talvez, na minha juventude, o excesso de convicções não permitia a diversidade de pontos de vista exigida na árdua pesquisa. A indiferença nasce dessa defasagem entre o suor da necessária concentração e a ilusão passageira do eterno presente.

RETORNO - 1. Imagem desta edição: mudei para esta foto, em que aparecem Clarice Lispector, seu marido Maury Gurgel Valente, Apolonio de Carvalho, Samuel Wainer e Daniel, cunhado de Apolonio. Paris, 1946. Fonte: Acervo pessoal de Pinky Wainer 2. Crônica publicada nesta terça-feira, dia 16 de fevereiro de 2010, no caderno Variedades, do Diário Catarinense.

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