1 de março de 2010

FILME DE AMOR É AMOR AO FILME


O grande caso de amor numa comédia romântica é entre o filme e o espectador. Há uma fidelidade ao gênero que faria inveja aos amantes. De onde vem essa paixão? Da fé no destino ou na predestinação, que se consuma depois que seu oposto (a separação, a impossibilidade da relação) parece ter vencido. Contrariando a lógica dos acontecimentos, o insight final dele ou dela joga um nos braços do outro, de maneira irresistível. Trair esse princípio, como faz “500 dias com ela”, de Marc Webb (2009) significa matar o amor arduamente cultivado ao longo do roteiro.

Webb quis inovar, desmascarar o esquema e colocou o acaso acima do destino. Não cola. Todo acaso é predestinação. Isso é sabido não só pelos que amam, mas em geral pelos que enxergam. Chegar dez minutos depois não significa que você jamais encontraria seu par, mas sim que essa não era a sua chance. Esse erro ótico leva o diretor a investir emoção, frustração, amor, esperança, decepção, ruína numa relação que acaba de repente, graças a um coadjuvante obscuro que nem aparece, o rival que põe tudo a perder. Isso não se faz.

Os dois atores principais, Joseph Gordon-Levitt e Zooey Deschanel, são bons e conseguem transmitir o encanto de uma relação que começa timidamente e chega até a engrenar, mas não se consuma como deveria. Essa é uma das crueldades do filme, pois os espectadores se apaixonam também pelo casal e torcem para que fiquem juntos no final, quando a lágrima é inevitável. Jogar Joseph e Zooey, maravilhosos em sua juventude, amarrados por uma alegria de estar juntos que se esparrama pela tela, numa enrascada sem solução, é uma coisa que deveria ser proibida. Ou então nos avisem: ei, eles se amam, ou pelo menos o cara se apaixona, mas a moça casa com outro! Pronto, contei o final. É a minha vingança.

Ficamos assim torcendo pelo rapaz, quase menino, que acredita no destino. Mas aos poucos vemos que seu objeto de desejo não passa de uma vigarista emocional, pois evita se envolver de maneira definitiva com o apaixonado (a quem trata de amigo, apesar de tudo o que rola entre eles) para cair na mais batida cantada do mundo, a do cara que se aproxima e comenta o livro que ela estava lendo (no caso, O retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde). A moça, Summer, acaba convencendo o menino que ele não dava mesmo no couro, já que se entrega para outro que lhe presenteia com um anel de diamantes e casa com ela. Mas eis que vem outro caso, Autumn, entenderam a sutileza (Outono depois do Verão, pois não?)? Haja.

Como se as chances cíclicas existissem no encontro da alma gêmea, aquela que era próxima e ficou distante e que quando é perdida exige um esforço acima dos limites para ser recuperada. A magnífica comédia romântica Forget Paris (1995), com Billy Cristal (também diretor) e Debra Winger quase nos convenceu de que o amor impossível não teria solução. Mas estávamos, felizmente, enganados. O árbitro de basquete e a musa que escapa por entre os dedos em vários lances desesperadores são enredados na teia da narrativa que aos poucos resgata o desfecho que todos aguardam.

Mas isso era no tempo em que havia honestidade no cinema. Hoje, o sujeito te enreda com uma história de conquista e paixão e joga a mulher amada nos braços de um fantasma. Trata-se de uma traição, da pior espécie, daquelas que acabam destruindo a fé no filme romântico. Mas a sorte é que os espectadores acreditam no gênero e se apaixonam pelos filmes. O cinema é o grande amor de nossas vidas e se algum diretor pisa na bola é porque desconhece o básico.

Ninguém escapa do seu destino nem deixa de acreditar que o sentimento é soberano e ele sempre tem razão.

RETORNO - Imagem de hoje: Joseph Gordon-Levitt e Zooey Deschanel numa comédia romântica que trai a relação profunda entre o espectador e o filme.

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