16 de abril de 2010

SAGARANA CONTRA A SERVIDÃO INTELECTUAL


Quando publico aqui a grande novidade do trimestre – mais uma edição da melhor revista cultural do Mundo, a Sagarana – dou sempre a palavra ao seu idealizador, editor e diretor Julio Monteiro Martins, o mais importante escritor em atividade no Exterior. Primeiro, a carta em que ele anuncia a edição número 39. Depois um trecho, seguido do link, do seu editorial contra a servidão intelectual na Itália, um exemplo que serve para todos nós. E, terceiro, meu poema Ainda o Haiti, que foi traduzido para o italiano por Julio, seguido da sua versão original em português.

Sagarana, sempre um acontecimento que merece leitura e repercussão.

ATRAÇÕES DA EDIÇÃO NÚMERO 39

"Caros amigos e amigas,
É com satisfação que anunciamos a presença on-line, a partir de hoje, do n° 39 da revista Sagarana, em língua italiana, no endereço telemático www.sagarana.net .

Esta edição apresenta apresenta uma entrevista inédita da grande escritora indiana Arundhati Roy, feita por Amy Goodman, "Persone preparate a resistere", e em ensaio do intelectual da realidade contemporânea Chris Hedges, "Ribelli, all'appello!", um artigo de Eduardo Galeano sobre o Haiti, um texto de Jacqueline Risset e um outro de George L. Mosse, além do Editorial de Julio Monteiro Martins sobre a polêmica questão dos escritores italianos que publicam pelas editoras que pertencem à família Berlusconi, "Una resa a cinque stelle".

Em Narrativa são presentes uma tradução inédita de um trecho de um romance de Ana Maria Machado e de um de Rubem Fonseca, trechos da obra de Thomas Mann, Luigi Meneghello, Erri De Luca e Christopher Isherwood, além de textos inéditos de autores contemporâneos como Daniel Galera, Gabriel Wolfson e Tullio Bugari.

Em Poesia, as "Quartine erotiche" inéditas de Assunta Finiguerra, novas traduções de Jotamario Arbeláez, Francisco Ruiz Udiel e Nei Duclós, além das de poesias de Ingeborg Bachmann, de Alda Merini e de Mario Benedetti. E estão presentes também os contos e as poesias de autores novíssimos na seção Vento Nuovo.

Neste mesmo endereço telemático poderão encontrar a seção Il Direttore atualizada, com os contos inéditos Cinque racconti brevissimi, de Monteiro Martins, e na seção Scuola todas as informações sobre os projetos da Scuola Sagarana para o 2010/2011, em Pistóia, na Itália. Ademais, na seção Archivi, estão disponíveis para leitura todos os números anteriores da revista e todas as "Lavagne del Sabato" publicadas até hoje em Sagarana.

Esperamos que os os ensaios, os contos, as poesias e os trechos de romances selezionados possam oferecer-lhes muitas horas de agradável leitura.

Cordialmente,

A Redação de Sagarana."

EDITORIAL: UMA RENDIÇÃO DE CINCO ESTRELAS


"Aqui está a pergunta inevitável, a mais incômoda nestes nossos dias, para os produtores de arte e de cultura italiana: Pode um escritor comprometido com uma visão progressista de seu país e no futuro publicar seus livros por uma editora que pertence e é dirigida pela família Berlusconi, como é o caso da Mondadori e suas "irmãs"? Minha experiência com essas "relações perigosas" me faz pensar que não, não é possível. E querer justificar este argumento é tentar forçosamente a quadratura do círculo.

Você pode imaginar que Pablo Neruda que publica por uma editora dirigida por Pinochet? Ou Che Guevara, a publicar os seus ensaios políticos em uma revista patrocinada pela CIA? Ou Pasolini pedindo a Licio Gelli, o chefe da loja maçônica P2, um adiantamento para financiar a produção de um sue filme? Difícil de imaginar… Mas na confusão e no conflito entre a coerência ideológica (totalmente ausente, no caso) e a vontade de ter grande visibilidade editorial e na mídia, muitos escritores e diretores, que hoje se apresentam publicamente como de "esquerda", aceitam este o pacto com o diabo.


Ou seja aceitam ser financiados e distribuídos pela Medusa Film, ou pela Mediaset, de Berlusconi ambos, ou publicado depois do seu "Visto. Autorizo a impressão" nas editoras das quais ele detém o controle acionário, o poder do capital que é a marca da sua ditadura, e que, eventualmente, é o poder decisivo no sistema onde estamos atolados aqui, uma ditadura agravada ainda mais nos tempos recentes pelos novos modelos de convivência espúria entre cultura, política e negócios."

Segue o editorial neste link.


L'HAITI ANCORA

Nei Duclós

L’Haiti ancora respira
Nella fossa comune dell’esplosione della roccia
Nell’urlo finale di braccia e di gambe
Nel sordo legame tomba/caverna
Nella coda affamata di una nuova guerra

L’Haiti ancora spera
Nelle strade cosparse di erbacce
Nella lotta senza tregua tra bandiere
Nella miliardaria industria della miseria
Nella mano bugiarda del mondo sterile

L’Haiti ancora coopera
Scomparendo anonima attraverso la brutale preghiera
Spreco di ovulo e di sperma
Funerale di dolore in campo aperto
Compiuta espressione della cancrena

L’Haiti ancora accenna
Come un segno dopo la tormenta
Come un porto sommerso di candido fazzoletto
Annegato nel tunnel della memoria zero
Segue in pianto i dannati della terra

L’Haiti ancora fatica
Piccione viaggiatore che migrò senza le ali
Bussola a girare sull’amaro scafo
Poema ferito nella corte dei naufraghi
Tra amici inutili come un deserto

(Traduzione dal Portoghese di Julio Monteiro Martins)


In lingua originale:

AINDA O HAITI

Nei Duclós


Haiti ainda respira
Na vala comum do estouro de pedra
No grito terminal de braços e pernas
Na ligação surda do túmulo/caverna
Na fila faminta de uma nova guerra

Haiti ainda espera
Nas ruas plantadas de daninha erva
Na briga entre bandeiras sem trégua
Na milionária indústria da miséria
Na mão mentirosa do mundo estéril

Haiti ainda coopera
Sumindo anônimo pela bruta reza
Desperdício de óvulo e de esperma
Funeral de dor em campo aberto
Expressão completa da gangrena

Haiti ainda acena
Como um sinal depois da tormenta
Como porto submerso de pálido lenço
Afogado no túnel da memória zero
Trilha de choro dos perdidos da terra

Haiti ainda emperra
Pombo correio que migrou sem asas
Bússola em rodízio no convés amargo
Poema ferido na corte de náufragos
Entre amigos inúteis como o deserto

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