10 de junho de 2010

ÁFRICA, ADEUS


O que emociona na África do Sul é a luta pela formação da nacionalidade, expressa nas manifestações do povo nas ruas e nas figuras do bispo Tutu e Mandela. Os cantos que estimularam e ilustram essa saga são como os blues americanos, a ação em busca da sobrevivência e da superação. Pena que no lugar deles o show de apresentação da Copa destacou o rapismo pop global e a celebração fake de uma África que não existe mais. O que há não é a hegemonia de etnias, mas a convivência entre os aparentemente desiguais, os que não podem mais se dividir pela aparência, já que compartilham a mesma essência. Não é nem a evocação da ancestralidade, mas a explícita apresentação da modernidade em território outrora mítico.

O título que escolhi para esta edição é o mesmo de um documentário sobre o fim da era colonialista da África, quando as potências européias se retiraram de lá. Mas agora ele significa outra coisa: esta Copa marca o fim da África como a percebíamos, a do Continente uno e indivisível, com um só rosto. O que existem agora são países, com cidadãos de todas as raças e não tribos. O bispo Desmond Tutu disse no seu discurso na inauguração da Copa que somos todos africanos. Simpático e uma quase verdade. Nem ele é “africano” no sentido antigo, mas sim sul-africano. Pertence a um país multiétnico, consolidado depois de longo sofrimento e pelas mãos do seu grande líder Mandela, que tem nesta Copa seu emocionante canto de cisne.

Nos despedimos da África dos safáris, dos elefantes, leões e hipopótamos, das tribos e tarzans, nos despedimos de uma imaginário obsoleto e mergulhamos nesse enigma de países como o da sede da Copa, além da Tanzânia, Zimbabwe, Egito, Gana, Nigéria e tudo o mais. Lá tem negro, mestiço, branco, asiático. O negro predomina e continuará assim, definindo muita coisa, mas não da mesma forma. O que importa agora são as fronteiras e aquilo que emocionou nosso Professor Parreira, quando a multidão saiu às ruas na quarta-feira, dia 9 de junho, para celebrar a Copa: o sentimento de pertença, o orgulho da nacionalidade, insumo principal da sobrevivência de um povo como nação.

Adeus África dos rifles e lanças, dos dentes de sabre, dos marfins e savanas. Ainda sobrevivem as guerras intermináveis, de guerreiros que desrespeitam acordos, mas tudo isso está condenado ao passado. Olá África das grandes avenidas e metrópoles, da misturas de raças e credos, dos automóveis e das cornetas. Adeus África que servia para tudo, para dizer que nossas raízes estão lá, quando nossas raízes estão em outro lugar, na criação das nações em que nos dividimos e nos abrigamos, como tendas de um infinito deserto. Mais do que no fundo do ermo, nascemos dessa mesma luta de construir um país. Adeus olhares formatados apenas em tambores, olá abraço nesse espaço que se mostra ao mundo com toda sua complexidade.

Esse banzo de uma utopia africana não faz mais sentido, pois o que existe é esse monte de gente invadindo sua tela, essa nação também verde e amarela, a África do Sul, que da Africa antiga tem muita coisa, mas é algo novo que nos traz de carona uma percepção fora dos preconceitos e vícios. É com ela que teremos de lidar durante um mês e daqui para frente. África do Sul gelada, barulhenta, urbana. Nós, os brasileiros, com nossos Robinhos e Kakás, Maicons e Gomes, com nosso perfil e forte sentimento de pertença, que desenvolvemos ao logo do tempo para evitar a fragmentação do país continente.

África, adeus. Olá, África do Sul, Tanzânia, Gana, Nigéria. Nações, e não etnias. Culturas e não gens. Comportamentos e não destinos traçados. Aqui, o Brasil, território e convívio, é, como esses países que entram em campo no nosso imaginário, o começo de um outro mundo. Pertencemos a um país e não a um continente. Somos nações e vestimos a camisa para que nos identifiquem. Queremos o mesmo para os palestinos, os curdos, todos os povos que perderam seus países. Queremos que todos tenham esse privilégio e esse direito: fronteiras, paz na diferença.

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