6 de setembro de 2010

HILLARY ENSINA COMO COMEMORAR A INDEPENDÊNCIA


“Desejo que comemorem o 7 de setembro assistindo ao desfile na Esplanada, apreciando o show aéreo nos céus de Brasília ou simplesmente reunindo amigos e parentes", diz Hillary Clinton, secretária de Estado americano, num pronunciamento a propósito da nossa Independência. Lembrando que os americanos foram os primeiros a reconhecer o Brasil como nação soberana, ela destacou valores comuns como “o respeito à democracia, aos direitos civis e às liberdades individuais no país”. Quem estava no cargo de Hillary em 1824 era John K. Adams, que obedecia ao presidente James Monroe, aquele da doutrina “a América para os americanos”. Disso Hillary não fala, claro.

Ao contrário de alguns falsos historiadores “pop” de hoje, tão celebrados, que transformam o passado brasileiro num desfile de carnaval, José Honório Rodrigues conta com seriedade como foi o reconhecimento em sua obra A Política Internacional, um dos cinco volumes de Independência: Revolução e Contra-Revolução (Francisco Alves Editora). Não foi, como diz Hillary, por valores comuns ou outros motivos nobres. Quem decifra a charada é o negociante do Recife, Antonio Gonçalves Cruz, um quadro maçônico da revolução de 1817 de Pernambuco, negociante rico que permaneceu nos Estados Unidos comprando munições e armas de guerra para apoiar a República separatista nordestina.

Com a derrota da insurreição, Cruz, apelidado o Cabugá, foi aproveitado pelo patriarca da Independência, José Bonifácio, para sondar a possibilidade de reconhecimento americano ao Império brasileiro. Pragmático, Cabugá escreveu que os americanos se aproximavam de todas as nações que lhe fossem úteis e que estavam determinados a não permitirem uma recaída monárquica nas Américas, promovida pela Santa Aliança das potencias européias. E que a retomada das ex-colônias espanholas e do Brasil seria encarada como um atentado à soberania dos Estados Unidos.

Por isso o Brasil foi o sexto país latino-americano a ser reconhecido. Essas ações obedeciam mais “a um cego interesse” do que a uma “louvável liberalidade, por estar mais conforme ao caráter geral que tem esta nação”, diz Cabugá. O problema diplomático tido como o mais importante – o fato de o Brasil não ser uma República – foi facilmente contornado numa reunião do secretário Adams com o ministro dos Negócios Estrangeiros do Brasil, José Silvestre Rebelo. Já que o Brasil era Reino desde 1815, não poderia haver interferência dos EUA no sistema de governo proclamado na Independência, pois esse antecedente liberava o Brasil de ser obrigatoriamente republicano, como queria Monroe e sua doutrina anti-monárquica.

O reconhecimento foi feito em maio de 1824, portanto há 186 anos, e não 188, como diz Hillary. Deixou os portugueses no Brasil furiosos, já que eles tinham esperança que o país reatasse com a pátria mãe. O México foi o segundo a dar o aval ao país nascente, em 1825 e a Inglaterra e França só em 1826.

Um detalhe hilário das conversações entre Rabelo e Adams foi a reivindicação americana de ter documentos oficiais que registrassem a nova nação, como a Carta do Império e a Declaração da Independência. “Não sabemos o que acontece no Brasil”, disse Adams. Não sabem porque não querem, replicou Rabelo mais ou menos nesses temos, pois todas as gazetas já deram a notícia. “Nossos correspondentes também o fizeram”, explicou, pacientemente, Adams. “O que falta são documentos oficiais. Pois só assim posso encaminhar o assunto para o presidente Monroe e para o Congresso”. Pediu também que enviassem os textos traduzidos, já que as relações com Portugal eram feitas sempre em francês, pois ninguém nos EUA falava português. Rabelo então fez, de próprio punho, as declarações oficiais para agilizar o processo. Faltava ainda uma Constituição e a promessa brasileira de acabar com o tráfico de escravos. Isso seria resolvido rapidamente, mentiu Rabelo sobre o tráfico.

E foi assim que fomos reconhecidos pelo país de Hillary, que tinha, como continua tendo, grossa cobiça sobre nós. Foi por puro interesse e não por valores. Mas isso já sabemos. O que não pode dizer são meias verdades em público, como se fôssemos um monte de ignorantes e tivéssemos apenas narradores pop em vez de gente séria como José Honório Rodrigues, que estudou o assunto a fundo.

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