28 de setembro de 2010

PODERES MÁGICOS


Nei Duclós (*)

Temos poderes que driblam as leis da física, mas passam desapercebidos. Soube de alguém que conseguia colocar sempre a camiseta pelo lado contrário sem que houvesse explicação para isso. Cansado desse erro primário, treinou sua atenção para definir o lado certo no momento de vestir-se. Tinha ataques de fúria quando via que seu esforço era inútil. Precisava tirar a peça, virá-la de modo certo e aí sim colocar como se deve.

Pode-se argumentar que o sujeito não passa de um distraído, um perdedor, como é moda se referir hoje aos excêntricos. Pessoa vencedora não ser atrapalha em coisas tão óbvias. Esse argumento seria admissível se os poderes mágicos se limitassem apenas à troca da frente pelas costas num toque misterioso. O problema é que a toda hora fazemos milagres, achando que são apenas eventos de rotina. Soube de um paulistano que tinha o dom do teletransporte. Mal colocava o pé na rua e já estava em frente ao micro no emprego. Certo, dirão, ele automatizou tanto o trajeto que acabou perdendo o foco. Seu corpo saberia o caminho.

Não acredito. Acho mesmo que podemos de romper barreiras, tanto com o pensamento quanto com um gesto. Tem aquela do garoto que colocou um pedaço de madeira irregular no bodoque e apenas imaginou acertar num fio estendido muito longe. Cantou a bola antes e acertou, para espanto geral. Energia cinética, neurobiologia, dizem os científicos. Essas coisas fora do comum são tratadas com indiferença. Até hoje definem aquele gol do Ronaldinho Gaúcho, a cem quilômetros de distância, contra a Inglaterra na Copa de 2002, quando a bola fez uma elipse, entrou num espaço quântico e beijou a rede, como obra da sorte. Foi coisa de mágico, só que sem cartola.

Uma vez, construí com a mente uma cidade inteira, enorme, que ficava exatamente ao lado da minha cidade natal. Fiquei pasmo diante daquilo. Dentro do automóvel dos meus pais, eu olhava assombrado ruas, avenidas e casas desconhecidas, tão próximas e por onde eu jamais tinha passado. Ao terceiro grito de “que cidade é esta?”, minha mãe, cansada do filho avoado, que não viu o carro sair do perímetro urbano, pegar a estrada e embicar pelo lado oposto ao que estávamos acostumados, respondeu de maneira contundente:
- Mas é a nossa cidade, seu!

Até hoje não me convenci. Nunca mais vi aquelas cenas de novo.

RETORNO - 1.(*) Crônica publicada nesta terça-feira, dia 28 de setembro de 2010, no caderno Variedades, do Diário Catarinense. 2. Imagem desta edição: obra de Ricky Bols, em destaque no seu magnífico Cucamonga, blog da pesada.

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