10 de outubro de 2010

ROBIN HOOD, DE RIDLEY SCOTT: ANACRONISMO E LEGITIMIDADE


A liberdade de criação ilumina tudo, não apenas os assuntos que aborda, mas principalmente sua própria narrativa. Em Robin Hood (2010), de Ridley Scott, o roteiro e os componentes visuais estão dispostos para que a estrutura e a ação da saga atinjam a essência da arte de contar uma história por meio do cinema. O tema é a origem do mito, do ladrão que se dedica à nobreza do caráter ao tirar dos ricos para distribuir entre os pobres. Mas num gesto de anacronismo (ver o passado com os olhos do presente) o objeto é a base da sociedade democrática, que tenta conquistar na luta contra o inimigo comum o direito de limitar os poderes do rei.

Vale tudo na competência do script, a cargo de um craque, Brian Helgeland, o mesmo de O Menino com Lobos, de Clint Eastwood, Zona Verde, de Paul Greengrass, Los Angeles - Cidade Proibida, de Curtis Hanson, entre outros. Vale imitar O Mais Longo dos Dias ou O Resgate do Soldado Ryan, filmando um desembarque na Normandia em plena Idade Média, com direito a grandes barcos que despejam soldados, como nesses filmes de Segunda Guerra Mundial. Vale transformar as festas da roça numa rave urbana, com direito à animação visigoda dos atuais baticuns. E vale colocar o amor romântico do século 19 alguns séculos antes, desde que os excepcionais Russel Crowe, no papel de Robin Hood, e Cate Blanchet, no de Marion, possam repassar alguma autenticidade no relacionamento entre estranhos, que aprendem a se aproximar no meio da carnificina geral.

E vale, principalmente, para denunciar o massacre de civis no Oriente Médio, na cena em que o futuro proscrito peita o rei Ricardo Coração de Leão (interpretado por Danny Huston) apontando a mortandade de inimigos desarmados como a fonte da ilegitimidade do poder e da traição a um destino que poderia ser de glórias. Tentar fazer do trono uma fonte legitima de poder é a luta desenvolvida no filme, não apenas no front de batalhas cheias de truques armamentistas falsos, mas eficientes, só comparáveis em inventividade com o épico chinês Confucius, de Mei Hu, mas também no exercício da política, a cargo dos amigos William Hurt, no papel do chanceler, e Max Von Sydow (presença marcante, como sempre e, pela idade avançada, emocionante) no do castelão que perdeu o filho na cruzada e está em busca de um herdeiro substituto.

Robin assume uma identidade falsa e se passa como cavaleiro para poder voltar com riquezas e prestígio, mas essa sua artimanha é apenas a casca de uma obra verdadeira, a de recuperar a vida na terra abandonada e de engrossar as fileiras da resistência inglesa, sob as ordens do trono manchado de sangue pelo novo rei John, diante da invasão francesa. Sabemos assim, pela ficção delirante de Scott, algo sobre a disputa da Normandia por duas nações, além das origens do mito. O heroísmo é apenas a metáfora de algo maior, a grandeza de personagens comuns que, pelas circunstâncias, transcendem suas biografias ao se colocarem no miolo do grande drama nacional.

Quem nos dera dispormos dessa liberdade de criação para abordar nosso heroísmo, tão abandonado e sepultado por outro anacronismo, mais nefasto. Pois ao deixarmos de lado o acervo das lutas contra os inimigos da nação, fazemos com que os palhaços do circo histórico, os desconstrutores da auto-estima coletiva, amealhem fortunas contando anedotas como se fossem verdades, sobre o sacrifício de gerações na construção do país. Scott sabe que uma guerra errada no Iraque fere profundamente o sentimento de pertença tanto nos Estados Unidos quanto na Inglaterra. Por isso usa a lenda para dar um recado atual, a de que se deve encarar de frente o erro para não perder o principal que é a unidade da nação, garantia de sobrevivência dos cidadãos.

Ms é tudo só espetáculo!, dirão. Poderia ser, se não fosse Ridley Scott, que jamais brinca em serviço. Ele é um cineasta brilhante e competente. Pode cometer erros, mas sua direção garante normalmente um grande filme. É o caso de Robin Hood. Apaixone-se pela guerreira Marion, que tenta vingar o pai vestindo elmo e armadura. E admire o líder que acabou sendo marginalizado por um rei insano. Lute com o velho cego diante do vilão e engrosse a fileira de arqueiros que brindam os invasores com uma chuva de flechas. Seja espectador da Sétima Arte, seja herói.

RETORNO - Imagem desta edição: Russel e Cate, talento e competência em papéis de personagens que conseguem se superar diante das circunstâncias.


BATE O BUMBO: SAGARANA, 10 ANOS!


Caro amigo Nei Duclós,

É com satisfação que anunciamos a presença on-line, a partir de hoje, do n° 41 da revista Sagarana, em língua italiana, no endereço telemático www.sagarana.net .

Esta é a edição especial do décimo aniversário da nossa revista. Este número, dedicado a Jorge Amado, que faleceu há exatamente dez anos, traz vários artigos sobre ele e sobre a sua obra, a sua última entrevista, trechos dos seus romances e um texto seu sobre a guerra que era um dos raros textos ainda inéditos na Itália.

O Editoriale desta edição é também especial, composto de uma introdução do Diretor e de perguntas e respostas formuladas pelos escritores, críticos e tradutores que colaboraram com Sagarana nestes anos.

Na seção Saggi temos uma seleção muito ampla, com textos de Miguel de Loyola, Pier Paolo Pasolini, Arthur Rimbaud, André Breton, Yvon Quiniou, Alberto Chicayban, Jean Daniel, Jan T. Gross, Gesualdo Bufalino e entrevistas com Sidney Possuelo sobre a Amazônia e os índios hoje, e con Alberto Manguel sobre a profundidade e a superficialidade da literatura contemporânea.

Em Narrativa são presentes, além dos trechos dos romances de Amado, outros de Conrad, Irfan Orga, Philippe, Saramago, Gide, Schnitzler e Bradbury, além da apresentação de um personagem de Pepetela, Carmina, e contos inéditos de Laura Moniz, de Monica Dini e de Gabriel Wolfson.

Em Poesia, "Per il mio amore, che ritorna da sua moglie”, de Anne Sexton, um livro inédito do poeta bosníaco Pavle Stanisic’, “I confini della poesia”, e também Alda Merini, Warsan Shire, Xavier Villaurrutia e Barbara Pumhösel.

E estão presentes os contos e as poesias de autores novíssimos na seção Vento Nuovo.

Neste mesmo endereço telemático você encontrará a seção Il Direttore atualizada, com o conto inédito Orfani, de Monteiro Martins, e na seção Scuola todas as informações sobre os projetos da Scuola Sagarana para o 2010/2011, em Pistóia e em Lucca, na Itália. Ademais, na seção Archivi, estão disponíveis para leitura todos os números anteriores da revista e todas as "Lavagne del Sabato" publicadas até hoje em Sagarana.

Esperamos que os ensaios, os contos, as poesias e os trechos de romances selecionados possam oferecer-lhe muitas horas de agradável leitura.

Cordialmente, Julio Cesar Monteiro Martins”

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