23 de março de 2011

INSIDE JOB: CRIMES DO ABUSO DE CONFIANÇA


Nei Duclós

O primeiro crime revelado pelo documentário Inside Job, de Charles Ferguson e Audrey Marrs , que ganhou o Oscar da categoria neste ano, é a tradução brasileira: no lugar de Abuso de Confiança, que é a versão correta, foi escolhido o literal Trabalho Interno, o que não faz nenhum sentido. É o mesmo do que traduzir Best man (padrinho), para “melhor homem”, como já aconteceu. O filme mostra como os executivos de Wall Street incentivaram os clientes a jogar uma grana preta, entre 2001 e 2007, em investimentos que eles mesmos cuidaram de destruir, para assim poder lucrar. Abusaram da confiança dos investidores e saíram com as burras cheias de dinheiro e o que é pior: seus principais criminosos foram empossados por Obama, que tinha sido eleito criticando a sacanagem da pirataria financeira internacional.


O truque deu certo e ficou impune, pois o governo americano pegou trilhões do dinheiro público para sanear o mercado, sem ter impedido que uma parte leonina dessa bufunfa fosse parar nas mãos dos responsáveis pela crise de 2008. Nomes, depoimentos, detalhes, dados, gráficos, montantes esclarecedores, em minúcias são mostrados didaticamente no filme, que não deixa dúvidas sobre o gigantesco crime que sucateou a economia mundial e gerou milhões de desempregados. E faz um balanço de como isso aconteceu, como foi gerado a partir da desregulamentação da economia e seu entorno, ou seja, as justificativas, a cargo dos lobbies, dos advogados, dos acadêmicos, que também ganharam seus dividendos e ficaram todos milionários.

“Não era lucro nem renda real, apenas dinheiro criado pelo sistema e contabilizado como receita. Em 3 anos, tudo sumiu“, diz Martin Wolf, do Financial Times, num dos vários depoimentos avassaladores mostrados no documentário. Ao escolher a Islândia como o exemplo de como um país seguro financeiramente foi destruído pelo artificialismo do esquema, o filme contrapõe o excesso ao bom senso. Banquinhos provincianos da Islândia foram inflados até fora dos limites da irresponsabilidade e quebraram o país, que pela primeira vez teve desemprego em massa, entre outras conseqüências nefastas. Islândia era uma espécie de paraíso do capitalismo ético weberiano, regulado e voltado para o bem estar social, como queria o calvinismo nas origens do sistema fundado no capital.

A partir desse exemplo, o filme parte para a radiografia pesada dos Estados Unidos, pois é disso que se trata (o resto do mundo é só um apêndice, conseqüência do que se passa no coração do Império). Os americanos jamais traem sua cultura, como costumo dizer em minhas resenhas e ensaios sobre cinema. Este não foge à regra. Narrado pelo ator Matt Damon, que participou de alguns filmes da reação anti-Bush, como Zona Verde, a saga faz um mea culpa gigantesco dos rapazes bem nascidos e bem formados que acumulam todo o lucro da especulação, o 1% da população que leva tudo e deixa multidões na mão.

Ninguém se importa, ninguém tomou providências, apesar de tantas instituições reguladoras, que no fim colaboraram com a fraude. O que o filme mostra do esquema acadêmico é assustador: os artigos de especialistas que influíam em políticas públicas favoráveis à desregulamentação total e das megafusões, era regiamente pagos. Os vasos comunicantes entre cargos públicos estratégicos e decisivos para a política econômica e as funções exercidas nos grandes conglomerados, como bancos de investimentos, mostram que tudo não passa de uma quadrilha apoiada de todos os lados para meter a mão na poupança alheia.

Quando engenheiros usaram seus conhecimentos para criar produtos financeiros on line e de alta tecnologia digital agregada, inventando os caminhos para CDOs, derivativos e outras baboseiras que nos jogam na cara como se fossem próprios de divindades inacessíveis ao leigo, o mercado explodiu no que chamam bolha e eu chamo de mercado mesmo. Porque a bolha é o normal dessa maré alta do capitalismo predatório, que descobriu o ovo de Colombo: basta expropriar o mundo sem fazer força por meio de um sistema infalível de carreamento de recursos para os bolsos dos espertalhões. E estamos falando de bônus de muitos bilhões de dólares. Uma corrupção que envolve drogas pesadas,prostituição, entre outras barbaridades. Provectas instituições financeiras lavando dinheiro de ditaduras e de cartéis mexicanos são apenas detalhes do que é mostrado.

Esse é o mundo que Obama criticou e acabou favorecendo, pois não há como escapar da safardagem. Com esse sistema é possível manter no jugo os países, seja qual for o governo que houver neles. É o que fazem conosco. Pagamos regiamente os bandidos especuladores com o suor da nação. E aqui a conversa fiada é a mesma. O governo trabalha com créditos podres para a população. Assim pode manter o continuísmo no poder. Agora todo mundo vai pagar a conta. A farra sempre dá com os burros na água. Até a crise seguinte.

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