6 de abril de 2011

A GRANA E A TERRA


De que maneira a indústria do espetáculo anexa o homossexualismo como protagonista (e não mais como tema periférico e anedótico) ao circuito do cinema comercial? A resposta é The Kids Are All Wright, Os Filhos Estão Bem, ou Estão no Rumo Certo (o título oficial no Brasil é "Minhas Mães e Meu Pai", que explora exatamente o que o filme condena, tratar a situação como se fosse bizarra). Esse é o objetivo do filme, dirigido por Lisa Cholodenko: mostrar que um casal gay de duas mulheres pode muito bem criar um casal de filhos “normais”, ou seja, hetero e bem encaminhado para a faculdade. Está garantida a linhagem do império, a opção não ameaça a sobrevivência. Ou: tanto faz, os filhos podem ser gays ou não, o importante é que estão bem criados.

O que pega no relacionamento são os vínculos econômicos. A chefe da família é Nicole (Annete Benning, indicada para o Oscar), médica bem sucedida e que provê uma vida de classe média alta para a família; e a “mulherzinha” é Jules (Juliane Moore, sempre um arraso de interpretação), desviada de suas atividades profissionais para virar dona de casa. Fazem sexo inspiradas no cinema pornô com atores masculinos e não se excitam com mulheres na tela porque normalmente são heteros que fingem ser gays (exatamente o que acontece no filme, já que Annete e Julianne não são do ramo que interpretam). É o cinema oficial incorporando o cinema marginal como coadjuvante, como se faz com todo o boom de imagens digitais que assolam o mundo: a Sétima Arte do grande circuito comercial a tudo devora com seus bilhões.

Ambas se defrontam, por obra dos filhos que foram buscá-lo, com o doador de esperma Paul (Mark Ruffalo, também indicado para o Oscar). Elas são intelectuais, e, por força da chefe da família, ligadas ao grande mundo das roupas de griffe, casas espaçosas, restaurantes finos, escolas caras e outros luxos. Ele trabalha com a terra, ascendeu economicamente com a moda natureba depois de ter abandonado a faculdade (que acha inútil, para escândalo das mulheres), tanto é que tem não apenas um comércio de plantas como também um restaurante natural. O sexo das duas, feito de sutileza e imaginação (apesar da alta dose de crueza que permeia todas as cenas eróticas), se contrapõe ao sexo bruto protagonizado pelo homem, em cenas de arrasa quarteirão heterossexual.

É o clamor da terra se opondo à superestrutura da classe social, a tradição diante de sua ruptura. O cheiro da terra excita a amante negra e a “esposa” gay busca na jardinagem a saída para sua situação psicológica miserável. A luta de classes se manifesta não apenas pelo pouco caso à ignorância do homem, mas quando uma das mulheres é flagrada transando na hora do trabalho pelo subalterno hispânico. O empregado é demitido por ter estampado um sorriso de deboche. Jules sente culpa, mas não o readmite. Essa defasagem entre mundos economicamente à parte e com formações opostas (fonte dos preconceitos) é colocada de maneira natural no filme, já que faz parte da vida americana.

Quem usufrui da situação de privilégio são os filhos, que procuram suas origens e estão cheios de dúvidas em relação à vida adulta. Joni (Mia Wasikowska , que fez Alice in Wonderland), procura desengessar fisicamente beijando o melhor amigo, numa iniciativa frustrada. O rapaz, Laser (Josh Hutcherson), que o pai biológico por engano chama de Laze (preguiçoso) tem uma relação suspeita com um fortão da sua idade que o introduz na cocaína. Mas Laser é hetero e acaba aconselhando as mães a não romperem o longo casamento, já que estão muito velhas (uma franqueza adolescente que arranca risos das duas).

Trata-se de uma relação antiga, que deitou raízes na sociedade e que por isso merece ser tratada como qualquer outra, desde que se coloquem os parâmetros que a contestam (para atrair as multidões ainda com reservas) ou a confirmam (para se sintonizar com as multidões que fizeram a mesma opção). O homem, que vendeu esperma por uma micharia e acabou não fazendo família, tenta tirar em vão o atraso. O casal gay, depois da crise de relacionamento (e como se discute relação neste filme escrito e dirigido por mulher!) acaba mais firme do que nunca.

O filme se saiu bem. Além das indicações para o Oscar mantem a escrita de drama familiar comum no cinema americano. Um grande contingente social foi adotado pelo império e será considerado normal desde que não tente se transformar em obrigatório, achar que o armário não está o vazio o suficiente.

Nenhum comentário:

Postar um comentário