9 de abril de 2011

O ATIRADOR NO CAMPO DE CENTEIO


O livro de JD Salinger, O Apanhador no Campo de Centeio, favorito entre matadores, é um monólogo do adolescente Holden Caulfield, de 16 anos, que sai da escola depois que soube da sua iminente expulsão. Seu ódio e falta de paciência contra o mundo adulto, a qual pertence sem ser incluído nele, tornaram-se clássicos do comportamento na sociedade de massas (reações extensivas a todas as idades). O livro foi encontrado em alguns matadores, entre eles, no caso mais famoso, no de Mark Chapman, o chacinador de John Lennon. Claro que a literatura não é a fonte do distúrbio, apenas o revela.

O atirador do Realengo, Wellington Menezes de Oliveira, de 23 anos, não saiu da escola, era um aluno razoável, segundo os professores, mas voltou a ela para matar. A partir do personagem do livro, foi criada uma indústria da compreensão e apoio. Para o chacinador, nenhum perdão, obviamente. Entre as duas pontas do novelo, o adolescente problemático à beira do suicídio e o ex-adolescente que atira covardemente sobre alunos em sala de aula, numa missão também suicida, desenrola-se o drama principal do mundo: o que fazer ou vai acontecer com os milhões de pessoas criadas neste ambiente terminal que é a ditadura internacional da indústria financeira geradora de exclusão, miséria e ilusões sem limites?

Claro que existe a responsabilidade pessoal dos assassinos. Nem que tudo é culpa da realidade externa a ele. Mas não há dúvida que o esforço oficial de destruir o sistema de ensino, desabitar os espíritos com tudo que é tralha anti-cultural, fechar as portas do trabalho para multidões emergentes e cheias de gás, deixar medrar uma riqueza incomensurável à sombra do tráfico e consumo de drogas só ajuda, ou não? Sem falar nas fábricas de armas e munições, que jamais aparecem no noticiário, ficam à sombra dos fatos como se nada tivessem a ver com isso. Também não se fala nos treinadores profissionais de assassinos, os que instrumentam os loucos com suas ferramentas perigosas.

Diante de uma tragédia como esta, que zipou num só evento o que está disperso no Brasil, terra de assassinatos variados de crianças e adolescentes, a análise fria, o comentário, o choro, a palavra de especialistas, as materinhas humanas, tudo soa falso, inútil. Há uma gana explícita por vingança, o país está nos cascos, em plena guerra. O agravante é a compulsão da mídia de fazer espetáculo de tudo, levando, por exemplo,o herói policial para visitar o menino baleado na cabeça, que o avisou da chacina. Deixem o garoto descansar, não sejam tão cretinos! Tudo pode para mostrar “emoção”?

A pauta não é a emoção, e sim quem treinou o bandido que, ao contrário do que o delegado falou, deve sim ter sido treinado, pois não é fácil manusear um 38, ainda mais carregá-lo rapidamente e acertar vários tiros. Os motivos são conhecidos: o matador queria se vingar do colégio onde foi marginalizado e escolheu as garotas que, na adolescência , não foram acessíveis a ele. Essa é uma percepção bem superficial do acontecimento. Pode muito bem ser mais profundo do que isso. Também não se pode descartar a motivação religiosa desvirtuada, fanatismo fundamentalista alimentada pela informação farta disponível sobre o assunto. Foi iniciativa pessoal ou não. O jornalismo precisa perguntar e não se entregar às aparências ou evidências consideradas incontestáveis.

Talvez o treinaram para outra coisa e ele resolveu, de posse de suas novas habilidades, ir à forra, contrariando seus orientadores, que acabaram destruindo todas as pistas (ninguém ouviu barulho de coisas sendo quebradas, rasgadas, queimadas? Estranho). Agora vem à tona os velhos debates sobre segurança, com as teses sendo colocadas à prova, numa conversalhada sem fim. Nada se faz para resolver os impasses. O medo continua e o crime tem latifúndios para explorar.

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