9 de julho de 2011

PALPITES NA FOGUEIRA


Nei Duclós

Noto que em todo evento há sempre um protagonista, dois no máximo, e dezenas ao redor, assuntando. Temos vocação para o testemunho mudo, com um assombro implodido, que confundem com submissão, mas é apenas resultado das pressões acumuladas na vida pessoal e coletiva. Não adianta reclamar dos motoristas que geram engarrafamento para ver alguém atropelado. Faça o que quiser, mas a multidão estará olhando para o abismo que engoliu o ônibus.

O turista francês que caiu dos Arcos da Lapa, no Rio, agonizou até chegar o resgate. Quando chegou, estava morto. Se limitaram a bater fotografias da rede de proteção que falhou (é preciso protocolar tudo, menos assistir os necessitados). Enquanto isso,a vítima tinha sido saqueada em celular e carteira. Um corpo fica no chão até o rabecão se dignar a vir pegá-lo. O velório então é feito na calçada, com dezenas de olhares em volta. Nas obras, vemos alguns operários levantando pedra enquanto encarregados de capacete e de braços cruzados, com planilhas a tiracolo, olham o desenrolar da ação. Sem falar nos políticos, que comparecem para apontar o horizonte em frente às câmaras.

Junto com a mudez de quem só sabe olhar, há os tagarelas que pontificam sobre o ocorrido como se fossem diplomados nos assuntos. Eles já sabiam de tudo o que ia acontecer. Avisaram, mas ninguém prestou atenção. Gostam de ser os chegados da primeira hora, antes dos bombeiros e da polícia, os que mostram como a coisa funciona. São especialistas amadores, voluntários do palpite. Isso se manifesta desde pequeno. Lembro que meu irmão Luiz Carlos, exímio empreendedor, se insurgia contra os petizes palpiteiros, que nada faziam mas eram os primeiros a colocar defeito em tudo.

Muito menino, Luiz Carlos era capaz de construir uma obra complicada para abrigar uma criação, por exemplo. Fazia o galpão, o telhado, colocava a cerca, confeccionava os poleiros, comprava os filhotes, alimentava, recolhia os ovos, fornecia para o abate quando solicitado, etc. Era uma peça rara. Eu ficava olhando, abismado, mas jamais dizia nada, pois nunca me aventurei abordar o que jamais entendi, a arte de bater um martelo ou torcer um arame. O que deixava meu irmão enlouquecido era os que davam pitacos sobre sua predileção, a fogueira das festas de inverno.

Há uma ciência na fogueira, que deve durar várias horas sob o sereno gelado e acabar sendo pulada por todos os convivas. É preciso saber o comportamento da lenha, como o fogo vai se desdobrar sem atingir os fios, montar uma estrutura que não provoque acidentes nem deixe resíduos em excesso na calçada etc. O resto do acontecimento era providenciado pelos adultos, que traziam os fogos, os refrigerantes e as comidas típicas. Assim, entre o buscapé e o amendoim, rodeávamos as chamas com a alegria da infância alimentada pelo engenheiro precoce, o cara concentrado na sua faina e que liderava os trabalhos, não apenas colocando a mão na massa, mas distribuindo encargos. E expulsando os boquirrotos, que vinham atrapalhar com seu palpite infeliz.


RETORNO - 1. Crônica publicada no jornal Momento de Uruguaiana. 2. Imagem desta edição: Cometa, século XVI. Desenho de astrônomo turco, anônimo.Do livro Tarcuma-I, de Maomé Kamalladin. Tirei daqui.

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