13 de janeiro de 2012

UMA DÚZIA DE ROSAS


Nei Duclós

Quando ficamos sós, e isso é todo o tempo, contamos apenas com o sentimento, que é jogado para o alto pelo coração. Onde cair, nasce uma dúzia de rosas

Não estamos perdidos. Temos um escaler no navio que vai a pique. Montamos nele e abrimos a vela a favor do vento. Aportamos no continente de nossa vontade

Antes de dormir, levamos o pensamento para uma aventura. Vai daqui, mexe dali, acaba sempre num lance amoroso. Não nos emendamos

Brincadeira de filhotes não são treino para a vida adulta, isso é invenção de narrador de documentário. O amor também não serve para nada, a não ser para nos sentir vivos

Corações secos vivem em outra realidade. Nela não entramos, mas costumam nos pressionar. Parece que farejam quando estamos com os olhos líquidos de sonhar

Os ponteiros apertam o tempo até sufocá-lo. É hora de ficar à parte do mundo. Abrimos a janelona para o espírito. Vem, sonhadora

Todas as feridas cicatrizam, todos os amores dão certo, todos os projetos se realizam quando, antes de dormir, sorrimos quase sem querer tocados pela mão dos anjos e das fadas

Sim, nós produzimos os duendes com nossa imaginação. Por isso são reais. Tudo na ralidade foi sonhado antes

Não chega nunca a meia noite. Desse jeito a mágica não funciona. Quero as doze badaladas e a correria atrás do teu sapato de cristal

Procurei pistas do teu paradeiro. Um pedaço de abóbora, uma carruagem sem placa, uma fada no ponto de ônibus. Viste quem eu procuro? perguntei. Ela nem respondeu

Acordei com vontade de te ver. Ligue o micro, disse o anjo debochado.

Teus cabelos molhados nos ombros luminosos. Essa visão basta para ganhar o dia

Hoje não vou lamentar tua ausência. Consegui algo que te substitua: meu desespero mudo por não poder tocar teu rosto

Não ligue para a maledicência alheia. Ela tem razão. Nada temos em comum e tudo é inviável. Mas ninguém tem nada a ver com a aventura desse agarro

Não conclua antes de ver por inteiro. Cada parte é o lugar comum. O conjunto é a transcendência

Não vou entregar mais nada do que falamos, maravilhosa. Eu prefiro o segredo, mesmo que me vejam apenas como um qualquer

Estão vendo aquela estrela de dia? É o amor que brilha onde não devia. Faz companhia para a Lua, transparente de tão viva, banhada de sol, nua

Precisa suspender a poesia. É o intervalo do espírito, me avisaram. Mas há seres minúsculos com asas em meu delírio. Não tira folga, essa camarilha

Certo, vou me entregar às evidências. Onde está a agenda? Quero entregar o serviço antes que o sol atinja o zênite. Ela me prometeu uma visita no apogeu do dia


RETORNO – Imagem desta edição: obra de Eugene de Blaas.

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