19 de março de 2012

CRAZY, STUPID, LOVE: AMOR É TRANSPARÊNCIA


Nei Duclós

Não ia resenhar Amor a Toda Prova (2011), no original, Crazy, Stupid, Love, de Glenn Ficarra e John Requa, escrito por Dan Fogelman, e com os ótimos Steve Carell, Ryan Gosling e Julianne Moore. O filme é bom, não excepcional, mas está sendo injustiçado pela crítica. O pouco que olhei nas observações dos jornalistas me pôs na obrigação. Ele abordam os filmes “revolucionariamente”, ou seja, como se Lenin escrevesse sobre a Sétima Arte no Pravda. Assim, uma comédia romântica é conservadora pois passa um verniz moderninho na história para tudo ficar como está.

Vi montes de comédias românticas em que o casal que dá certo no final nem é nem esteve casado nem obedeceu às normas. Bem ao contrário: há sempre uma aposta na diversidade, na diferença radical, que no fundo está na origem das dificuldades enfrentadas pelos dois (ou mais casais). O problema é que não abordam a narrativa cinematográfica em seus limites, de trabalho voltado para a própria linguagem. Não que haja uma fórmula, mas uma lógica narrativa, em que a ruptura de dois amantes que não se reconhecem como tal acaba no fim do filme, quando um dos dois ou ambos se dão conta da besteira e acabam juntos. Stupid Love foge um pouco dessa receita e se transforma em drama, gerado pela transparência: o que acontece no amor e no erotismo quando ninguém tem mais nada a esconder?

Alguns gêneros me comovem, como a comédia romântica, que é sempre essa quebra entre duas pessoas que procuram o amor em outro lugar e no fim acabam se encontrando. Não se trata de moralismo, mas de natureza do gênero: é preciso que haja distanciamento na maior parte do filme para justificar o grude no fim. A diversidade das tramas só reforça que não se trata de uma babaquice qualquer. Fala de relacionamentos amorosos eróticos, que é o que ocupa a mente das pessoas a maior parte do tempo.

O filme em questão é uma sucessão de situações constrangedoras, provocadas pela cultura pós psicanálise: todo mundo fala tudo em público o tempo todo, não há segredos, a transparência é absoluta. Dizem na lata o que acontece com elas e o que querem. Mas tanta sinceridade acaba ocultando uma série de verdades. O casamento que acabou está apenas sendo testado, pois tem a permanência que contraria a superficialidade dos desdobramentos (a liberação da caça, por exemplo); o triângulo amoroso que envolve pessoas de idades diferentes vai além da precocidade ou da idéia de que a idade define os papéis.

Há situações hilárias, como a crítica ao físico do galã da hora, Gosling, quando tira a camisa e a namorada acha que ele passou photoshop no tanquinho. E tristes, como o marido traído que conta sua desventura todas as noites para todo o bar ouvir. Tensas como a briga do casal que tentava se reconciliar. Bonitas como o clipe do relacionamento que começa numa noite de transa e no fim surpreende com o sentimento fincando raízes. Patéticas, como garoto de 13 anos que confessa no pátio do colégio que está apaixonado pela babá. Todo mundo paga o maior mico neste filme rápido, bem escrito e encantador.

Contribuições importantes: a sempre boa Marisa Tomei faz a professora alcoólatra que rompe o longo jejum do marido traído. O insosso Kevin Bacon , o amante ocasional que leva uma dura do filho adolescente do seu rival, se esforça e dá certo como o contador que quer conquistar a colega mais importante do que ele. E a ótima Emma Stone, que extrapola no papel da solteira que encontra o amor quando se desespera. Há um clima de shopping e happy hour o tempo todo, mas afloram as verdades pessoais graças ao script e a segura direção de atores. Farrel, o francês narigudo, está ótimo como o babaca sedentário e distraído. E Gosling é o galã no seu papel clássico, o conquistador indiferente que cai na própria armadilha.

Quando escrevo sobre cinema, não sou cineasta, mas autor de texto. Não falo em plano sequência ou campo/contracampo. Tenho sido criticado por ser pouco técnico nos meus textos sobre cinema, e que me deixo levar pelas emoções e retaliações, o que é uma distorção. Minha abordagem é técnica e pode ser resumida em alguns princípios, que vivo repetindo para dar base ao que escrevo, como este: todo filme é sobre cinema. Por exemplo: inspirado em Dirty Dancing - Ritmo Quente, 1986 , em que Patrick Swayze levanta sua partner até acima dos ombros e depois a desce bem próxima, o conquistador faz seu grande lance para a garota que quer levar para a cama. Costuma dar certo. É o filme e seu foco principal, o cinema.


Outro princípio: não existe reconstituição de época e sim elementos do cenários dispostos em função da narrativa. No filme, a assepsia do ambiente da caça amorosa se contrapõe ao caos doméstico do jardim para ser cuidado e o fogão que não acende. A busca do par acontece assim na oposição entre a veracidade do lar e a superficialidade do bar. Os dois ambientes não se referem ao ano em que se passa a história, mas à dramaturgia da história. Mais um: os atores são divididos entre monstros (que encarnam os personagens, como a grande Juliane Moore) e cavaleiros (que o carregam pela mão de maneira brechtiana desdramática, como Steve Carell, que o tempo todo descreve o bobalhão traído). A partir disso, teço o texto incorporando a obra audiovisual, cada uma com sua originalidade.

É um acervo técnico bom. E jamais deixo de lado o coração, pois o sentimento faz parte do conhecimento. Fazer pose desértica não coloca ninguém na vanguarda ou em posição revolucionária. Mas ver com amor nos revela detalhes insuspeitos. Saber ver é também saber gostar do que se vê. E é bom lembrar: revolução é linguagem.


RETORNO - Imagem desta edição: Ryan Gosling e Emma Stone.

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