20 de março de 2012

A LUTA É NA LINGUAGEM


Nei Duclós

Primeira providência dos tiranos é desmoralizar a legitimidade das falas, contrapondo-as a uma pretensa "ação". Fala e não faz nada, dizem.

Os tiranos temem a insurgência da linguagem, pois o poder se exerce pelo discurso.

Liberar o verbo das soluções engessadas de linguagem é o caminho para nos desvencilhar da ditadura. É o núcleo da luta.

Admoeste com generalidades,advirta quem não tem poder,imponha-se perante a mídia sabuja e encare as câmaras com o olhar mortiço dos canalhas

Gaste o dinheiro público ostentando a riqueza que falta à nação, falando sempre no estado democrático de direito e na soberania do povo.

Use de maneira indecente o tempo disponível nas TVs institucionais para testemunhar perante os trouxas as providências que você jamais toma.

Sinta-se confortável no terno chique brega que encomendou por sugestão de sua personal trainer,a que leva toda a grana da propina em jóias.

Capriche na transparência cool dos óculos, para que faísquem nas câmaras.Mas faça de conta que eles não são de grife.Use sempre o tom casual

Para mentir, encaixe as mãos levantando os polegares e fazendo concha com as palmas. Desgrude uma delas e jogue gestos de onda, incisivos.

Se quiser mentir com credibilidade coloque umas bandeiras atrás de você, de preferência a do Brasil.

Ao tributar o alimento e isentar a picaretagem religiosa, o Brasil pune a sobrevivência espiritual e física. Suicida-se.

Gavetas são muito úteis para guardar o que jamais iremos achar.

Lutamos contra a frase pronta e o lugar comum, pois é na linguagem que acontece o conflito. Simplicidade é síntese.

Não há punição no Brasil porque traumatiza. É um país isento de palmadas.

Onde está o apoio para tanta sacanagem? No engessamento da linguagem. O verbo no trilho da tirania mantém tudo na opressão.

Quando você quer desmoralizar uma atividade ou conceito, diga que Hitler foi pioneiro nisso. Sempre cola.

A palavra que aproxima, também serve para a rejeição. Basta uma sílaba e você já está colocado em remota paisagem marciana.

Achamos petróleo, disse o explorador. Está chegando na porta da sua casa de praia.

Multiprocessador é o sujeito que usa a palavra processo para tudo

Por que o sr. rouba todo o dinheiro público? perguntou o popular. Para fortalecer o estado de direito democrático, respondeu o impopular.

Atribuir a alguém famoso o que você cita de um anônimo é a maneira de usufruir do prestígio da notoriedade beneficiada

A diferença entre uma revista importante e uma revista sem importância é que o editorial da revista importante não acaba com um boa leitura.

Um bom texto não almeja que você goste dele. Se você não gostar problema é seu. Ele tem auto-consciência.

Dinheiro é extremamente ofensivo quando cabe a você receber.

Quando um equívoco é desmascarado, imediatamente a revelação é apropriada pelo equivocado, que assim mantém intacto seu capital simbólico.

Os acertos não mudam os erros, antes se superpõem como camadas no acervo dos poderes, que assim dispõem de força de manipulação.

A criatividade dos indivíduos é sufocada pela indústria da notoriedade, que se apropria ou joga o crédito na vala comum do anonimato coletivo.

Os melhores insights, versos, idéias são devorados pelo imã das notoriedades, que assim sustentam o comércio da sociedade do espetáculo

Para os poderes, é mais fácil contar com algumas figurinhas carimbadas para que se possa transformar em lucro o que as pessoas criam.

Nenhum comentário:

Postar um comentário