27 de maio de 2012

CANTIGA DE VESTIR ABISMO


Nei Duclós

Disseram que tinha Lua. Fui ver o que tinha dentro.
Cinco fiapos de nuvem, um acolchoado de estrelas.
Teus gomos estão maduros, luzes da noite serena.

Teu coração endurece conforme vou me afastando.
Por isso volto para a rua que ladrilhei com teu pranto.

Resolvi fazer cantiga, já que perdemos o prumo.
Não pense em nada, me diga, qual a rima do teu sonho

Compareci no teu jogo com meu melhor terno novo.
Todos riram quando viram a flor que eu tinha no bolso.
Era um dos meus martírios que as cartas do amor escondem.

Nasci no país profundo que te gerou, meu encanto.
Por isso sofro de ausências nesta época sem rumo.
Quero de volta teu riso no rosto do vento forte.

Quando viajei me esperaste com teu vestido de rendas.
Voltei com o maior tesouro que pude colher no tempo:
meu coração ainda vivo de tanto sonhar contigo.

Não é de festa esta roupa que visto no teu domingo.
 Mas é a que eu tenho na vida de tanta escassez e vento.
Espero que te comovas com meu olhar mais precioso.

Quando partir eu te deixo estas canções que componho,
entre uma dose e outra de desavenças e sonhos.
Terás assim companhia do que me empresta sentido.

São versos simples que ponho em tua boca de pêssego.
Mastigas os meus tormentos e tudo o que me faz espesso.
 Entro contente no abrigo que estendes em minha planície.

Agora sei porque vivo o teu amor verdadeiro.
Fui escolhido entre tantos que te cortejam pesado.
É que tenho o jeito triste de ser feliz ao teu lado.

Fugi num cavalo branco ao te levar na garupa.
Os poetas se alvoroçam com esse caso notório.
Somos glórias de folhetos que as moças do mar suspiram.

Do alto deste castelo que construí numa nuvem,
és a parceira da Lua, minha rainha formosa.
Comigo tua compartilhas a prosa da eternidade.

Nada vai cortar o laço que nos prenderá no abismo.
Somos amantes contritos, grudados de tão intensos.
Beije o que tenho de sopro e entregue as águas correntes.



RETORNO – Imagem desta edição: Natalie Wood.