19 de junho de 2012

BOLSA


Nei Duclós

Não conte para ninguém que me viu na esquina. Vão pensar que te persigo. Me esconda em tua bolsa de delírios.

Você pinta essa paixão com as mãos de ourives, pincelando meu coração com a borra de amores sem conta.

No piso do coração te esfregas. Lembro do verão, quando nada segurava os panos que levas. E eu passava a mão, de longe, como condenado prometido para uma princesa.

Tão bonita quando fica tremendo. Acha que ninguém está vendo. Mas emite ultrassom de maravilhas.

O mundo é luz e sombra que desenham o que imaginamos ver. Por isso tiro seu vestido sem você saber. Nâo é uma traição do olhar ou pura fantasia. É vontade de te ver, a mil.

Virou vício. A poesia nos leva para a rua, atraindo a polícia. Tiram nossos cachimbos de sílabas. Estamos em carne viva.

Ponha as mãos entre os poemas. Eles ficam tensos que só vendo. Tua umidade me afoga.

Abres o sorriso usando óculos escuros. Não há pistas dos teus olhos de sonho. Mas imagino: estou neles, imprescindível.

Andei pelo deserto e lá encontrei o caminho. Os sinais estavam claros: teu rastro de perfume e o fiapo do vestido num espinho.

Falo sozinho, suspiro do futuro, arqueóloga de especiarias. Estive isolado num lugar escuro, o tempo bruto. Aguardo tuas luvas tocando o livro do meu beijo virando pó.

Penso ser bonito o que crio, e isso se transmite como fibra de luz por tuas veias famintas .

Há pouco éramos pequenos, vivíamos numa infância infinita, à mercê dos adultos. Hoje somos ainda menores. O mundo aumentou sua tirania.

Não lembro como comecei e não tenho como terminar. Me tira desse rochedo sobre o mar onde falo em desatino e me leve para o silêncio do teu corpo em fogo brando.

Tua beleza é um mergulho na alma que cultivas e expressas, dizendo coisas que me derrubam.

Quando a bela emerge, a noite adquire um coração

Eu é que te escuto. Teu coração é o poema.


RETORNO – Imagem desta edição: Linda Darnell .