6 de junho de 2012

QUEDA NO ABISMO


Nei Duclós

Não falo da renda de pano, ou a do roçado sobre a seda. Mas da renda
que escuto quando escondo o beijo, lá onde ninguém chega.

Não curto a vitrine cheia, ou a palavra à venda. Mas o aceno
que ninguém nota a não ser meu cheiro quando passo rente ao teu cabelo.

Não quero te ver por conta de alguma agenda.
Mas por um descuido do teu anjo da guarda.

Não sonho com tua atenção ou tua beleza.
Quero apenas que venhas com tua vibração expressa.

Não pense que eu fico zonzo com tua presença.
Sempre que te vejo me amarro no convés, que balança.

Não faça doce demais para me deixar tenso.
Sou capaz de te levar por diante para uma valsa.

Não deixe que eu passe à toa na tua janela.
Atire um lenço.

Não troque a sua paixão por algum tratante.
Pense no que sou capaz depois das onze.

Não faça jogo de cena quando te beijo.
Entregue a essência do teu desmanche.

Não corra feito louca atrás de um sonho.
Estou ao teu lado, flor do encanto.

Não toque minha carne trêmula sem teus cuidados.
Mesmo frágil fazes estrago.

Não dobre o joelho sem antes pegar-me todo.
Eu te seguro, queda no abismo.

Não diga que eu não aviso que tenho jeito.
Depois não se queixe, beleza plena.

Não sofra se algum dia eu for embora.
Depois de ti só há um caminho, a volta.

Não deixe que esta tarde passe como um tempo em branco.
Me agarre para que eu possa pegar no tranco.


RETORNO – Imagem desta edição:  Marylin Monroe.