6 de junho de 2012

SOLIDÃO


Nei Duclós

Se estiver habitado, o espírito é um imã de paixão.
   
Se perguntarem quem és, diga: solidão. E acrescente que nenhuma companhia é solução. É o que podemos despertar, exista alguém ou não.

Não chame de infelicidade o que não tem forma. Assim como o auge do fogo estava além da alegria. As palavras nos fogem com tanto mistério.

O inverno coincide com a falta que você me faz. Não precisavas ser tão fiel à estação.

O pior é não ter motivo nem de chorar. É esse sal que mantém na estante o final do amor.

 Não concorde comigo neste fim de verão. Não alimente o amargor. Diga que me verá tão logo volte o sol.

No fundo não era tu nem eu. Era o amor que nos usou.

Daqui a pouco volto ao normal. Quando me der conta que sonhei.
   
Não é lamento, é passeio no cais vazio. Ainda escuto o som do navio. Mas ele deixou de existir.

Parece que o amor encontra seu desfecho natural. Nada mais acontece que fale ao coração. Existe esperança para quem perdeu o que não tinha fim?
   
De cada paixão, uma cicatriz. Ainda há pele para nova ferida?
   
Revisitei aquele amor. Estava vazio. Ficou a casca, ao sol.
   
Retribuis meu entusiasmo com um balde de água fria. Quem precisa do inverno com você por perto?

Não sabes o que fazer com o cabelo, cheia de trejeitos, celebridade amena. Dentro de ti, humana, há o meu olhar, reduto de um abraço espontâneo, desses que se sonham.

Tenho noção de que não te pertenço e que jamais nos encontraremos. A não ser na poesia, território comum de uma civilização perdida.

Diga para ela o meu poema. Ela vai entender que é você quem decide a fala. A palavra é só o instrumento entre a intenção e o beijo.

O que mais temo é machucar por medo. Por ter cuidado sou meio avesso. Por isso ando de lado, como quem nunca chega. A única solução é dançar contigo de rosto colado.

Sou o deserto diante da tua fogueira. Crepite debaixo das estrelas que reflito o clarão da Lua cheia.

Fico abalado com tua presença. Vê se entende: fui criado em meio à brutalidade e quando notei, lá estavas, transparente como a neblina de um sonho.
   
Quando paramos de tremer depois do evento complicado, nossos corpos se agarraram como dois náufragos. Se eu te soltasse, te afogarias.
   
Te salvei das águas, devolvi tua respiração, te recolhi na madrugada. Acordamos assustados achando que fora só um sonho.
   
Há tanto tempo me rodeias e de vez em quando jogas uma pedra para ver se acordo. Mas ela cai no lago fazendo onda. 

Disfarças até o último segundo quando enfim descubro que querias desde o início, bandida.
   
Abusas da beleza. Todas as luzes procuram teu rosto, que se impregna na minha sombra.
   
Sou teu link ao lado, que nunca acessas. De vez em quando eu mesmo clico para ver se ainda me carrega.

Quando eu for embora, estarei contigo.


RETORNO - Imagem desta edição: Liz Taylor.