20 de setembro de 2012

PURA ARTE





Nei Duclós
 
Verso de pé quebrado não carece de tratamento.
Melhor deixar que afogue o ritmo fácil do pensamento.
E apronte, como na tarde imóvel o vento.

O poema já tem poder, é pura arte, prescinde da pose.
Deixe de cultivar o que será esquecido.
Componha uma canção que faça nascer flor em Marte.

Poema é a cama de gato da palavra.
Derruba para beijar na boca.
Arranha quando tentam agarrá-lo.

Poesia não é tarefa que se preze.
Junção de corpos, só existe quando pega.
Senão é uma espécie extinta de arames farpados.

E quando pensamos saber o que se passa,
o poema se insurge contra a evidência cega,
a que te trouxe até aqui, poeta.

Mas quem se importa?
Tudo será pó em breve.
Acenda o fogo antes da escuridão eterna.

Alguém morreu, você voltou para casa.
Qualquer evento é o poema,
viajante de luz na treva.

Não me pediram este ofício, fiz por pressentimento.
Achei que o Tempo precisava de um sopro, mínimo,
que extraisse pássaros do portal do sofrimento.

És amor, e é tudo o que importa.
Palavras que o coração
gerou à solta.


RETORNO – Imagem desta edição: Meditação,obra de Charles Lenoir.