27 de fevereiro de 2013

OFICINA VIRTUAL: ESCREVER, A QUE SERÁ QUE SE DESTINA?


Nei Duclós

Uso o verso de Cajuína, de Caetano Veloso, substituindo o verbo viver por escrever, para abordar um trabalho que desenvolvo há décadas e só agora formato como um curso, que é dado virtualmente e de maneira personalizada. A literatura, o jornalismo e a linguagem acadêmica ou corporativa ocuparam meu tempo por mais de 40 anos de vida profissional e pode-se dizer que essa experiência gerou um acervo pragmático e útil para quem se dedica ou quer se dedicar às palavras.

Pessoas de mais de uma geração me tratam informalmente de mestre, o que me deixa feliz, pois é o reconhecimento de que minhas orientações funcionam. Não é nada burocrático nem, acredito, parecido com as oficinas que estão sendo dadas, já que abri caminho nessa área lendo e exercendo os ofícios do verbo, e uso vivência e leitura a favor de conceitos e exercícios repassados de forma rigorosa, útil e muitas vezes prazerosa, já que escrever faz parte da nossa alegria e também da sobrevivência.

Trabalho com o acervo do aluno para que ele possa desenvolver suas técnicas, habilidades, vocações. A partir do que é escrito, vamos trabalhando para desatar nós, chamar a atenção para problemas e apontar caminhos. Uso, ao mesmo tempo, uma seleta de textos que abordam a linguagem e seus vários desdobramentos., que produzi e vou colocando na roda para o debate. E há algumas referências básicas dos grandes mestres, que sempre estão a nosso dispor.

O curso é de três meses, três vezes por semana (aulas de uma hora on line). Três prestações de 250 reais, em parcelas pagas adiantadas. Quem se interessar, é só escrever para neiduclos@gmail.com . Quem fez ou está fazendo, aprova.

25 de fevereiro de 2013

PRADARIA



Nei Duclós

Dediquei a tarde na campanha
entre uma enxurrada e outra
atrás de cachorros cimarrones
perdidos na cata de boi solto

Sabia onde estavam, bicho xucro
se entoca sempre em igual remanso
atrás daquele mato, junto à sanga
que eu evito ir pelas lembranças

Lá encontrei, exaustos, caçadores
e os caçados em ampla harmonia
amassando flores que ofertei um dia

Ela era perfeita, prenda esplêndida
enredava meu corpo com sua trança
lacei-a num temporal na pradaria


RETORNO - Imagem desta edição: foto de Marga Cendón.



DESORDEM

Nei Duclós



Não podemos dizer: ela fica no ar
porque não tem ar onde ela fica
nem que flutua, já que não há água
ou que voa, onde estão as asas?

Dizem também que gira, mas como?
seu contorno não vibra, é fixo
E que o sol a ilumina, mas à noite?
E se um lado é oculto, está invisível

Quem garante que ela existe?
essa metade na sombra, não explícita
Deve conter gás, pois verticaliza

Do horizonte ao zênite, nada sabemos
da Lua cheia, lua por excelência
mãe de fadas e duendes, coisa linda


RETORNO - Imagem desta edição: foto de Marga Cendón.

24 de fevereiro de 2013

RENÚNCIA



Nei Duclós

Já houve precedente, a divindade
perdeu-se na agonia, abandono
do Pai no derradeiro sangue

Se no deserto a tentação morria
e ao sol outra luz se impunha
na cruz foi demais o peso morto

Deixou-se levar, enfim era humano
o poder que o trouxera se esfuma
os algozes venceram em segundos

Mas no minuto final, feita a sutura
entre a fé e a eternidade em fuga
a passagem inaugura nova vida

Assim há batismo ao sair do trono
água sagrada de radical renúncia
exemplo de inspiração bíblica

Recolher-se na missão cumprida
velar o rebanho solto na mistura
entre a terra bruta e o paraíso


RETORNO – Imagem desta edição: Bento XVI se retira.

23 de fevereiro de 2013

VENEZIANAS



Nei Duclós

A janela se fecha à serenata. Mas sei que respiras apressada através das venezianas.

Se eu estiver mudo é porque todo meu corpo te escuta.

Não te mereço, flor do campo. Não consigo colher o que me encanta. Sofro com essa falta de poder.

Versos que faço para ti antes do desmaio. O poema na véspera do mútuo agarro.

Não ouse amar sem que proves do meu beijo. Juro que não terás mais sossego.

Você é toda a delícia. Me sacias, belíssima.

Posso ser esse sonho. Releve apenas as cicatrizes, elas não importam. O que pega é meu olhar sobre cada detalhe de tuas curvas e meu mergulho nas águas que te consomem.

Tudo diante da beleza vira súdito. Tome tento sabendo a força do teu reino.

Quando não te canto não é uma trégua. É sobrevivência. Preciso recuperar o fôlego.

Dorme o sono injusto. Tanta beleza que descansar é um absurdo.

Nem a promessa de beijo me livra do que me agendaste de surra.

Queria falar sobre a guerra, mas abriste a blusa.

 Tão cedinho e já estás de prontidão. O corpo inteiro pedindo perdão por tanto querer.

Você é cheia de nove horas, mas finge que é meia noite.

Olhos cansados, óculos vencidos, viraste neblina. Talvez seja essa tua sina. E a minha, te perder de vista.

Crescente empurra o rosto na nuvem e fica aparecendo só uma parte de sua luz, meio ovalada, de alguém que conversa ainda deitada.

A Lua olha só com a metade do rosto. O resto esconde, por gosto.

Te recolhes fingindo sono. Mas teu trono vazio brilha no lugar da Lua que se foi.

Vi agora a Lua navegando acima dos arbustos. Rasante, faltando um tiquinho para a Cheia. Ou não falta mais nada, danada?

Levei um susto. No azulão da tarde, a Crescente me espreitava, pálida entre os fios e as folhas. Deixa eu ficar Cheia, disse ela. Aí vais ver só.


RETORNO – Imagem desta edição: Carol Lombard, por George Hurrell.