28 de outubro de 2013

1935: O ASSALTO À RAZÃO




Nei Duclós

Atribuir ao adversário político os próprios crimes virou moda no Brasil. No documentário 1935: O Assalto ao Poder (2002), de Claudio Kahns e Lauro Escorel, essa tendência vem travestida de ciência histórica. Está provado que foi a ditadura soviética que aparelhou 11 militantes internacionais para derrubar o governo constituinte no Brasil em 1935  mas o filme mostra, de maneira tendenciosa, a “escalada autoritária” do governo Vargas, que teria usado a violência que vitimou vários militares como pretexto para arrochar o regime. Como assim, pretexto? O assalto ao poder já vinha se desenhando desde que Prestes, anunciado pelo comunista Carlos Lacerda, rompeu com a legalidade ao convocar a Aliança Nacional Libertadora para as armas.  E a conspirata tinha tomado conta nos quartéis pelas mãos das células comunistas implantadas pelo Brasil, como pude verificar em pesquisa nos arquivos do Deops quando fui estudante de História na USP.

Ou seja, havia uma radicalização anticonstituinte e antilegalista no movimento de massas, uma conspiração aberta comunista nos quartéis (que se manifestou no próprio movimento de 1935) e um grupo de militantes aparelhados pela ditadura soviética agindo em território nacional, além do tiroteio das batalhas da Intentona. Isso foi só um pretexto? São fatos. Mas o documentário tenta conduzir o espectador para a condenação do governo Vaergas por meio desses truques e ainda mais um , para justificar a sacanagem: atribuir a Vargas o integralismo, que lhe era contrário e até mesmo tentou derrubar Vargas em 1938 num assalto armado mal sucedido ao Palácio do Catete.

O desprezo á Constituinte é do próprio documentário, que atribui esse desprezo a Vargas, que teria governado com má vontade em relação á Constituição Vargas jurou fidelidade à Carta Magna, criada a partir de uma assembleia eleita pelo voto direito, inclusive o da mulher, pela primeira vez no Brasil. Mas a ANL, pelas mãos de dois criminosos, os comunistas Carlos Lacerda e Luis Carlos Prestes, feriram o governo constituinte de morte, preparando terreno para um golpe de direita, nazista, que foi abortado pela instituição do Estado Novo, nacionalista, em novembro de 1937, que conduziu o Brasil no período da II Guerra apoiando os Aliados com armas na mão na luta europeia contra o nazifascismo,  consolidando as leis trabalhistas, implantando a siderurgia e zerando a dívida externa.

O mau serviço do golpe militar de 1935, de inspiração soviética contra o governo democrático  constituinte colocou as Forças Armadas de prontidão contra a democracia, já que foi no regime democrático que os comunistas aproveitaram para tentar instaurar a ditadura. Mas tudo fica sendo mais um episódio da era Vargas. O governo constituinte, para se defender, criou a Lei de Segurança Nacional, pressionado pela direita, que estava prestes a dar o golpe. Mas isso é considerado a prova maior das más intenções de Vargas, como se tudo que o grande estadista tivesse feito servisse apenas para confirmar a calúnia histórica repetida diariamente há maias de 70 anos.

É execrável que essa distorção tenha o aval de historiadores notórios como Boris Fausto, que domina o cenário da pedagogia sobre a História do Brasil, ou paspalhões históricos como Paulo Sérgio Pinheiro, bem fornido burocrata da ONU, que está em TODOS os documentários do tenentismo na indústria audiovisual. Pinheiro, viúvo da República Velha, faz campanha sistemática contra as revoluções brasileiras, dizendo que nunca houve ruptura no Brasil, nem em 1889, 1930 ou 1964. Ora, deixe de bobagem. A República rompeu sim com a monarquia, tanto é que precisou três anos de guerra para se consolidar. E 1930 rompeu com o Brasil tradicional, inventado o Brasil moderno. E 1964 rompeu com o Brasil soberano, a obra iniciada por Dom Pedro II e consolidada por Vargas.

Vi na TV Escola um programa em que apresentadores ensinam os professores a atribuir a Vargas o autoritarismo, como se isso fosse uma percepção democrática. Não é não. Caluniar o governo constituinte de Vargas, que foi eleito pelo voto indireto em 1933 e pelo direto em 1950, uma lavada popular de votos, é mentir o tempo todo. Parem de mentir. Chega de calúnicas. Chega de assalto à razão. No documentário podemos ver porque o comunista arrependido Carlos Lacerda, mais tarde, atribuiu ao trabalhismo a pecha de comunista, o que justificou o crime hediondo de 1964. Ele queria se livrar desse pecado original.