29 de outubro de 2013

ANIVERSÁRIO INESQUECÍVEL

Nei Duclós

 Não lembro aniversários, só de um
 aos dez anos de idade, quando esqueceram
 a data. Fiquei em silêncio para marcar território
 Imaginei que isso atrairia o remoroso e iriam
 me festejar tardiamente, o que daria vez
 para eu expressar minha total decepção

 Só que ninguém atinava com a birra
 até que, afogado em mágoa, fiz um gesto
 para desencadear a lembrança.
 Foi quando despencaram com abraços.
 O presente veio tarde, acho que era um revólver
 que usei para matar todos os meus sonhos

 Foi minha cicatriz mais profunda
 Se aquilo acontecia numa família
 imaginem num campo de concentração
 numa passeata, num escritório. Se uma casa
 se prestava para tanta dor, daria para ver
 o fim do mundo em qualquer praça

 Mas o tempo passou e descobri
 que tinha sido meu melhor aniversário.
 Revelou que nada tem importância,
 que somos pó e ao pó voltaremos.
 E quem se importa com bolo e velinhas
 quando se usa ainda calças curtas?

 Aproveitei para ir ao cinema, ver um faroeste
 Lá sentei com cerimônia na cadeira, sozinho
 e falei para John Wayne armado de chapéu e balas
 que tinha chegado a hora da minha morte
 Ao que o cowboy replicou, sábio e sarcástico:
 Não terás tanta sorte!