15 de novembro de 2014

A DOR DE DOAR E A LUA



Nei Duclós

No evento Proa em prosa , que aconteceu na sala Santander, em Porto Alegre, dia 13, coordenado pela animada e brilhante jornalista Claudia Laitano, da Zero Hora (que faz parceria com a Unisinos) , viajamos no filme “Sobre sete ondas verdes espumantes”, dirigido por Cacá Nazário e pelo professor da Unisinos Bruno Polidoro. Eles usam usa fragmentos de obras e depoimentos de amigos para construir uma rota por locais que fizeram parte da vida de Caio Fernando Abreu. É uma sequência de leituras filmadas. Os leitores de várias origens, de dentro e de fora do país, descrevem e às vezes assumem os personagens que Caio reporta ao roteirizar esse substrato que estava oculto e que faz parte da modernidade física, mental, sentimental e psíquica dos contemporâneos. Caio deu voz a esse vulcão vivo mas que estava subterrâneo, erigindo em literatura um acervo de espólios e ruínas, onde brilham joias e pedras preciosas, insights e setas cheias de veneno do seu talento que atingiu a permanência numa obra cultuada desde suas primeiras publicações.

Um verbo que me chamou a atenção nas citações de Caio foi o verbo doer. Ao conjugar na primeira pessoa do indicativo, ele quase atinge o doar, um cruzamento proposital que é uma das chaves do seu trabalho. Livrar-se das amarras, entregar-se, soltar-se para assumir a dor do desespero e assim, ao se livrar de quem está próximo, poder se aproximar do amor possível, é uma viagem dolorosa e solidária que a palavra amarra em absoluta liberdade. Ir-remediável, diz uma das chamadas do filme.citando o título de uma das obras de Caio, Inventário do Ir-remediável. Ir embora, abandonar tudo sem deixar endereço, para assim remediar, curar o que dói dentro e pulsa em cada passo dado nesse rumo que se define ao andar. Uma viagem e tanto que nos leva ao silêncio de uma interlocução conosco, como notou Claudia Laitano ao abrir a sessão de debates.

O curta metragem exibido no mesmo evento, o documentário “Se essa lua fosse minha” , foi premiado no Festival de Cinema de Gramado e pelo Festival Internacional de Curtas de São Paulo, segundo a repórter Pâmela Oliveira, da Notícias Unisinos. Faz um paralelo com participantes de um programa espacial, que ficaram conhecidos como afronautas, na Zâmbia de 1964, com moradores da rua Garibaldi, de Porto Alegre, como conta a diretora do filme, a aluna de Realização Audiovisual Larissa Lewandoski:“A ideia era tirar as pessoas do contexto em que viviam, uma espécie de aquário urbano, para tentar criar uma identidade com os afronautas”.

Na minha participação, coloquei o curta na rota do enfoque contido no meu livro “Todo Filme é sobre cinema”, da coleção Aldus da Editora Unisinos. Nada sabia sobre o curta, então comentei o que vi na tela. As imagens da descida do homem na Lua impactam os moradores de uma periferia detonada, que veem no evento a confirmação de profecias de fim do mundo, pois significa uma nova era onde tudo o que está em volta é condenado ao desaparecimento. Num exercício de sobrevivência, eles incorporam as roupas espaciais, a seu modo, envergando capacetes improvisados e posando para as fotos como se fossem protagonistas daquele salto tecnológico.

Viajamos bastante nestas viagens.


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