14 de dezembro de 2014

IDA: ALBUM FAMILIAR SEM COSTURA



Nei Duclós

A ferida não cicatriza porque as imagens não costuram. Estão dispersas, em sépia, preto e branco, cinza: retratos de desaparecidos, o extermínio de um povo na Polônia ocupada pelo comunismo nos anos 60, onde uma noviça percorre o caminho da própria identidade e só encontra funeral e suicídio. Ela nada sabia porque não dispunha de fotos. O filme procura reunir as porções que formam essa cicatriz que sangra eternamente: os judeus condenados ao exílio, para fora das fronteiras ou para o fundo da terra em covas anônimas em bosques sinistros. 

A futura freira esconde o cabelo ruivo, que o salvou do massacre, pois assim passou por não judia e foi poupada. O irmão, moreno e circuncisado, não teve o mesmo destino. Foi-se junto com os pais nas mãos de algozes sem grife, camponeses que queriam roubar a terra da família de judeus perseguidos pelo nazismo.  Esconder os corpos foi a forma de se apropriar da terra. Mostrá-los para as herdeiras foi o acordo para consolidar o roubo: houve a troca da devolução dos restos pela posse definitiva do sítio.

O filme carrega no clima visual das fotos perdidas. Procura ser o álbum que falta na vida das duas protagonistas, a sobrinha órfã ( Agata Trzebuchowska) que virou católica e a tia (Agata Kulesza )que virou comunista e acabou no alcoolismo. Tudo é desvestido na obra Ida (2014), considerada a melhor do ano pela revista New Yorker, dirigida pelo polonês Pawel Pawlikowski, que também assina o roteiro junto com Rebecca Lenkiewicz . A paisagem rural nua, estática, destaca as personagens isoladas em seus dramas, que num road movies por estradas e aldeias úmidas, procuram descobrir o paradeiro dos desaparecidos. A paisagem urbana, rápida como um trem em movimento, é uma sequência de frames que parecem do velho celuloide, que mostram pelas janelas as ruas tomadas por pessoas engessadas numa sociedade espiritualmente morta.

O que desagrada é essa intenção de alcançar, via preto e branco e no tom minimalista, a profundidade e a carpintaria da obra prima. É o que dizem do filme,mas discordo. Há intenção demais nesta narrativa que devolve personagens para o beco sem saída. A solução é a morte ou então assumir a nova identidade que soa falsa, pois uma freira judia ou uma magistrada comunista alcoólatra mantem o paradoxo de uma história sem desfecho convincente. Mas são detalhes. O importante é destacar a intenção de compor um álbum familiar a partir de imagens esparsas, de costurar uma cicatriz que jamais encontra a cura e de oferecer o mundo partido para quem , como espectador, sofre junto com essas pessoas perdidas, que contam ainda com a presença do saxofonistas interpretado por Dawid Ogrodnik.

Ele acena com uma solução, a vida rotineira de um casal com filhos. Mas ela prefere voltar ao convento onde encontrou abrigo, sabendo agora de onde veio e o que aconteceu com sua família.

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