11 de março de 2015

CURVA DE RIO



Nei Duclós  

Eu navegava livre quando tu, curva de rio, me segurou dizendo que era só por um segundo.

Deixo passar o tempo para ver se a herança desse amor se diluiu num pé de vento. Mas apenas acumulo sentimento, estocado no sótão das coisas sem remédio.

O que me sustenta é a esperança, reduzida a um último raio de luz. O que corrói é achar que um dia até isso se fechará, definitivamente.

Deixei o amor acontecer sem estar preparado para o adeus. Agora te enxergo sem que eu possa estar ao lado. Não há nada mais remoto do que corpos que se amam e não se tocam.

Não deveria te ver para não sofrer a ausência. Toda vez que apareces, o amor pula de alegria sem saber que perdemos a chance.

Não adianta fingir, tropeçar em outros braços, achar que tudo bem. Meu coração está em ti como o sol impregnado na manhã.

Graça suprema, estavas visível a olho nu.

Teu corpo toma a forma da paisagem. Tuas fibras formam relva e árvores. Estás dando um sinal para mim, teu pássaro canoro.

Verti o verbo para homenagear a Lua. Ela se retira e as poças da poesia ficam refletindo o sumiço das estrelas.

Nada acontece se não estás pronta. Não falo da roupa e outros badulaques. Falo do coração que pulsa em teu sussurro.

Tinha esquecido o súbito despertar de vozes que amarras entre curvaturas. Arrepias com as dobras ocultando cálices. Bebo o que sonho, cristal de seda.

O amor acabou, junto com a tarde. Olhar tua foto é como um crepúsculo.

Finges que o verso é para ti. Assim podes levá-lo sem pedir licença.

Quando fico à toa, lembro. És sempre tu, feminino encanto.


RETORNO - Imagem desta edição: obra de Van Gogh.

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