13 de março de 2015

SUITS E A TRAGÉDIA GREGA



Nei Duclós

Existem algumas situações clássicas da tragédia grega, segundo Aristóteles: o bem aventurado entra num processo de desgraças, o malvado experimenta uma fase de glória, o bom sujeito sai de uma situação desconfortável para uma situação justa, e alguém, independente de ser bom ou mau, é jogado no queda não por merecimento mas por ter cometido algum erro. Esses vetores se cruzam de maneira múltipla na série Suits (de Aaron Korsh, 2011), com cinco temporadas, onde vários elementos teatrais tradicionais estão presentes.

No escritório milionário de advocacia de Manhattan, convivem a rainha, Jessica, o bem aventurado oportunista, Harvey Specter, o protegido que se despreende do cordão umbilical, Mike Ross, o vilão que acaba sendo aceito na família, Louis Litt, a princesa que esconde sua paixão, Rachel, e a onipresente consciência de todos, a avassaladora super secretária Donna (et pour cause). A poderosa Jessica e a encantadora Rachel são negras, o frio e autoconfiante Harvey e o atrapalhado Louis são aristocratas brancos , Donna é a faz tudo ruiva.

Para entrar na empresa é preciso ter linhagem nobre, ou seja, ter sido formado em Harvard. Mike Ross é uma fraude, não foi formado mas uma hacker implantou seu diploma e currículo no site da universidade. Rachel sonha em ser ungida nessa nobreza, a exemplo do pai, mas é impedida pelas circunstâncias e cai em Columbia. Os estagiários são a corte de despossuídos que lutam na arena da ferocidade por um lugar ao sol. Os clientes são a fonte de recursos para altos gastos nos grandes musicais, nos apartamentos de luxo, nas bebidas a 12 mil dólares a garrafa, nos carrões possantes etc.

Cada episódio é um rito de passagem para a sobrevivência do reino. Todos traem todos, mas todos se unem pelo bem maior, o dinheiro. Há uma briga de foice no escuro e no claro e as armas são as palavras. Há pouca briga física na série, quase nenhuma,mas a contundência verbal é arrasadora. Os diálogos são zipados, neles confluem situações jurídicas complicadas, em que clientes e advogados fazem círculos infernais em conflitos de vida e morte.

Toda a série é sobre cinema.Os diálogos de filmes famosos, de Top Gun a Rocky, Johnny Mcguiree e centenas de outros, estão em todos os episódios. Atores imitam interpretações famosas. Harvey (Gabriel Match) é Bogart  em Casablanca, o frio e recluso que amarga desilusões amorosas que não reparte com ninguém. Louis Litt (Rick Hoffman) é Jerry Lewis em The Nuty Professor, um gênio ressentido que acaba bebendo a formula mágica da competência para se impor aos seus pares,  Jessica (Gina Torres) é Bette Davis em All About Eve, o poder da veterana espicaçado pela mocidade ambiciosa, Donna (Sarah Rafferty) é, muitos pontos acima, Melanie Grifith em A Secretária do Futuro etc.

A equipe tenta evitar a queda, mas há defecções e alguns são expulsos, voltam, retomam antigas situações, participam dos conflitos e fazem da série um acontecimento teatral de peso na telinha. Netflix tem as três temporadas por enquanto. Falta a quarta e a atual, a quinta. Sem propaganda, uma maravilha. Com uma trilha sonora arrasadora, capitaneada pela música tema Greenback Boogie da banda Ima Robot.

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