15 de julho de 2015

O FILME DENTRO DO FILME



Nei Duclós

O roteiro sobre um roteiro de filme é o próprio filme em Get Shorty (O Nome do Jogo , 1995), de Barry Sonnenfeld,com John Travolta, Gene Hackman, Rene Russo e Danny DeVito. O gangster de Miami quer investir em cinema e sugere a ideia do roteiro baseado em sua experiência de ir cobrar a conta devida a um agiota em Los Angeles. As duas narrativas se confundem e tudo acaba numa cena de estúdio.

Travolta está imbatível. Ele ensina que um personagem é criado a partir do seu andar. Seu gangster é um apaixonado por filme noir. Seu favorito é A Marca da maldade, de e com Orson Welles, aquele filme em que “Charlton Heston faz papel de mexicano”, como costuma dizer às garotas. Ele sabe de cor os diálogos e os repete na sua vida “real”. Só que não há vida real, é tudo cinema e filme sobre cinema.  

É o que acontece em outra obra. O cenário do jogo é um estúdio de cinema que mostra seus truques em The Sting (Golpe de Mestre, 1973), de George Roy Hill, com Paul Newman, Robert Redford e Robert Shaw. Os jogadores são, no filme, atores, que fingem fazer apostas. As vítimas usam tinta vermelha para sugerir sangue e enganar o mafioso. As balas são explicitamente de festim na história que está sendo narrada. É como no cinema: montes de gente (a plateia, representada pelos falsos jogadores) sabem que é um golpe, um truque, só a vítima que finge que não sabe.

A maquiagem e as roupas servem para criar personagens falsos dentro da paródia toda. No desfecho, os atores, principais e coadjuvantes, se safam, depois de dar um golpe de meio milhão de dólares no meliante. O chefe do FBI é fake, como todos os outros. A garçonete apaixonada é bandida. O speaker de jocquey é contratado pelos golpistas. Tudo é escancaradamente falso. É um filme que diz: é só cinema, vejam. E é ótimo.

Um filme não é feito para as pessoas acreditarem na sua verdade, mesmo os baseados na vida real. Em Fargo, os irmãos Cohen colocaram esse jargão no início e depois confessaram que “baseado em fatos reais” é uma ficção como qualquer outra. Um filme é para mostrar que tudo o que está na tela é só cinema. É o supremo narcisismo dessa arte de individualismos. O cinema é o protagonista. O resto, inclusive nós, é coadjuvante.

Todo filme é sobre cinema. Cada vez me convenço mais disso.


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