17 de agosto de 2015

UM CINEMA QUE CAI



Nei Duclós

Domingo generoso de cinema. Revi, no Netflix, My life as a dog, de 1985, de Lasse Hallström, e, no Telecine Cult,  Vertigo, de 1958, de Alfred Hitchcock. Rever um grande filme é como ver um filme maravilhoso pela primeira vez. Tinha esquecido quase tudo das duas obras. Só agora notei que a animação de um corpo que cai (título da tradução brasileira) de Vertigo é a mesma da apresentação da série Madmen. O filme está sendo considerado o melhor do cinema até hoje, desbancando Citzen Kane, de Orson Welles, em alguns rankings.

Em Minha vida de cachorro (título da tradução brasileira), é tocante o carinho com que os suecos tratam o Brasil. Eles nos respeitavam graças à Copa de 1958, quando ganhamos a final de lavada, depois de um início tenso. O filme sueco homenageia a arte desenvolvida pelos brasileiros, de inteligência (a bola dominada na mente) e criatividade (o samba nas pernas, como diz o treinador dos jovens jogadores).  Esse sim é o patrimônio cultural do Brasil , jogado fora em favor de algumas porcarias. Mas deixa para lá.

O filme aborda a iniciação sexual na puberdade em meio a dramas familiares como a perda da mãe (interpretada por Anki Linden) e do ambiente doméstico, incluindo a separação do menino da sua casa, do seu irmão e da cadela de estimação. O garoto Ingemar (Anton Glanzelius ) é assediado por várias mulheres, entre elas a bela Saga (Melinda Kinnaman) , a adolescente que age como um menino para poder jogar futebol e lutar boxe de igual para igual com os garotos e que aos poucos revela todo o esplendor do seu gênero. Ingemar é o mesmo nome do pugilista que ganha o campeonato mundial e a Suécia assim comemora seu título, numa celebração da Sétima Arte absolutamente encantadora. As feridas cicatrizam com o tempo e com o o apoio de um espírito comunitário saudável.

Vertigo mostra o alto preço que se paga pela “cura psicológica” baseada em tratamentos oficiais. . Sacrifica-se a vida para alguém voltar à normalidade. Demolidor.  No fundo, a solidão é a verdadeira doença. O egoísmo, o espírito anti-gregário, a fuga dos sentimentos, que explodem em momentos terríveis,condenam os personagens à miséria espiritual. Trata-se de um filme magnífico, de infinita fortuna crítica. Noir é Hitchcok. O clima pesado das imagens, das sequencias de lenta perseguição de James Stewart a Kim Novak, a música incidental, os detalhes esplendorosos, a perfeição dos diálogos nos convencem que será muito difícil que o nível do cinema atual atinja o mesmo primor de décadas anteriores . Hoje temos um cinema que cai.


Nenhum comentário:

Postar um comentário