24 de julho de 2016

PENSAMENTO FORA DE FORMA

Nei Duclós

O aforismo foi substituído pelo insulto e a persuasão pelo assassinato. Na nossa época, o aguardado e celebrado precocemente Século 21, o pensamento conservador perdeu a forma e degringolou no trumpismo vigorante. A esquerda, ao assumir o poder extrapolou na corrupção, desvinculando-se dos seus princípios e fundações. Ambos manejaram a tirania das ideias para impor unilateralmente posições políticas e tudo agora está sendo colhido nas ruas de Nice, Cabul, Munique.

Por não haver concessões de ambos os lados, os vírus oportunistas invadiram o tecido que parecia indissolúvel e brilhante. Todos são corretos, a culpa é sempre dos outros. E a autocrítica virou marketing. O fator decisivo para a esquerda repetir os erros da direita foi a terceirização do estamento para as empreiteiras e os bancos. O poder passou a ser exercido apenas pelas finanças e não mais pelo jogo democrático, como era a proposta anti-conservadora. A direita então assumiu o papel de vestal inatacável, tal como os opositores antes de colocarem a mão no cofre.

Vendo o documentário THE 50 YEAR ARGUMENT sobre os 50 anos da New York Review of Books, de 2014, dirigido pelo Martin Scorsese, notei que todo o acervo cultural acumulado pela revista não tem mais influência sobre os rumos dos EUA e do resto do mundo. Já teve. Foi pela NYRB que os politicamente corretos descobriram que os vietcongs não eram esses anjinhos pintados pela literatura marxista. Que o racismo é um substrato não visível de posturas da mídia e da massa e acaba definindo julgamentos de crimes. E por ser invisível, a toda hora vem à tona, fazendo estrago, como está acontecendo atualmente.

O documentário mostra como funciona um editor. Não comandamos nada, nós imploramos,diz Robert B. Silvers, que fundou a revista junto com Barbara Epstein. Essa declaração chama a atenção para o equivoco que cometem todos os amadores soberbos, o de que devem meter as patas na edição sem olhar para seus colaboradores. No seu depoimento (tem vários no documentário, um mais importante do que o outro), Joan Didion lembra que o editor a levou a escrever sobre assuntos que não lhe interessavam, como a política interna. E como ele sugeriu mudanças fundamentais nos seus artigos, que melhoraram cem por cento.

No Brasil vimos o estrago que provocou o pensamento a reboque. Primeiro foi o anticomunismo ferrenho, que desaguou no ufanismo mentiroso de 1964. Depois a mitologia da democracia civil, que desaguou em Sarney, Collor e FHC, com a entrega do patrimônio nacional à sanha dos credores. Depois o esquerdismo de resultados, que deu no que deu, quando o país foi saqueado até o osso (é a Justiça quem mostra, cobrem dela).

É uma sinuca de bico: o ódio, a submissão, o impasse, e o pensamento fora de forma na origem de tudo. É hora de os intelectuais trabalharem de verdade. Sem aparelhamentos, com criatividade e coragem.

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