9 de agosto de 2016

NARRATIVAS EM A DANÇARINA E O LADRÃO




Nei Duclós

Acho que os críticos cinematográficos sofrem de congestão. Como ficam vendo profissionalmente os filmes, para ocupar espaços obrigatórios, fazem a overdose transbordar sobre seus textos. Fiquei pasmo ao ler as críticas demolidoras contra o magnífico filme de Fernando Trueba de 2009, El baile de la victoria, baseado em filme do escritor chileno Antonio Skarmeta, que até faz uma ponta como crítico de dança. No caso, um jornalista deslumbrado com o que vê no palco do Teatro Municipal de Santiago, em que a bailarina Victoria Ponce (um encanto de talento e beleza interpretada pela atriz Miranda Bodenhofer) dança poemas de Gabriela Mistral.

E os críticos sofrem de congestão porque não enxergam os fundamentos da Sétima Arte, que giram em torno da evidência de que cada filme é sobre cinema. A narrativa policial do roteiro é uma colagem de filme noir e de roubo a bancos, de paixão literária, de visita aos porões dos filmes pornôs, uma costura de velhos dramas românticos e um trhriller sobre as heranças da ditadura Pinochet.

Os personagens são os autores das próprias histórias, narrando as aventuras de um casal inverossímel, o ladrão naif (interpretado por esse baita ator que é Abel Ayala, no papel do carismático e hilário Angel Santiado - Abel se revelou muito cedo com El Polaquito) e a bailarina muda traumatizada pela perda dos pais na ditadura chilena. Como referência tutelar do filme está o grande e famoso arrombador de cofres, interpretado pelo monstro Ricardo Darin, o melhor ator da atualidade, que aos poucos é arrastado, depois de sair da prisão e ter uma decepção familiar, para um golpe definitivo: o assalto a um tesouro que os ditadores guardavam num cofre, fruto de seus roubos.

O filme é super bem costurado. Tudo é previsível dizem os críticos. É a overdose. As tramas não são originais, o que se deve enxergar é como o filme se auto-referencia, como é construído dentro dos limites do cinema, em que as imagens e falas se referem ao fazer cinematográfico, a demonstrar sempre o ofício do autor/narrador incorporado em cada protagonista e em cada cena.

Ficção é uma arte difícil, por isso recorre aos critérios conhecidos. Não se faz uma casa sem alicerces, pois não? Não brinca de inventar a roda ou descobrir a pólvora. Mostra como funciona aquele desdobramento narrativo e nos surpreende pelo esplendor das interpretações, em que tudo se humaniza em oposição à barbárie da história flagrada pela doçura da memória.

A sequencia final na neve (obviedade, dizem os criticos) é um poema belíssimo, quando a morte faz um aviso no voo do condor, que transcende a saga em direção ao céu. Eu achei o máximo.Podem dizer o que quizerem, mas não sofro de nariz torcido. Darin tirando sarro dos lugares comuns dos filmes policiais num elevador usado para o golpe e concluindo que abandonou essa subliteratura para ler os clássicos na prisão é um sinal de que a sofisticação cultural nãoprecisa posar de original. Basta revisitar o que emociona desde os tempos remotos, com talento e gana. Não precisa mais do que isso.

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