31 de agosto de 2017

A CARTA



Nei Duclós

O poema é um refúgio na trincheira
No canto dos feridos, longe da cartucheira
No intervalo das sessões de metralhadora
Quando os canhões meditam mudos e raivosos
aguardando os cálculos da mira

Dada a emergência, a situação insustentável
Só se exercem versos urgentes para o futuro luto das famílias
Oficio a cargo de oficiais desesperados
sargentos arrependidos

Dificilmente um soldado raso se arrisca
Temendo o deboche dos camaradas
pelos seus garranchos e a gramática
E principalmente se forem cartas de amor

Por isso ele criptografa
Colocando desenhos variados no papel
Querida, ele põe um anel
Te amo, um jarro de flor
Saudade, uma palmeira de praia

Sua carta chega depois da guerra
junto com o telegrama das baixas
O que ele escreveu para ti? perguntam
Nada, diz ela, mostrando a charada

À noite ela lê com o auxílio de um caderno escolar
Do tempo em que, ainda criancas, ficaram noivos


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