21 de agosto de 2017

MUITO ALÉM DA GARGALHADA



Nei Duclós

Qual o sentido, o significado da comédia? Fazer rir é só um detalhe. Há algo mais profundo. Ontem publiquei trecho de um texto de 2006 sobre Jerry Lewis, que ilustra esse post com uma imagem de The Bellboy, de 1960, onde ele, roteirista, diretor e intérprete principal, abusa do non sense, homenageia seu idolo Stan Laurel e passa o filme todo sem dizer uma palavra. Nesta cena, ele dubla com gestos uma big band interpretando um chefão furioso dando bronca nos seus subordinados. Os impropérios são os sons da banda. Gênio.

Reproduzo agora a abertura desse ensaio, que aborda a comédia além do riso, como criação cinematográfica de alta intensidade. Jerry e Chaplin não serviam apenas para "dar boas gargalhadas". Eram intensos, múltiplos, completos. Iam além do perfil de comediante, Aqui, o trecho prometido do texto de 2006:

Comédia é uma situação em que o excluído tenta fazer parte dela e, como não consegue, acaba destruindo o cenário. O que era para ser uma celebração, uma festa de aniversário ou casamento, vira guerra de bolos e tortas, graças à intervenção de um desastrado, de um outsider. No fundo é drama: quem está por fora sofre para ser visto como um membro do clube, mas sempre será o estranho, o freak, o bobo.

É drama também porque a reação do personagem, então encarado como comediante, demole o que o exclui e com isso perde a chance de fazer parte daquilo que sonhou. O que mata as pessoas de rir é o esforço malsucedido de alguém num ambiente onde só é permitido fazer tudo de maneira correta. O exemplo clássico é o pastelão. É assim que o palhaço denuncia a violência que o joga no lixo, virando contra os convidados o enxovalho da própria condição.

Chaplin conseguiu revelar o drama como a verdadeira face da comédia, já que atrai pelo riso a atenção que desemboca na lágrima. Chaplin inspirou-se num conto do revolucionário escritor americano John Reed, O Capitalista, para criar seu vagabundo imortal. Reed denunciava a necessidade das aparências de um excluído, que tentava vestir-se como a elite mas que se revelava, comicamente, ao enfrentar qualquer situação de conflito. Esse achado brilhante levou Chaplin a navegar nas mesmas águas do autor de Dez Dias que Abalaram o Mundo, a grande reportagem sobre a revolução russa de 1917.

A fonte da comédia era a consciência de classe, o que colocou Chaplin o tempo todo contra o conservadorismo americano, crise que o levou para o exílio na Suíça. A exclusão, em Chaplin é social, mas em Jerry Lewis, é comportamental..


Nenhum comentário:

Postar um comentário