10 de agosto de 2017

TUA CANTIGA, DE CHICO BUARQUE: A VOZ DO OUTRO



Nei Duclós 

O país dividido inunda Chico Buarque de equívocos. Autor da letra da canção Tua Cantiga, sobre melodia do pianista Cristóvão Bastos, do seu novo álbum, ele foi atacado por todos os lados. Pelas hostes adversárias, que não perdoam suas posições políticas e por isso querem demolir qualquer coisa que faça, confrontando uma obra que há 50 anos conquista a nação (e não me falem em plágio; ninguém tem tantos colaboradores geniais por tanto tempo). E também pelas aliadas, que se decepcionaram com o verso “deixo mulher e filhos” incluído na letra.

É uma batalha perdida tentar convencer as pessoas que todo poema tem um personagem oculto, que é o narrador do poema, que é diverso do autor. Podem ter coisas em comum, mas não obrigatoriamente. No caso, o narrador da letra é um pai de família que se declara à amante de maneira dramática, no clima (só no clima) do samba canção. embalado por uma melodia de trova popular, ancestral, que resgata sons antigos criados pelo povo e seus grandes talentos. Chico pertence a esse trabalho desenvolvido por alguns grandes talentos como ele. Ou será que você vai deixar de gostar do que sempre gostou só porque ele é a favor do que você execra politicamente?

É o narrador do poema, o personagem ferido de amor que se desespera diante da amada que teme perder e diz coisas delirantes como romper com a família. Li por parte de algumas comentaristas de Tua Cantiga que “brocharam” com essa atitude incorreta do Chico. Ou seja, esperam que o autor seja seu personagem, como se ele fosse o emérito amante real de tantas canções inesquecíveis sobre relacionamento. Chico é também autor teatral, ele faz dramaturgia com a poesia em forma de canção. Portanto, não precisa se decepcionar com um script de escracho amoroso, que tanto rendeu para a música brasileira.

Eu gostei de Tua Cantiga. uma parceria perfeita de Cristóvão Bastos e Chico Buarque, um artista que tem a capacidade de síntese cultural rara no país hoje em desconstrução. Ele faz parte do Brasil soberano, de uma linhagem que tem sólida base na música popular, no som dos grotões, dos bairros de classes diversas, mais a radiofusão musical comandada por grandes maestros no passado, além de ser um cidadão letrado, filho do maior erudito do país, Sérgio Buarque de Holanda, autor da nossa obra máxima, Visão do Paraíso. Causa espanto nas hostes adversárias tão sólida formação ser a favor de um lado político envolvido em tantos equívocos. Mas não fôssemos todos nós, brasileiros, idiotas políticos, não estaríamos nesta sinuca de bico. Portanto, ouça sem romper com o aliado ou avançar contra o inimigo.


RETORNO - Corrigi a omissão anterior do nome do autor da melodia Cristóvão Bastos. Esta versão é a que vale.

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