3 de setembro de 2017

O TEATRO DAS REDES SOCIAIS



Nei Duclós 

Autodidata é quando aprendemos por conta própria, sem auxílio da educação oficial,mas prefiro ver como uma decisão da criatividade, quando dispomos do conhecimento nos moldes que nós mesmos formatamos. De teatro sei o básico, mas gosto de assumir o espírito ensaístico que procura entender os assuntos por meio da invenção ou da elaboração do que flui pelo imaginário. Acho que as redes sociais são a grande arena de teatro de hoje, com seus personagens, roteiros, diálogos, imagens, vozes e "a contribuição milionária de todos os erros", como dizia Oswald de Andrade. O teatro mesmo continua firme, mas à parte do que se estabelece aqui neste espaço social onde todos são intérpretes e autores.

Assim como o cinema, a televisão, a arte e a literatura, o teatro também foi devorado pela grande Ágora de interação e debate que são as redes sociais, que pela sua multiplicidade e acesso disponível para todos não tem esse carisma tradicional das representações clássicas e por isso é esnobado como manifestação menor. É uma grande salada em ebulição permanente, onde confluem e muitas vezes perecem autorias, ideias, conceitos, gestos, memórias, planos, fatos e mentiras.

Acredito (não tenho certeza) que na Grécia antiga o teatro era um plano B, um sistema que existia à parte do grande sistema macro formado pela política, os negócios, as guerras, os ofícios, as academias. Interagia com o que acontecia nesses espaços, especialmente o da praça pública onde se manifestavam as muitas camadas da população, mas não era o próprio sistema “real”, nem apenas uma representação, embora tivesse muito de representação. Era um universo à parte, com suas histórias, tramas, reis, assassinatos. Tudo muito parecido com a vida real, mas existia como respiradouro social. 

Não que a sociedade respirasse pelo teatro, já que ela tinha seus próprios meios, como é o caso da guerra e da riqueza, maso teatro era a própria respiração que os espíritos exerciam como vidas paralelas, para desenvolver talentos, desaguar a imaginação, alcançar outros mundos. Grécia e Roma eram sociedade altamente espiritualizadas, haja vista a quantidade de templos em homenagem aos deuses. O conceito de pagão não cabe em civilizações que não desprezavam os sonhos, os sinais, os augúrios, as charadas e onde o poder físico se submetia ao poder espiritual, não na figura dos sacerdotes poderosos,(às vezes, sim)  mas na fé que os reis tinham nesse mundo além dos limites físicos.

É um paradoxo que depois de tanta experiência religiosa nos debatamos com o pragmatismo e a mediocridade nas redes sociais, tomadas pela violência verbal e os gaps que dividem grupos, destroem amizades e não deixam vir à tona o que pode haver de melhor entre nós, que é a graça e a força do talento da criação artística. Há muita oferta, mas não hegemonia do amor e da arte no mundo onde estamos.

As redes sociais são a oportunidade de levarmos tudo isso a sério e contribuir com nossa esperança, estudos, experiências para que possamos nos identificar num nível mais acima. Isso sim pode interferir na paisagem lunar da política e dos negócios. É como se os reis antigos acabassem reproduzindo o que tinham visto nas peças. Talvez os autores teatrais fossem os roteiristas da realidade que não conseguiam dominar. Seria bom pensarmos nesse sentido e colocar as mãos à obra por algo que nos transcenda e as futuras gerações agradeçam.


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