30 de dezembro de 2018

PÁSSAROS SILENTES

Nei Duclós


O que fazer depois da obra pronta?
Juntar de novo os materiais.
Provocar combinações inéditas.
Observar os pássaros silentes
de um laboratório a céu aberto.

Vislumbrar a flor quando ela passa.
Decorar o espírito com vestimentas
perenes. Trabalhar o ouro disponível.
Usar a bateia. Cobrir o rosto devoto
e iluminar os olhos vindos da sombra



O MAR NA VARANDA

Nei Duclós


Mar é só memória
Uniformes no sótão
Roupa de ir embora
Dourados de gala

Antes da vitória
A última valsa
Marinheira a bordo
Me trouxe de volta

Os pés ainda guardam
Medos de convés
Coragens em guarda
Hora de ser sóbrio

O mar sobre a varanda
Onde escrevo a história
O amor ainda comanda
Os marujos de outrora




MUDANÇAS

Nei Duclós


Somos feitos de adeus, de despedidas
Não cabe tanta estação ou aeroporto
Nos abraços cada vez mais lotados
De perdas, distâncias, saudades

Recomendações para quem? se os vínculos se esgarçam
num efeito dominó previsível

Quando voltares já terei mudado
de casa, de rua, de cidade
E não me acharás em nenhum endereço

Somos feitos de adeus
Acenos do cais
Cartas escassas

Abra o presente que enviei
Coração calado




28 de dezembro de 2018

O SONHO ÍNTIMO DO CINEMA



Nei Duclós

A chave para decifrar dois filmes, um chinês, Pérolas no mar, de 2018, e A Travessia, de 2015, ambos na Netflix, são as cenas em que os protagonistas se deparam cara a cara com o seu sonho, que significa anular todo o entorno e enxergar apenas o que foi projetado como o evento mais valioso de toda uma vida. O rapaz que perde o grande amor porque se concentrou demais no jogo de computador, que narra o desencontro amoroso, consegue ver o que projetou quando há a separação e daí vem sua fortuna. Enquanto o equilibrista francês Phillipe Petit que em 1974 cruzou clandestinamente oito vezes numa só manhã o espaço de 44 metros entre as torres gêmeas (de 400 metros de altura) em Nova York, sem cabo de segurança, só consegue sua façanha quando todo o entorno some e fica ele apenas diante do fio que o levará ao infinito e o vazio que poderá tragá-lo, mas que no fundo o inspira.

Os dois filmes abordam o sonho íntimo e pessoal do cinema dos protagonistas, que inventam uma saída para suas vidas e seu anonimato arriscando tudo o que atrapalha no entorno. Pois nada importa para o chinês que visita a família todo ano novo ou o equilibrista  que desenvolve sua arte virando artista de rua. Ganhar a vida com malabares ou vendendo discos piratas de jogos no metrô e nos túneis de Pequim são a tralha cotidianas de jovens que só poderão ascender pelo desafio extremo, arriscando tudo. Para isso criam o cinema que lhes diz respeito: na tela do computador, ou no espaço aéreo de Nova York, o sonho se realiza pela invenção do que realmente interessa para eles.

Os espectadores podem se enrolar na visão múltipla da China Continental e suas paisagens, de Pequim e seus problemas e promessas, da Paris com suas chuvas e pobrezas, de Nova York com seus perigos e encantos. Mas o cinema mesmo é o que cinema trata: as imagens e sons do equilibrista solitário com sua percepção única do abismo e sua frágil ponte, e o especialista em software que acredita na sua história e se concentra nela até conseguir dar o salto.

Dois grande filmes. Pérolas no mar (o presente prometido do verdadeiro amor) é de Rene Liu cm o casal de intérpretes  Boran Jing e Dongyu Zhou. Phillipe Petit é interpretado por  Joseph Gordon-Levitt no filme de Robert Zemeckis. A mocidade ajuda o mundo a se superar pelo esforço e o talento. E o cinema é seu íntimo testemunho.



26 de dezembro de 2018

AREAL DESERTO

Nei Duclós


O que é contemporâneo eu ignoro
Só acordo quando o tempo passa
e eu nem anoto a placa

Invento então a memória
já que não lembro
Sou o resultado desse espaço bizarro:
saber o que digo por falta
Essa ausência que preencho com palavras
recolhidas nas pistas 
que a realidade deixa em praias disformes
onde medra o cacto alimentado de sal
e nenhuma sombra no areal deserto



23 de dezembro de 2018

BIRD BOX: O MAL SEDUZ PELO OLHAR




Nei Duclós


Bird Box (2016, Netflix) , de Susanne Bier, com Sandra Bullock e John Malkovich, roteiro de Eric Heisserer sobre livro de Josh Malerman, é a longa jornada de uma pintora que é obrigada pelas circunstâncias – o suicídio da população - a assumir a indesejada maternidade. Ela estava confinada em seu apartamento, desconfortável em relação à gravidez, participando da sedução do olhar, criando imagens para o mundo dominado pelo visual. Para assumir seu filho – e de quebra, a filha que a amiga lhe confiou antes de se matar - precisava romper com esse vínculo e isso acontece quando o mundo inteiro se corrompe pelo olhar.

Ver é o verbo do cinema. Assim como Chaplin pergunta para a florista que foi cega se agora podia ver, como Spielberg que mostra a invasão alien por meio de robôs com olhos poderosos, como Kubrick que mostra a necessidade da elite de não ser vista, como Fernando Meirelles baseado em Saramago que confina as pessoas cegas num cenário apocalíptico, também a diretora de Bird Box mostra que renunciar a olhar o que está fora de casa e ficar vendo só o que esta dentro de si mesmo pode ser a salvação.

O que leva as pessoas ao suicídio? A visão de algo assustador. Quem sobrevive a essa crise terminal são os que tapam os olhos e se refugiam em casas abandonadas com as janelas fechadas. Há os que enxergam o Mal mas continuam vivos, tentando levar os que restam do massacre ao caos que eles agora compartilham, a exemplo do clássico Vampiros de almas (de Don Siegel, 1956), em que os habitantes de uma pequena cidade aos poucos são levados a mudar de personalidade e apoiar os invasores extraterrestres. Esses traidores usam a voz para convencer as pessoas a tirarem as vendas dos olhos e assim cair na armadilha.

Bird Box clona bastante o filme de Meirelles baseado em livro de Saramago, mas se sustenta com suas particularidades e as performances dos astros Sandra e Malkovich, que encarnam o conflito da mulher lúcida contra o imbecil grosseiro. As mulheres são sagradas – a irmã, a amiga, a médica – e os homens essas criaturas asquerosas, com exceção, claro, dos personagens negros, o atendente gordinho de supermercado e o amante musculoso, que se sacrificam pelo bem de todos. Os brancos malvados também morrem, mas sem dignidade.

Os heróis são os pássaros, que alertam para o Mal. Quem se salva são os cegos, que não são seduzidos pelo olhar. A natureza foi dominada pelo crime e pela sombra, mas fica uma esperança de que isso possa ser revertido a partir das lições aprendidas.

Um bom filme sobre o olhar – ou seja, sobre cinema.


DESPERTOU-ME O SOL


Nei Duclós 

Despertou-me o sol
que eu trago dentro
Despertou- me o sol
que estava morto
Com um simples olhar
que não confesso
Era o amor, mas quem se importa?

FAGULHA DA OFICINA

Nei Duclós


Falei demais e em vez de ficar mudo
Voltei a dizer, só por teimosia
Repito o que vivo fazendo poesia
E jamais enterro o verso que cultivo

Assim perco a atenção de quem me via
Como promessa de assombrosa profecia
Pois nunca chega o que insisto no poema
Antes se esgota na própria fantasia

É da natureza deste pobre ofício
Malhar sempre o mesmo ferro frio
A graça não está no que produzo
Mas na fagulha e no barulho da oficina

Está exposto mas nada se aproxima
Do obsessivo pendor de ser sozinho
Queimo as mãos, esgoto o corpo exausto
Enquanto a obra se dispersa no conflito



22 de dezembro de 2018

ROMA: CINEMA FORA DO CINEMA


Nei Duclós


Alfonso Cuarón filma o que não faz parte do cinema, o que está no fim ou fora das sessões vespertinas dos anos 70 num bairro da cidade do México, Roma, que dá título ao seu novo lançamento, disponível na Netflix. O que não existe nos filmes clássicos vistos por casais pobres, mas existe nas rotinas domésticas de crianças e mulheres de uma casa de classe média, é o que ocupa o cineasta de Gravity, seu grande sucesso que nasceu do impacto sobre ele, criança, de 2001, de Kubrick. Ele reproduz uma cena de 2001 – a do astronauta que sai da nave para resgatar o colega morto pelo supercomputador Hal – mas com atores mexicanos. É a forma de dizer que o cinema vem de fora e impacto o interior de cada um e se refaz é adaptado ao mundo pessoal.

Cuarón filma pequenas tragédias das mulheres, a gravidez indesejada, a separação brutal, o stress de momentos terminais. Especialmente quando a empregada doméstica vai falar com o pai da criança que ela carrega ainda no ventre e este o agride com sua fúria de filme de Bruce Lee. O mesmo sujeito estúpido faz parte da polícia e participa do massacre de estudantes insurgentes.

Cuarón filma a rotina doméstica das empregadas, da dona da casa, do marido, da avó, das crianças, todos reunidos em torno de programas humorísticos de TV, que é uma representação do que o cinema também não mostrava, pois a televisão na época era marginal á Sétima Arte. O filme, em clássico preto e branco, é um achado cinematográfico desse grande diretor, que enfrenta o desafio de filmar o que o cinema omite e nos revela a grandeza das imagens aparentemente banais, mas que estão plenas de heroísmo, amor, esperança, luta e dor.


FALTA


Nei Duclós

Falta a voz, que vinha da origem
Ninho de um convívio como o trigo
Que de semente cresce em fogo firme
E se reparte em mesa, cama e vinho

Falta a conversa sobre mar e passarinhos
O galpão que o amor faz em rodízio
Atrás da casa ao lado de um riozinho
Em que espantamos a pressão das mariposas

Falta um lugar que tenha sido nosso
Um sítio ou aldeia em livro antigo
O gado que eu recolha sob a chuva
A lã que seja o abrigo dos domingos

Falta, porque hoje somos fruto
Das estações que perderam o sentido
Veio o verão, onde está teu sonho
Que antes do banho eu agarro no vestido?



20 de dezembro de 2018

SEM PERDÃO

Nei Duclós


Não podes vIr, já que foste embora
E puseste pedras nas trilhas do acesso
O perdão não é contigo, pétala no exílio
Vocação de espinho e dor da memória

Ainda usas o perfil de lua sonhada
Que fiz para ti na noite de rainha
É porque continuo vivo, perda de uma vida
Embora tua ausência preencha todo o espaço

Eu sabia que o amor tinha esse desfecho
Mas não para nós, união indissolúvel
Mas o destino mostrou a identidade
dos frutos que no outono caem esquecidos

Não peço que voltes, não há mais caminho
Foste a beleza que um cruzeiro confuso
Afogou junto com os sons de um violino
Havia naufrágio e eu só via as estrelas
Quando acordei eu jazia no fundo



MÍNIMO

Nei Duclós


Esqueci todas as palavras
Fiquei sem nada
pois as coisas são parte da linguagem

Boiei no que existe apesar do verbo:
Teu perfume distante e o ruído mínimo
Do pingente que prendes no lóbulo
Que eu jamais beijei por não saber o que te dizer, fada



SONHO LIVRE


Nei Duclós

Gosto de tudo. Teu passo aberto para o mundo
O rosto impassível mas maduro
O balanço do andar, bandeira sem estudo
O olhar perdido de quem não procura

Gosto de acordar e já estás pronta
Soldada de inúmeros compromissos
Enquanto eu me demoro, nos minutos
quando estudo minha preguiça
De não sair à rua

Preparo o dia junto ao desperdício
De seres tua própria opção de ofício
Comandas uma nação, o sonho livre
De me levar de arrasto com teu brilho



15 de dezembro de 2018

RISCOS NA AREIA

Nei Duclós


Palavra não é ação, são só palavras.
Riscos na areia antes da maré.
Ação é a maré
e o barco que aproveita para chegar no cais
ou lançar-se ao alto mar.

Ação é navegar. Mas depois que se esfuma
só existe como testemunho da história por contar

Palavra é ação para não deixá-la morrer.



13 de dezembro de 2018

APOLO X DIONÍSIO NAS ESTAÇÕES DO PODER


Nei Duclos 

O Estado não pode romper com a própria lei sob pena de esfacelar-se. É o limite do seu poder, o de não contrariar a lei civil que é o compromisso da outorga de autoridade da nação ao seu soberano. Como Henrique Oitavo tinha sido coroado à luz da lei que o ungia soberano, uma lei da Igreja, que legitimou seu casamento com a cunhada, o poder espiritual fazia parte do poder civil. Ele não poderia divorciar-se da rainha Catarina, que não lhe dava filhos, para casar-se com Ana Bolena.

Mas Hobbes acaba sendo confrontado por Nietzche, pois o apolíneo sir Thomas Morus mantem-se fiel à lei que legitimou o trono – o que correspondia à obediência ao Vaticano – e o dionisíaco rei ruivo queria mesmo era garantir sua descendência e fazer filhos na esposa ilegítima para evitar uma guerra pela disputa do poder após sua morte. Ele era o Estado forte que arriscava sua existência contrariando a lei e seu adversário era um renitente advogado, um homem honesto e considerado em toda Europa, que se o apoiasse legitimaria a transgressão. Mas seu chanceler não se dobrava à separação com o Vaticano e a unção do rei como chefe da igreja inglesa. Nem com o divórcio, nem com o novo casamento.

Seu silêncio sobre essa questão o condena, diz o promotor para acusá-lo de alta traição. O silêncio é de quem se cala e quem cala consente, retrucou o grande advogado, arrancando gargalhadas da platéia, que o admirava. Mas sua sorte estava decidida. Pela janela da sua cela, ele via as estações se sucederem sem que houvesse solução para seu caso. Em qualquer tempo, sua posição er a mesma. E por isso foi decapitado a mando de um rei que matou todo mundo envolvido nesse trágico episódio anos depois. E que passou à história como um bufão, enquanto Sir Thomas é o grande autor da Utopia e o admirável chanceler que não se dobrou aos caprichos do rei.

O autor da trama, Robert Bolt, britânico, é gênio: fez o roteiro a partir da sua peça, que por sua vez se baseou num episódio radiofônico que ele mesmo tinha produzido para a BBC em 1954. O filme é de 1966 e teve nas mãos de Fred Zinemman , o austríaco ganhador de quatro Oscar, naturalizado americano,  a direção certa, e rigorosa. O design do filme é revelador. Os barcos que levam Sir Thomas são um modelo de ordem e equilíbrio e deslizam pelas águas com a serenidade do poder instituído. Já o rei quando se aproxima da mansão do chanceler, de barco, é representado pelas águas turvas do lago, em que as imagens se distorcem. Ao mesmo tempo, a sequeêcia da aparição de estátuas definem as muitas estações do poder neste The Man For All Seasons.

Bolt ganhou Oscar por este filme e por Doutor Jivago e foi indicado por Lawrence da Arabia, ambos de David Lean, em que conseguiu definir o conflito intimo do tenente inglês nas areia do deserto. Roteirizou ainda A Filha de Ryan, também de Lean, com Robert Mitchum e a esposa de Bolt, Sarah Miles.

Os atores são definitivos: Paul Scofield como austero e irônico Thomas Morus, Robert Shaw como o bobalhão dono do trono, John Hurt como o jovem traidor, Orson Welles como o terrível arcebispo, SuzanaYork como a dramática e encantador filha do chanceler etc.

Vi este filme muitas vezes ao longo da vida. Uma obra para todas as estações



11 de dezembro de 2018

LAZZARO FELICE E O ETERNO RETORNO


Nei Duclós

(Atenção: texto com spoiler)

Lazzaro morre,portanto permanece o mesmo: o bom rapaz do interior, prestativo e sem nenhuma maldade, que acaba sendo envolvido por uma sucessão de crimes e maus personagens. Na sua busca ao ressuscitar vai atrás de alguém que se diz seu meio irmão, sua outra identidade, que é o filho da marquesa exploradora de uma comunidade de aldeões e que produz tabaco clandestinamente e acaba sendo expulsa pela concorrência monopolista e pela indústria financeira, que a tira da terra junto com os moradores e em troca oferece apenas ruínas.

Lazzaro encontra seu meio irmão já velho e pede que ele retorne ao início, quando todos eram explorados mas tinham um vincula com a terra, enquanto no presente são apenas mendigos, despossuídos de tudo e que sobrevivem com pequenos golpes e biscates. O lobo que o encontra morto, que o vê ressuscitar e é também testemunha do seu assassinato numa agência bancária onde foi confundido com um assaltante, retorna à terra abandonada trafegando em meio aos carros e à poluição da grande cidade.

O filme não prega a volta à exploração, antes a denuncia. Mas coloca a diferença entre uma situação em que os aldeões estão vinculados à terra e tinham intactos seus hábitos e cultura e a situação escabrosa em em que são párias, golpistas eventuais e comedores de batatinha chips vencidas. No fim, o estado politicamente correto que condenou a marquesa por explorar trabalhadores e fazer comércio ilegal de tabaco apenas ajudou a eliminar a concorrência do monopólio e aumentou o patrimônio da indústria financeira, que nada faz pela terra, antes a abandona para especular em função de mais lucros.

O velho lobo que devorava cabritos e galinhas porque tinha sido expulso da matilha por não ter mais o pique da caça é a metáfora de um povo desenraizado que sobrevive por teimosia e sonha com o retorno a sua vida numa fazenda de nome inviolata. É a inocência perdida, da qual Lazzaro é a metáfora maior. O rapaz simples que permanece idêntico, lembrando a todos que é possível viver novamente a vida simples, mesmo em situações precárias. Trata-se de um confronto com o politicamente correto e a urgência de se retomar àvida verdadeira de um povo que veio da terra.

Não vi em nenhum lugar essa ligação entre o filme LAZZARO FELICE (2018) e o mito do eterno retorno que , segundo a Wikipédia, “é um conceito filosófico do tempo postulado, em primeira vez no ocidente, pelo estoicismo e que propunha uma repetição do mundo no qual se extinguia para voltar a criar-se. Sob esta concepção, o mundo era retornado a sua origem através da conflagração, onde tudo ardia em fogo. Uma vez queimado, ele se reconstruiria para que os mesmos atos ocorressem novamente. Mais tarde, Friedrich Nietzsche também define esse conceito em sua obra. Eterno retorno. Um dos aspectos do Eterno Retorno diz respeito aos ciclos repetitivos da vida: estamos sempre presos a um número limitado de fatos, fatos estes que se repetiram no passado, ocorrem no presente e se repetirão no futuro, como por exemplo, guerras, epidemias, etc. Com o Eterno Retorno Nietzsche questiona a ordem das coisas. Indica um mundo não feito de polos opostos e inconciliáveis, mas de faces complementares de uma mesma—múltipla, mas única—realidade.”

Não vi referências a esse conceito nas resenhas e entrevistas, mas acredito, como a brilhante roteirista e diretora do filme, Alice Rohrwacher (que escolheu o talentoso e jovem ator Adriano Tardiolo como protagonista) que “é sempre difícil falar sobre inspiração porque acredito que há inspiração muito mais involuntária do que inspiração voluntária. Quero dizer involuntário, no bom sentido, porque acho que o bom cinema deixa um efeito subconsciente duradouro nas pessoas. Há muitas referências inconscientes e não posso falar sobre inspiração sem reconhecer isso.”

10 de dezembro de 2018

O MAR ENGOLIU A LUA

Nei Duclós


O mar engoliu a lua
Guardou-a a sete chaves
Não permite mais soltura
Agora é sua propriedade

Reclamo do latifúndio
Quero meu naco de lua
Tranquei-a na solitária
Disse o servo de Netuno

De vez em quando flutua
Da sua cela covarde
Um prêmio pela conduta
Não some no fim da tarde

Ela reveza por turnos
O mecanismo das fases
Falta a Cheia, o plenilúnio
Que continua nas grades

Estrelas inconsoláveis
Imploram misericórdia
Devolva em poças da rua
Que a chuva chorou saudade



9 de dezembro de 2018

DIZER ADEUS

Nei Duclós


Dizer adeus é a nossa marca
Somos a nação que se aparta
Cada um escolhe um rumo fora
Dominamos o estilo do fracasso

Ficam os pés, vão-se as conversas
Âncoras de um passado irremediável
Palavras ditas ao vento, escritas falsas

Digo-te adeus, bela flor silente
O amor era um luxo para teu bruto servo



8 de dezembro de 2018

DEPOIS DA GUERRA

Nei Duclós


Eu poderia ser tudo
Acabei sendo nada
Repasto de palavra
Sonho no monturo

Eu poderia ser nada
Acabei sendo tudo
Comboio de leitura
Estante sobre as águas

Sou como escrituras
Esquecidas num jarro
Couro sob a gruta
Sinais postos ao largo

Pastor de letras magras
Miséria em testamento
Restos de parábola

Eu poderia ser mudo
Ninguém desconfiaria
Mendigo a pé na estrada

Mas alertei os gigantes
Pedra sobre a testa
Lição na vassalagem

Eu poderia ter estudo
Carreira com registro
Autor de calibragem

Acabei como um soldado
Que volta deslocado
Da guerra onde foi tudo



7 de dezembro de 2018

AS PORTAS DO MUNDO

Nei Duclós  


As portas do mundo mudaram de lugar
Procuro em corredor de terra e mar

Não é o sonho que impede acontecer
Nem a idade porque ainda sei contar

Não reparto mais o mesmo coração
Fiquei na estrada vendo o tempo anoitecer
Mesmo a lua, tão familiar
Hoje mais parece uma estranha de metal

As portas do mundo mudaram de lugar
Não há como chegar de outra encarnação



4 de dezembro de 2018

ÁGUIA

Nei Duclós


Em vez de ficar na planície, que é o meu lugar
Subi na montanha para te impressionar
Me mandaste de volta sem sequer me olhar
Achei melhor, pois me faltou o ar
Subir é contigo, águia em extinção
Perco a noção ao te ver voar



3 de dezembro de 2018

THE AFFAIR: TRAIR É PECADO



Nei Duclós



A longa (4 temporadas e 40 episódios na Netflix) e interminável série (anunciam mais uma temporada) The Affair é um pacote dramático sobre tragédias familiares embalsamadas como um convite à permissividade (as mais ardentes cenas de sexo explícito). Criada por Hagai Levi e Sarah Treem, tem boas performances de Dominic West, como o atarantado escritor de sucesso, Ruth Wilson, como a rica esposa traída e a bela Maura Tierney, a garçonete que seve de estopim para o rolo todo.

Famílias são destruídas, desejos punidos, sonhos desfeitos, com a morte rondando os personagens e os diálogos à luz da moderna psicanálise tentando colocar ordem na bagunça, mas quem vence é a tradição (trair é pecado), e quem perde são os filhos, esbagaçados pela separação e vítimas do descaso e irresponsabilidade dos pais. Há um esforço de todos assumirem suas culpas e se esclarecerem sobre onde fracassaram, o que faz os relacionamentos serem meros coadjuvantes de algo maior, a necessidade de existir um mínimo de ordem no caos provocado pelas aventuras amorosas.

Trata-se de uma elite originada no comércio e nos serviços – escritores, donos de lojas, cirurgiões, especuladores financeiros, corretagem – e não na indústria. O nível econômico é alto e deveria facilitar os andamentos, mas tudo se complica nesta anti-comedia romântica, em que parece denunciar a velha cisma do cinema americano com o sexo – lembram-se das camas separadas dos casais na época da censura? ou das tragédias que se sucedem imediatamente a um ato sexual. evento recorrente no cinema gringo?

Talvez seja esse o involuntário objetivo da série, muito bem feita e fonte de ansiedade em todos os episódios (sempre há uma situação constrangedora): o de manter a punição à permissividade, mesmo com todas as liberdades permitidas pelos novos tempos. No balanço final, fica a impressão de que nada mudou, a não ser a profundidade maior do medo, da depressão e da infelicidade, agora explícitas, libertas de toda censura.

A série é também um passeio pelos Estados Unidos, com detalhes geográficos e de comportamento bem focados numa produção esmerada, rica e que ganhou dois globos de ouro, um para cada uma das atrizes principais. A performance dos atores e atrizes é em geral boa, mas mediana, apesar da boa concentração e do aspecto convincente que dão aos seus papéis. Quem se destaca é Maura Tierney, doce e trágica, interpretando a mulher que perde um filho, tenta consertar sua vida com um homem casado e acaba sucumbindo ao entorno doentio da nação envolvida em guerras pelo mundo todo e com riquezas em excesso para tanta precariedade humana.


2 de dezembro de 2018

DOLOROSA PROMESSA


Nei Duclós

Faz tempo que não apareço
Deixei-me ficar entre espinhos
Maneira de ser quando há pressa
De ver sem ajuda do verbo
Saber, dolorosa promessa



NA CLASSE

Nei Duclós

Devemos nos perguntar o que o pintor eliminou para selecionar o que vemos nesta pintura apresentada em classe.

A cena se reporta a um entorno que foi sendo desfeito para podermos enxergar o que realmente interessava mostrar.

Sabemos que na nossa frente há um cena urbana mas sem os elementos que deveriam identificá-la. Não ha uma rua, um hall de edifício, nem carros. Há o perfil exato não de uma sobra mas de uma imposição, uma vontade.

Enxergamos uma fuga do acervo oculto e que deveria fazer parte dele. É como um quarto iluminado que oferece apenas a fresta mínima de luz junto ao piso. Vemos a cena pintada fugir por esse vão como se fosse a fumaça escura de um cigarro.

E que chega até nós tomando conta da sala vazia do nosso olhar. Precisamos estar com os olhos nus para ver o que o pintor apresenta.

Em primeiro plano há o volume projetado de um cavalo cinza sobre estante âmbar e sob ele em camadas lençóis dobrados de um roupeiro invisível. Mais nada?

Nada há na pintura que não seja fruto da eliminação a oferecer um destaque de formas, isentas como um relâmpago.


ABANDONEI O TEMPO

Nei Duclós


Abandonei o tempo à sua sorte
Cansei do mesmo e reacendi a vontade
Trafego agora por onde sou mal visto
Um sobrevivente sem direito à hospedagem
Nas ruínas a céu aberto



FAROESTE

Nei Duclós


Era minha vez, mas passei lotado
Fui substituído, ao fim e ao cabo
Os números do tempo deram o recado
Mas havia algo ainda mais trágico

Onde me recolhi era um pobre cenário
Como fachadas de uma rua de faroeste
Tardou a equipe de filmagem
E o duelo ao entardecer, nem por milagre



INTEIRO

Nei Duclós


Não fujo mais da realidade
Acordo para o nada, estou seguro
Meu corpo fica imune à dor e à sorte
O norte em minha bússola é o consenso
Concordo e me adapto, soa intenso
O que me escapa, mas é falsidade

Não ocupo o lugar que tanto amo
Pois aprendi o inútil sentimento
Guardo em baú as fotos e as lembranças
O sótão é a flor do ferimento

Proibo a visita do sonho
Terei chance ao continuar inteiro




30 de novembro de 2018

DZIGA-VERTOV: O TERCEIRO OLHO DO CINEMA


Nei Duclós

Vejo completo no you tube a obra prima de Dziga Vertov O HOMEM COM SUA CÂMERA, que está além do documentário ou do cinema verdade. Está nos fundamentos teóricos do cinema sem se render ao discurso narrativo da tradição literária, teatral ou ensaística, pois usa o cinema para mostrar como a Sétima Arte engendra a si mesma por meio das relações entre olho/câmera/realidade/montagem.  Ele mostra porque todo filme é sobre cinema. O protagonista é um câmera man em constante movimento que participa da construção da modernidade industrial, urbana, artística, social da União Soviética dos anos 1920.

Nascido Denis Arkadievitch Kaufman ( Białystok, 2 de janeiro de 1896 — 12 de fevereiro de 1954) adotou o nome DZIGA - palavra ucraniana que significa roda que gira sem cessar e VERTOV - do russo vertet que significa rodar, girar. Colocou-se à disposição do regime soviético depois que Lenin destacou o cinema como o principal meio de divulgação do novo regime. Ttinha como ídolo o futurista Maiakovski. Mas ele saiu da moldura do regime e projetou-se para os fundamentos da arte que o seu talento desenvolveu junto com o século.

No seu grande filme, o cinema é o flagrante que a câmara oculta (a que funciona como o olho do espectador) dá no cameraman e seu tema, a atividade humana em ritmo acelerado, em que o cinema segue o ritmo do trem, das máquinas em geral, dos carros e bondes, do impacto do corpo humano com seus limites diante das câmaras nos redutos do esporte etc. A montagem não é o que se vê hoje em que os cineastas querem se fazer de interessantes e cometem todo tipo de excesso. Vertov é criterioso na composição da sua obra, colocando sempre todos os elementos que compõem a natureza da Sétima Arte, inclusive as multidões de epsectadores que  assistem ao trabalho do cameraman, ou seja, do próprio cineasta.

Há o olhar do cameraman, o seu objeto filmado (inclusive o espectador  que aparece na tela) e o terceiro olho, que é o próprio cinema, o filme que estamos vendo. Mais não digo pois é melhor ver para crer. Está neste link, com legendas em português. O filme nos impulsiona para a criação, para deixarmos de perder tempo tendo à mão tantos recursos disponíveis para criar  e produzir conhecimento. Às artes, cidadãos!


RETORNO - Filme completo com legendas
https://www.youtube.com/watch?v=QZoddf7_GmQ

ENXUTOS

Nei Duclós

Livres da mútua admiração
podemos nos enxergar como de fato somos

Sem o álibi dos sentimentos
Ou os exageros da razão

Enxutos, como viemos a mundo
Necessitados a plenos pulmões



CONTENÇÃO

Nei Duclós


Tens o choro contido, como nuvem
Que não despenca, para não fazer ruído
Pudor de mostrar o que é explícito
E insistes em chamar de teu segredo

Mesmo os relâmpagos não são mais ariscos
Atordoam o ar com fotogramas
Enquanto indecisa te preservas
Se guarda para não ser consumida

O pior efeito é a escuridão da lua
De inacessivel brilho para o vento
E fique nesse temporal de plumas
Desperdício por não haver mais tempo

Chova, que tarda teu destino
Inunde a carne seca por dilúvio
Sou o pastor de olho na planície
Que abrigará o rio, o lago e a maresia



29 de novembro de 2018

O BARCO

Nei Duclós


O barco sangra o reflexo da nuvem
no adeus do dia
As águas estão imóveis
Mas um arrepio de pele
enruga o lençol do rio
velado pelo céu atônito

Meu olhar aguarda, tenso, o desfecho
como se os cardumes soubessem
que o mais leve movimento
poderá escurecer o mundo

Enquanto a tarde cai, inexoravelmente
E a noite é o sono futuro que sonhará a paisagem

Esta, que se revela
minutos antes
que o poema teste sua beleza

RETORNO - Poema sobre foto de Irene Schmidt.

O DOM

Nei Duclós


Perdi o dom da palavra
Que eu trouxe de outra vida
Desperdicei nas estrofes
De dura caligrafia

Não sei como resgatá-la
Na imensidão dos monturos
Sótãos abandonados
Em ruas já sem registro
Limo em fundos de rios
Pedras foscas em cascatas

Sou hoje desocupado
Moro em papelão e granito
Jogam versos das janelas
Para o sonado mendigo

São meus! Reconheço a letra
Do que doei pela estrada
Poemas feitos de barro
Onde soprei minha alma



26 de novembro de 2018

PENSAR É COMO UM TANGO

Nei Duclós


Pensei que pensar fosse moto contínuo
Mecanismo sem mestre do ofício
Espontâneo como o arco-íris
Broto de cogumelo depois da chuva

E a lógica um dom divino
Que cai igual ao maná no deserto
Que não precisava aprender o raciocínio
Bastava o fluxo permanente das ideias

Descobri então que colhia abobrinhas
Que não foram plantadas como os cactos
E que pensar é como diz Nietzsche
Um aprendizado como dançar

Não é para qualquer um
saber dar os passos de um tango argentino



25 de novembro de 2018

UM CAVALO

Nei Duclós

Aprendi na fronteira a ser invisível
Trilhar o mundo paralelo, externo aos vivos
Os que se celebram quando não enxergam

Já acostumei a ficar à parte junto com as estátuas
Sou um sem teto que se recolhe ao quarto
Não fui visto depois que fiz o ginásio

Poderia invocar o testemunho
De quem me viu certo dia não sabido
Mas todos já partiram

Se as pessoas fossem como os cachorros
Que não perdem uma
Talvez eu me transformasse
Seria material e explícito como um cavalo

Todo mundo vê um cavalo
Ele trota garboso e não perde seu tempo
Produzindo poemas



TUDO É AR

Nei Duclós


Tudo é ar
O amor que se foi
E parecia de mármore
A lição aprendida que não serve mais
As medalhas por bravura no pó do sótão
O presente que te dei ou recebi
Em Natais aprisionados em fotos

Tudo sopra de nenhum lugar
E te leva, pássaro que não aprende a voar



23 de novembro de 2018

ABANDONAR O OFÍCIO

Nei Duclós


Não basta ter nascido para isso
e bater o ponto todos os dias
É preciso colocar-se à prova,
abandonar o ofício para que ele sobreviva
e não jorre por todos os artifícios

Esquecer-se para que a palavra te siga
como a lua insiste quando emerge da nuvem



ÚLTIMO ESFORÇO

Nei Duclós

Deus quis ter um corpo
E fez Adão, para habitar o que estava pronto
Precisou dar um nome às coisas e outras criações
Para não confundir-se

Desdobrou-se em alguém mais
de fecunda natureza
Experimentou o espelho e suas surpresas

Abriu mão do trono quando, curioso, comeu o fruto proibido
O conhecimento levou-o finalmente à cruz
Seu último esforço de conserto





22 de novembro de 2018

ÁGUAS DA AVENTURA

Nei Duclós


Ulisses lançado ao mar
Amarrado ao mastro
Que a tempestade leva indiferente
Enquanto seu navio
Livre da viagem
Retorna à origem
Oposta à aventura

Escudo imune à lança do destino
Não rompe a hélice do moinho
Quixote quebra na página deserta
Toda estalagem é um convite à ruptura



NÁUFRAGA PANDORA

Nei Duclós


A ninguém mais pertences
Náufraga do poente
Mesmo que os deuses te celebrem
Em intimas fogueiras
E dances saudando a lua cheia
Para atrair os monstros

A ninguém mais pertences
A não ser a mim
Bruto conviva do amor ausente
Que te alimentou na praia coalhada de perigos
E construiu uma balsa de conchas e cactos
E te trouxe pelo pulso evitando tua entrega
À corte de Netuno
Com quem querias te afogar, áspera Pandora

Só a mim, confessor dos teus arrulhos
Que te prendeu ao vento com tiras de pano
arrancadas à força

Pois nao me querias
E só encontraste a mim
Triste figura de cavaleiro andante
Farol de vagalumes, algoz de gigantes



20 de novembro de 2018

RESERVAS

Nei Duclós


Guardo o momento longe do presente
Preservo o fruto que ele adoça isento
Para que ouça seu próprio recomeço
E não se perca no parco latifúndio
Da ambição que reduz tudo ao caroço

Carrego-o por um tempo, depois dispenso
Para dar lugar a outro laço do alvoroço

O mundo fica assim mais denso
daquilo que vivemos, mas sem tropeço

Rodeados de vivências libertas
Estaremos sempre prontos, corpos carentes do que virá
Apetite por mais amor, ou suas reservas



19 de novembro de 2018

CHEGAR PERTO

Nei Duclós
  

Chegar perto é uma arte
Fora do conforto da distância
Desafio de enxergar-se sem remorso
Para descobrir outra pele, mais remota

Tocar é o próximo passo, faça de ouvido
Escute o respirar, depois suspiros
E o roçar de ígneo assunto

Amor é a palavra que se vira
Abandona a solidão do ruído
E mergulha no som do espanto mudo

E isso é só o princípio, antes da mistura
Quando enfim o espaço entre sonâmbulos
Descobre o beijo, e ainda mais fundo
os ombros



AVISO DA LUZ

Nei Duclós


A luz de novembro me consola
Mas não muito
É da natureza do tempo ser amargo
Por isso produz flor e desenha o fruto
De um sorriso ainda forçado, esmola
que damos para os dias
que nos sobram

Palavras precisam vir à tona
Mesmo que pareça tosca a nossa arte
Ainda exercemos o duro aprendizado
Que os Mestres nos deixaram




16 de novembro de 2018

UM LIVRO DE DUAS FACES



Nei Duclós

Lanço hoje meu novo ebook DUAS PORÇÕES DO POEMA - Versos & Oficina, que reúne 120 poemas recentes, inéditos em livro, produzidos e divulgados neste segundo semestre de 2018 nas redes sociais, e mais 24 páginas de textos sobre poesia. Mantenho assim atuante minha Campanha do Livro para celebrar os 70 anos de vida, completados em outubro. É minha Feira do Livro particular, com impressos e em sua maioria com lançamentos virtuais. É um universo paralelo, que não entra em antologias mas tem boa repercussão entre os leitores, autores, e os inúmeras pessoas sintonizadas com este trabalho.

Resolvi unir os poemas com algumas pensatas esparsas sobre o ofício, para que fiquem registradas num volume e não fiquem perdidas no universo da internet. Criados para interagir com pessoas que fazem oficina comigo, servem também para atrair novos e eventuais interessados nesse curso formatado a partir da minha experiência e das muitas leituras que fazem parte da minha formação.

Adquira seu exemplar, entrando em contato por aqui, via Messenger ou pelo email neiduclos@gmail.com

Reproduzo a seguir a Apresentação do livro.

APRESENTAÇÃO

Neste novo ebook reúno poemas escritos no segundo semestre de 2018 e adicionei textos sobre poesia que desenvolvi nas oficinas literárias que eventualmente exerço para poucos autores e outros insights publicados na redes sociais. Faço assim um pacote dividido em duas porções, uma para a poesia, outro para a prosa sobre poesia.

Os novos poemas, todos inéditos em livro, procuram forçar a moldura com que tenho trabalhado ao longo do tempo, propondo soluções diversas para encontrar caminhos originais na difícil arte poética. Nem sempre conseguimos cumprir nossas próprias promessas, mas o importante é o exercício diário da palavra, disseminada como interação e amor aos contemporâneos.

NEI DUCLÓS

DUAS PORÇÕES DO POEMA - Versos & Oficina
Nei Duclós
Ebook, 140 páginas
Edição do Autor
2018
R$ 30


15 de novembro de 2018

AMOR DISPERSO

Nei Duclós


O que está dito na arte do poema
existe em outro plano
Podes trai-lo, falando tudo ao contrário
Agindo como se não fosses o dono
da palavra cerzida em sagrado pano

Ele não se abala e brilha no alto da montanha
Completo e soberano
Em sua plataforma de voo
Pertence ao patrimônio
que a palavra gesta para compor o universo

Foste apenas seu profeta
Beduíno de amor disperso
Vives na areia
restos de um tempo obsoleto



14 de novembro de 2018

TIM ROBBINS, A CARA LIMPA DO MONSTRO


Nei Duclós


É da natureza do seu trabalho o fato de Tim Robbins não parecer o que realmente é: um dos poucos atores de primeiríssimo time do cinema. Sua cara limpa, sua altura desmedida em relação aos seus interlocutores, o disfarce nos papeis em que parece ser um assessor de boa vontade do chefe da prisão e é um fugitivo trambiqueiro(Um sonho de liberdade), parece ser um cara favorável à Sérima Arte e é seu algoz (O Jogador), tudo deságua nessa figura que se anula diante das câmaras, pois nada tem de atrativo tradicional. Seria apenas um bom moço de comédias românticas, não fosse sua linhagem, filho de mãe atriz e pai cantor e no início de carreira um jovem ator de vanguarda teatral.

Ele seduz o olhar do espectador para o que existe fora dele, o ator, como se nada tivesse a ver com os papéis sinistros que encarna. Não que não saiba fugir dessa imagem de falso bom moço, já que em Guerra dos Mundos Spielberg o transformou num americano em pânico armado contra os alienígenas. Ele pode fazer qualquer coisa, como é o caso do velho motorista maluco de Ongs no filme Um dia perfeito, de 2015, sobre o fim da guerra em Sarajevo, em que toma conta do filme fingindo não ser ninguém, e é apenas tudo.



É que sua preferência é anular-se até o osso aparentando o que não é, para que possamos enxergar o essencial: o próprio cinema. Porque a Sétima Arte não são os atores, nem o roteiro, nem os bastidores, o making of, o marketing, as tramas e a ação, como prova Orson Welles no seu póstumo O Outro Lado do Vento (disponível na Netflix). Um filme é apenas o cinema, em que todas as artes que confluem nele são coadjuvantes para que se apresente nas nossa fuças viciadas em comentários tipo “mas que fotografia!” e nos faça enxergar o óbvio.

Todo filme é sobre cinema e Tim Robbins é um dos seus supremos demiurgos. Atrai nossa percepção para que realmente conta, a arte imperceptível e anônima que teimamos em não ver em favor de ilusões e platitudes. Orson Welles apresenta um filme dentro do filme, e esse filme é uma alternativa ao seu clássico O Processo, que filmou nos anos 60 com Anthony Perkins fugindo desesperado de uma perseguição judicial e caindo nas garras da curiosidade das crianças. Neste O Outro lado do vento, é um casal nu que se defronta com a presença invisível do diretor (interpretado pelo maleva John Huston) que esnoba scripts, revela o talento de atores sem nenhuma expressão comercial e conta como um filme é impossível de ser realizado numa indústria que exige resultados financeiros e não arte.

Tim Robbins é o cara que não nasceu talhado para ser o ator principal nem coadjuvante, mas sim para ser espectador. Só que ele subverte esse destino e se funde no cinema, que é sua missão realizada com esmerada parcimônia. Ele é um dos monstros, o tipo de ator que encarna o personagem sem carregá-lo nas costas, como fazem os cavaleiros. Só que ao se transformar, se funde e aparentemente se anula. Ficamos com a melhor parte: seu talento de infinita capacidade de realização.