28 de fevereiro de 2018

INÚTIL GEOGRAFIA



Nei Duclós

Inútil geografia que desanda
conforme pulamos umbrais do espaçotempo

Qual o lugar em que teu coração manda
que não seja desejo e convivência?

O que lembras quando te confinam
Quais janelas te assombram?
Onde o chão que te ofertou abrigo
E o piso sujo pelo pobre outono?

Tudo se fecha menos a cultura
Que cevas em teus braços mansos
Nada se presta a uma investidura
Que não seja oração em forma de futuro


25 de fevereiro de 2018

GANHAR TEMPO, EM LUCIEN FEBVRE



Nei Duclós

Depois de ler mais de 400 páginas de Michelet e a Renascença, de Lucien Febvre, exponho aqui por itens minhas impressões, para resumir o que aprendi do grandes mestre da Escola de Annales, que revolucionou a História junto com Marc Bloch:

A História não muda por rupturas, mas por continuidades que chegam a pontos limite. Uma sequência que se esgota e abre a guarda para um salto, em que a nova situação não se opõe à antiga, mas carrega dentro de si os principais elementos herdados da fase anterior. A humanidade não dorme por longos períodos, sempre há a presença da vida entre os protagonistas que movem a História.

A Renascença é uma criação do gênio de Michelet, um protagonista de uma geração de autodidatas que na França precisava criar uma tradição depois de décadas de guerras e de ruínas. Ele transformou as múltiplas manifestações renascentistas, já detectadas por vários autores, num conceito denso, que virou cânone e que hoje esquecemos dessa sua origem de tão consolidado que ficou.

A contribuição de outros autores, como Stendhal e Étiènne Delécluze, não foi de historiadores especialistas, mas de grandes observadores, sensíveis e cultos, que ousavam pontificar sobre o que viam, especialmente o grande choque cultural da realidade italiana na mentalidade dos franceses exaustos da guerra. Lucien Febvre chama a atenção que não é uma apropriação francesa da cultura italiana, mas o impacto que essa cultura estrangeira gerou entre os autores franceses viajantes.

O historiador tem a responsabilidade de  enxergar a sociedade e os acontecimentos de maneira completa, sem cair em armadilhas do simplismo, da percepção viciada. Lucîen Febvre varre a literatura histórica sobre a Renascença e encontra sempre os mesmos defeitos. Por isso destaca o papel fundamental de Michelet, o grande autor da Revolução Francesa e o criador do conceito de Renascença dentro da diversidade das datas, das inúmeras fontes que deságuam na retomada criativa da cultura clássica e no resgate da importância cultural de uma época desprezada, a Idade Média.

Mais não digo por enquanto. Ganhei tempo lendo este livro, lançado em 1995 pela Scritta.


24 de fevereiro de 2018

SEM SENTIDO



Nei Duclós

Não vou aborrecê-los com meu pesadelo
Ou distraí-los com minha fantasia
Tampouco fingir que temos futuro
Ou nos enganar à luz do realismo

O tempo é a verdadeira tirania
Repartido em postas de um peixe obscuro
A nos impor a ideia de um destino
A cruzar umbrais de rota envergadura

Somos a palavra que negou a carne
A que não habita as longas profecias
Escape de uma divindade espúria
Por não assumir o que a dor nos repetia

A de ser feliz, realizado ou submisso
O de ter vivido o que hoje é espuma

Somos a vontade no sufoco da ferrugem
Antes que a voz ecoe sem sentido


23 de fevereiro de 2018

SATURNO



Nei Duclós

Acordo sempre antes do tempo
O presente preso no tirano Saturno
O futuro escapa porque jamais aporta

Onde fica a alegria neste mundo torto
Não há captura da ladina raposa
Soa a trompa no bosque de lobos
Aguardo o inverno na cabana de lona


TEM DIA



Nei Duclós

Tem dia que só capricha
Abre canais assíduos
Por onde escoam explicitas
Contendas de verbo rígido
Renovadas por confisco
Das teias sem equilíbrio

Tem dia de boa índole
Como um bicho de pelúcia
Conforto de pele lisa
Que na memória se tinge
Rosto ainda sem litígio

É dia assim que combino
Um café forte contigo


21 de fevereiro de 2018

GÁVEA SILENTE



Nei Duclós

Nenhuma palavra assume a gávea
Que silente pesca no horizonte
Não busca a terra, não força a vista
Não diz ardente nem comanda o vento

Arte é enxugar a gana
de tudo dominar, águia no deserto
É preservar a voz sobre a montanha
Ouvir-se Deus, que nada monitora

É solta a pluma que descobre
ao cair no mar, sua conduta
Roça o sal com seu açúcar
Galopa a onda, que namora